terça-feira, março 30, 2010

Trem fantasma

CINCO COISAS QUE ME DÃO MUITO MEDO. PELA ORDEM DO SUSTO;

1) A capa da revista Rolling Stone, com o Pedro Bial escovando os dentes. (se tivesse escovado direitinho, desde criança, os dentinhos dele seriam mais branquinhos, né?

2) A atriz Suzana Vieira vivendo Maria, mãe de Jesus, no espetáculo da Paixão de Cristo em Nova Jerusalém (de Virgem Maria ela não tem nada, talvez só a idade aproximada da personagem)

3) O quadro de Marco Luque no programa CQC (supostamente, ele deveria dar respostas engraçadas para perguntas dos telespectadores. Mas a gente só ri, de alívio, quando o quadro termina)

4) O cenário, o figurino e as barbas postiças da série A História de Ester, na Record (é tudo tão feio que a sala da casa da gente parece que foi decorada pelo Sig Bergamin)

5) Ver a Xuxa fazendo comercial de shampoo (se ela tivesse cabelo, ia ser bem bacana)

terça-feira, março 23, 2010

SOS Mulher

Já adianto que este não é um post feminista, ainda que sua intenção primeira seja sair em defesa das mulheres. Não sei se elas precisam, mas vou defendê-las mesmo assim. Nas últimas semanas, dei de prestar mais atenção nos comerciais de tevê e passei a sintonizar o rádio do carro em emissoras de notícias – acho que ando mais preocupado em saber das condições do tempo e do trânsito do que das novidades do mundo pop. Ou ouço notícias ou o CD Iê Iê Iê, do Arnaldo Antunes, que para mim faz as rimas mais simples e bacaninhas da música brasileira. Pois nesta minha recente imersão em notícias e comerciais, percebi o seguinte: a onda do politicamente correto, que decidiu preservar os anões, os gays e os gordos, não está nem aí pra mulherada. Em grande parte dos comerciais, elas continuam a aparecer como gastonas, fúteis ou como obstáculos para a felicidade dos seus maridos.

Muita gente caiu de pau no comercial da cerveja Devassa, que trazia uma Paris Hilton toda insinuante na janela de um apartamento na orla carioca. Tanto fizeram, que o comercial saiu do ar. Um amigo jornalista, cheio de fontes no mundo corporativo, me garantiu que aquele corpão nem era o da Paris Hilton. A loira americana, sem bunda e sem peitos, teria precisado de uma dublê nas gravações do comercial. Só a carinha de queixo pontudo era mesmo dela – o resto, todas aquelas curvas sinuosas, era produto brasileiro mesmo. Mas eu nem achei aquele comercial de cerveja tão ofensivo assim.

Para mim, muito pior é uma propaganda que está sendo veiculada agora, de uma cerveja que quer ser chamada de cervejão. Para poder sair e beber com os amigos, o rapaz do comercial tem de deixar o cartão de crédito com a namorada, que vai passar o dia esfolando a conta bancária do coitado. É um casal que realmente se merece. O que o comercial no fundo quer dizer? Que a liberdade tem, literalmente, um preço medido em cifrões: o rapaz aceita pagar por um dia livre na companhia dos amigos e a moça concorda em receber. Em troca de uma sandália nova, ou de um vestido da estação, ela não está nem aí para que o companheiro vai fazer. Realmente muito dignificante. Não sei se é machismo de minha parte, mas custo a acreditar que numa operação como esta a mulher leve alguma vantagem. Como nestas grandes transações financeiras, eu acho que ela está comprando a parte podre do negócio.

No sábado, acho que mais por birra do que por distração, fiquei no carro ouvindo um programa especial sobre o evento Risadaria, uma reunião de comediantes que se estendeu por todo fim de semana no Ibirapuera. Uma amiga insistiu muito para que eu fosse com ela, mas eu fujo desta onda de stand-up comedy com o mesmo empenho que uma criança foge de salada de legumes. O programa do rádio era o seguinte: vários repórteres pediam para que os participantes do Risadaria contassem algumas piadas publicáveis no ar. Foi tão engraçado quanto ouvir o boletim dos congestionamentos nas marginais. Quase todos os comediantes contaram piadas sobre mulheres burras, feias ou depravadas. Fiquei ouvindo o programa por quase meia hora: contabilizei uma piada sobre criança gulosa, outra sobre velhinhos e todo o resto foi sobre mulheres. Um comediante disse que ter ciúme de mulher feia era tão desnecessário quanto colocar no seguro um Fiat 147. Outro contou a piada de um detetive que, ao ser contratado para seguir os passos da mulher de um homem desconfiado, encontrou a sua própria mulher, loira, é claro, no quarto de um motel – de onde a retirou na base de chutes e pontapés. Entendi, com tristeza, que parte dos nossos humoristas ainda vive de fazer pinturas nas cavernas.

