sábado, março 31, 2007

A primeira dor de Rajid. E também a última.

Rajid era uma menino paquistanês que não sentia dor. Normal. Rajid tinha nascido em uma família portadora de uma anomalia genética que os impedia de sentir dor física. Quando alguns cientistas britânicos conheceram o garoto, ele vivia nas ruas de Islamabad, onde ganhava alguns trocados exibindo o que de melhor sabia fazer: andar sobre brasas, perfurar o corpo com facas e ferir sua pele com lâminas afiadas. Um dia apareceu uma garota de cabelos negros e olhos pequenos para ver o show de Rajid. Assim que a viu, ele decidiu que naquela hora iria se mutilar e queimar seus pés sem sentir dor somente para ela. Na tarde seguinte, a garota apareceu de novo, e Rajid percebeu o quanto era prazeroso se esfolar só para alguém. Mas a garota não gostava de Rajid, ela o via como mais uma das inúmeras aberrações que vagavam pelas ruas quentes da cidade. Rajid descobriu onde a garota vivia e começou a se apresentar na frente do seu portão. Em vão. A garota não aparecia mais para vê-lo. Ao ter certeza de que ela não lhe daria mesmo nenhuma chance, Rajid passou a se perfurar com os espinhos das rosas que a garota nunca aceitou de presente. Depois de um mês de cortes que não doíam, brasas que não queimavam e perfurações que não sangravam, Rajid subiu no telhado de uma casa e saltou para a morte. Os cientistas disseram que o garoto estava testando seus limites para ganhar um pouco mais de dinheiro dos curiosos. Mas Rajid sabia que o motivo era outro: lanças, chamas e espinhos eram nada diante daquela inesperada dor que ele começou a sentir no coração desde o primeiro dia que viu a garota de cabelos negros e olhos pequenos. E, com aquela dor, o pobre Rajid, tão inexperiente diante dos sofrimentos do corpo, viu que não daria para conviver.

P.S.: o garoto paquistanês que não sentia dor realmente existiu. E pulou do telhado de uma casa no dia em que fez 14 anos. A garota de cabelos negros e olhos pequenos nunca existiu, mas conforta mais pensar que Rajid pulou por ela.

2 comentários:

alberto disse...

você é um poeta, mesmo que não o queira. arrepiante a narrativa. quanto ao post sobre 'a noite do aquário', como pode achar que há esperança para essa mãe que, bem, que sabemos o que faz (não quero fizer aqui contando o fim da história, tão bem tramada por ti)? enfim, adorei o texto.

Anônimo disse...

Quanta bobagem!