Para completar minha semana feminina, leio na Folha de S. Paulo, de domingo, uma entrevista em que a atriz Lúcia Veríssimo diz que tem aprendido muita coisa com a velhice. Lúcia Veríssimo tem 51 anos. A coisa anda tão ruim para o lado das mulheres que uma delas, ainda bonita e famosa aos 51 anos, aceita que a velhice já chegou... Muito triste.

quarta-feira, março 10, 2010

Café pequeno

Há dois meses foi inaugurado um restaurante sérvio na Vila Madalena. Um casarão quase de esquina, de paredes revestidas com páginas de jornais impressas em alfabeto cirílico e uma simpática varanda onde é possível ouvir um tipo de música que me pareceu cigana. Antes, no mesmo endereço, funcionou por pouquíssimo tempo um restaurante de comida mineira que eu visitei apenas uma vez, na companhia do amigo Márlio Vilela, um mineiro bem mais original do que a refeição que nos foi servida. Sou curioso por estes cardápios meio exóticos ao nosso paladar, como o catalão, o húngaro, o peruano. Embora, sempre que visite um lugar assim, talvez por medo eu peço o prato que me soa mais familiar. No caso do restaurante sérvio, onde estive no último domingo, optei por um peixe cozido com legumes. Mais banal, impossível. O que valeu a visita, no entanto, ainda estava por acontecer.

O garçom, vestido com roupas militares, perguntou se eu gostaria de um café expresso ou do café turco. Pedi o expresso. Ele me disse, então, que se eu optasse pelo turco, o dono do restaurante, que nasceu em uma localidade próxima a Belgrado e está no Brasil há seis anos, iria ler minha sorte na borra do café. Cortesia da casa, ele me explicou. Óbvio que troquei o pedido. Meu café turco chegou em uma xícara grande e, com ele, algumas instruções. Antes de tomar, eu deveria esperar dois minutos, até que a borra se depositasse no fundo. Depois de tomar, eu deveria virar a xícara, esperar cinco minutos e chamar pelo dono. Foi o que fiz.

O dono, rapaz simpático e de bom papo, veio, se apresentou e sentou-se à mesa. Perguntou se eu era destro ou canhoto e então segurou a xícara com as duas mãos. Minutos de um silêncio apavorante, enquanto ele manipulava a xícara como quem está diante de um diamante de incontáveis quilates. “Eu não vejo futuro”, ele me nocauteou. “Que ótimo”, eu respondi. “Então eu nem vou pagar a conta”. Concentrado, ele retomou a leitura. “Eu vejo que em sua vida está tudo redondo”. Olhei preocupado para a minha circunferência e pensei que o cara sabia o que estava dizendo. “Você....”, ele prosseguiu.... “você é uma pessoa que demora muito tempo para reformar a casa. Hum... você demora uns dez anos para reformar a casa”. Desde quando os astros se preocupam com a reforma da nossa casa, eu ia dizer, quando ele continuou. “Eu vejo uma torre, um farol, um farol de mar...E vejo também um vulcão, um vulcão em cima de uma base muito sólida”. Perguntei se isso era bom. Ele respondeu que achava que era, porque a erupção do vulcão podia ser um grande acontecimento. Sempre que a televisão mostra erupção de vulcão, as pessoas estão correndo, apavoradas e sujas de cinza. Achei que as coisas estavam piorando legal.

Então ele pediu para que eu colocasse o dedo indicador dentro da xícara, girasse-o na borra de café de forma a produzir um furinho e fizesse um desejo. Obedeci. “Eu vejo um desejo muito fraquinho”, ele falou, enquanto eu tentava tirar aquela porra de café de debaixo da minha unha. “É um desejo fraquinho mesmo, viu. Nem sei se vai se realizar. Se for se realizar, vai demorar muito, mas acho que nem vai. Dá uma olhada na xícara, seu desejo é este buraquinho em forma de cisne aí no fundo”. Olhei a xícara e disse a ele que aquilo lá no fundo parecia um pato, e não um cisne. “Eu também acho que é um pato”, ele me disse. “Eu só falei que é um cisne para ficar um pouquinho mais bonito”.

Paguei a conta e fui embora. De todas as vezes em que visitei videntes e cartomantes, esta foi, disparada a melhor. Porque eu comi um peixinho bom, por um preço justo e o dono do restaurante não me enganou como as cartomantes sempre fizeram: ele deixou claro que sabia do meu futuro tanto quanto eu. Ou seja, nadinha!

segunda-feira, março 08, 2010

Variações sobre o mesmo tema

Toda semana tem a sua notícia trágica, ainda que não seja de grande impacto na mídia. A da semana passada, na minha opinião, veio do outro lado do mundo. Um casal de coreanos foi capturado pela polícia, após cinco meses de fuga, acusado de não alimentar a filha, um bebê de cinco meses, que morreu de inanição. Chocante, sim. Mas o que vem a seguir é pior: viciados em Internet, os dois passavam mais de 12 horas por dia em uma lan house, obcecados por um joguinho em que deveriam criar uma filha virtual. Enquanto se dedicavam ao bebê do computador, a filhinha de verdade, cujas fotos são estarrecedoras, morria de fome sobre um colchão na sala da casa.

Sem querer soar obsoleto, há algum tempo que a internet, a despeito de todas as suas vantagens e maravilhas, tem enlouquecido algumas pessoas. A Folha de S. Paulo publicou, neste domingo, reportagem mostrando uma série de jovens que, à mesa dos restaurantes, ficam checando e-mails em seus iPhones, deixando os interlocutores com caras de idiota. Já passei por isso e posso atestar que é uma sensação de desprezo irremediável: você ali, convidado que foi para jantar, fica observando seu anfitrião entretido com e-mails e notícias, sem ter nada mais a fazer além de contar as casquinhas de pão que caíram sobre a toalha do restaurante.

Na última sexta-feira, ludibriado pelos elogios da mídia, fui ver Direito de Amar, longa de estreia do estilista Tom Ford, um dos filmes mais bregas que já vi nos últimos tempos. Na sua tentativa de ser um esteta do cinema, quem sabe nos moldes de um Luchino Visconti, Ford nada mais fez do que colecionar imagens que ficariam bem num vídeo promocional de algum motel barato. Mas o povo da moda diz que Tom Ford é Deus e que seu filme tem uma beleza titânica...então, fiquemos assim: quem acreditar nisso, que corra para o cinema mais próximo.

Mas não é sobre o filme da tela que eu queria falar, e sim do filminho que rolou a duas poltronas da minha: assim que as luzes se apagaram, um sujeito relativamente conhecido do mundo cultural da cidade tirou seu iPhone do bolso e começou a checar os e-mails. Primeiro, os leu. Depois, passou a responder um a um. Feito isso, gastou o tempo restante da projeção a ler notícias e incomodar o público com a luzinha que escapava do seu aparelho. Fico pensando se não é mais barato fazer isso em casa. Mas talvez ele more sozinho, e então é mais legal ir ao cinema mostrar o quanto a gente é antenada com a tecnologia.

Eu ainda estava com este episódio na cabeça quando uma amiga me ligou, no início da tarde de ontem. Ela tinha combinado de almoçar com um amigo, mas nada do sujeito aparecer. Ela ligava na casa dele e ninguém atendia, no celular dava caixa postal. Já eram quase três horas quando ela, finalmente, conseguiu falar com o cara. Ele estava em outra cidade e ficou surpreso com o telefonema da minha amiga. “Como assim?”, ele perguntou. “Eu avisei você que não ia almoçar”. Indignada, minha amiga respondeu: “Avisou como? Não me ligou no celular, não me ligou em casa. Para mim, o almoço estava em pé”. E então ele explicou: “Eu avisei pelo facebook”. O que a gente faz com um sujeito desses? Ou seja, agora a gente combina algo com alguém e tem de ficar conectado no facebook, no Orkut e no twitter para saber se o compromisso continua em pé? É isso que o futuro nos reserva?

Já contei aqui que a primeira coisa que fiz neste ano foi sair do twitter. Poucas coisas me deram tanta alegria. Estou no facebook sei lá por qual motivo: nunca usei esta ferramenta para nada. Acho que nem foto eu tenho lá. O que eu preciso dizer, para os poucos e bons amigos que tenho, digo ao vivo ou pelo telefone. Ou por e-mail, que acho bacana também. Porque são formas discretas de comunicação. Digo o que interessa a mim e a eles, e não ao restante do povo que vive conectado. Saí do twitter quando me dei conta de que quase todo mundo usava aquele espaço para falar de si próprio, do sabor do miojo que tinha comido, do chocolate que tinha comprado para a filha e de quantos banhos havia tomado nos dias de calor. Eu vivia me perguntando por que raios eu tinha de saber de tudo isso? Fechei minha conta e fiquei bem feliz.

Hoje eu penso o seguinte: a gente usa o twitter não para dizer aos outros o que estamos fazendo. Usamos para convencer a nós mesmos de que estamos fazendo algo produtivo, de que nossos dias iguais têm uma pitadinha de excitação aqui e ali, de que nosso cotidiano massacrado pela rotina pode parecer interessante aos olhos dos outros. Pois não parece. Nem aos olhos dos outros e nem aos nossos próprios. Infelizmente esta é a nossa vida. Pode ser a nossa danação, ou a nossa delícia, dependendo de como encararmos o fato. Divulgamos o que fazemos na tentativa – saudável, eu acredito – de nos enganar, de nos dar uma importância que na realidade nem sempre temos. Afinal, levar o gato para tomar banho pode até nos fazer feliz. Mas eu pergunto: o mundo precisa saber disso?

quinta-feira, março 04, 2010

Naquela mesa tá faltando ele

Assim que me mudei para São Paulo, um amigo do Jornal da Tarde me levou para jantar na cantina Famiglia Mancini, uma maneira carinhosa de me dar as boas-vindas à cidade. Eu já conhecia o lugar e confesso que nunca esteve entre meus prediletos. Em todo caso, achei que seria pouco elegante recusar o convite e lá fomos nós, enfrentar as filas na calçada do Bexiga. O garçom nos acomodou em uma daquelas saletas em que havia lugar para duas mesas – a nossa e a de um casal que chegara praticamente na mesma hora que nós. Eles deviam ter por volta de 40 anos e talvez, mas agora o cálculo é por conta e risco da minha imaginação – devessem estar juntos por mais de dez.

Cada um abriu o seu próprio cardápio e fez um pedido diferente ao garçom. Mergulharam, então, em um silêncio que perdurou pelo jantar inteiro, mais de uma hora de um mutismo assustador. Cada um olhava para um canto, os rostos não se encontravam jamais; um polvo talvez soubesse o que fazer com as mãos melhor que eles. A única expressão que ouvi, dele, foi um muito obrigado quando o garçom trouxe o troco. E foram embora tão mudos quanto chegaram. Eu e meu amigo, que à época era solteiro e hoje está no terceiro casamento, comentamos como devia ser chato voltar para casa daquele jeito, praticamente na companhia de um estranho. Imaginamos que aquele não deveria ter sido um episódio particular – era possível que aquele silêncio e aquele desconhecimento da presença do outro já rondassem aquele casal por muito tempo. Concordamos que a solidão a dois é um espetáculo muito triste.

Ainda hoje me lembro daquele jantar porque ele não foi só marcante, foi o primeiro de uma série que eu pude ver se repetir ao longo dos anos. Encontros tingidos pelo silêncio ou por um único assunto, repetido à exaustão. Há um mês, sentei-me ao lado de um casal num restaurante da Vila Madalena. Era horário de almoço e eles estavam visivelmente apressados e nervosos. Melhor dizendo, ela estava nervosa. Quanto a ele, não posso me certificar se estava realmente vivo. Ou ali. Foi impossível ignorar o motivo do nervosismo dela. Com a voz em volume máximo, ela contou que precisava ser operada e o plano de saúde não permitia que o procedimento fosse feito por um médico não conveniado. O problema era exatamente este – nem uma vírgula a mais, nem uma exclamação a menos. E ela levou cerca de 40 minutos para explicar isso para o marido. Ele deve ter entendido logo na primeira vez, mas ela repetiu a informação com todas as variações possíveis, enquanto ele não abriu a boca uma única vez, a não ser para introduzir o garfo. Pensei no que era mais dolorido – o silêncio total do casal do passado ou a repetição obsessiva de uma única fala para que não despontasse um abismo entre o casal atual.

Como às vezes alguns assuntos parecem nos perseguir em determinadas épocas, três ou quatro dias depois daquele almoço saí para comer uma pizza, desta vez com dois amigos. Era domingo de carnaval e a pizzaria, concorrida durante todas as noites do ano, exibia uma calma estranha. Ao nosso lado, sentou-se – e lá vamos nós de novo – um outro casal, elegante e cheio de distinção. Pois ela passou todo o tempo, todo o tempo mesmo, contando de como perdera e mais tarde recuperara um anel de brilhantes, o mesmo que ela orgulhosamente exibia como prova de sua aventura. Novamente a história foi repetida pelo menos cinco vezes pela mulher, enquanto o marido entornava suas tacinhas de vinho tinto e mal tocava na pizza. No resto do país era carnaval, mas na mesa deles já havia sido decretada a quarta-feira de cinzas.

É pretensioso demais tentar desvendar o que vai pela cabeça dos outros, embora alguns sinais sejam visíveis. Mas todos estes episódios de absoluta falta de comunicação e entrosamento só me fazem acreditar que muita gente já não está mais onde deveria estar. O corpo ainda continua saindo e fazendo companhia para o outro, mas a mente e o coração já escaparam faz tempo.

segunda-feira, março 01, 2010

Lei do psiu

Não houve nenhuma briga no caminho, nada de especialmente ruim aconteceu e também não estamos de mal com o mundo. Ao menos, acreditamos que não. Mesmo assim, não sentimos muita vontade de conversar, de sair, de encontrar as pessoas pelo prazer de jogar conversa fora, de passar um tempão com um amigo diante de uma xícara de café falando de nossa surpresa por até hoje não terem encontrado o túmulo da Cleópatra, ou qualquer outro assunto igualmente palpitante. A gente só quer ficar quieto. No máximo, ouvir vozes que não sejam as vozes dos amigos, mas aquelas que vêm dos livros, dos filmes, da nossa quietude. É aquela época em que a gente tem a certeza de que não veio do macaco, mas sim dos ursos – e por isso precisa hibernar, ainda que não seja inverno. Mas em algum lugar talvez já seja. Em algum lugar que talvez só a gente conheça já está fazendo frio.

Eu não costumo me assustar muito com estes períodos. Sei que eles partirão com a mesma delicadeza com que chegaram. Eu só sinto que é preciso levar a sério este momento, é preciso calar um pouco as outras vozes para que possamos ouvir o que esta voz especial que nos visita de vez em quando tem a nos revelar. O problema é que esta voz costuma falar baixo e insiste em que a conversa seja particular – daí nossa necessidade de se ausentar um pouquinho. Não tem a ver com tristeza, não tem a ver com depressão, não tem a ver com a incompreensão da qual às vezes nos achamos vítimas. Tem a ver com o silêncio – o que não é menos assustador.

Penso se às vezes não temos o direito de dizer não ao mundo, não estamos interessados, volte outra hora. Não estamos interessados em saber se as ONGs que firmaram parceria com a Madonna ainda não receberam nenhum tostão da estrela; se a atual edição do Big Brother é a mais homofóbica – ou a mais homoafetiva – da história; se Jesus era gay, se o Aécio Neves vai ser o vice na chapa de José Serra à presidência da República ou se irá se lançar senador por Minas Gerais, se o ator Robert Pattinson, o vampiro do filme Crepúsculo, tem alergia à vagina e é dono de uma cabeleira indecentemente oleosa, se a Dilma Roussef caiu no gosto popular um mês antes do previsto e se, como eu li hoje numa matéria sobre teatro, ser broxa e fracassado é a cara dos paulistanos do ano 2 mil. Sei que é o mundo que temos, ou pelo menos parte dele (torço para que existam coisas bem melhores no nosso horizonte). Mas será que não temos o direito de, pelo menos por alguns dias, não fazer parte de nada? Será que estaríamos sendo arrogantes e prepotentes se pedíssemos para descer um pouquinho deste ônibus para verificar se os atalhos não são mais interessantes que as pistas expressas em que trafegamos?

Saí para jantar há alguns dias com um amigo. Ele me disse que eu tinha perdido o brilho e o humor. É algo chato de ouvir (isso se a gente acreditar que algum dia teve brilho e humor). Mas é algo que ninguém precisa nos dizer: nós sabemos muito bem quando o nosso ibope está dando traço. Nestas horas, continuo acreditando, o melhor a fazer é não resistir a esta onda. O jeito é encher os pulmões de ar, acalmar-se, lembrar que desde criança nós já sabemos boiar e torcer, torcer de coração, para que esta onda nos leve para alguma praia bem bacana. Aonde chegaremos morrendo de saudade da algazarra dos amigos e cheios de boas histórias para contar. Até lá, só o barulho do mar. Se tanto.