domingo, setembro 30, 2007

O estranho mundo de Nuno Cobra

Neste domingo eu assisti, pela primeira vez, a alguns trechos da programação da Record News, o novo canal de jornalismo da Rede Record, que, se não me engano, entrou no ar na terça-feira da semana passada. Depois de algumas imagens do arquivo da emissora, com destaque para os festivais de música e os programas de humor dos anos 60, entrou no ar uma longa entrevista com Nuno Cobra, famoso por ter sido o preparador físico de Ayrton Senna e ter escrito, logo após a morte do piloto, um best-seller com orientações sobre alguns cuidados que, na opinião dele, são imprescindíveis à saúde física e mental. Foi um depoimento interessantíssimo porque não suscitou aquela velha motivação de concordar ou não com o entrevistado. Ao contrário, a entrevista nos fez pensar em que mundo vive Nuno Cobra. Ou, melhor ainda, em que mundo vivemos nós.

Em primeiro lugar, ele disse que não acredita em doenças e, por isso mesmo, é avesso a qualquer tipo de medicação. Caso não tenhamos chegado ao mundo já portadores de alguma doença genética, nosso destino é ser irremediavelmente saudáveis. Segundo ele, nossa propensão à saúde é tão grande, mas tão grande, que precisamos de um esforço imenso, do nosso corpo e da nossa mente, para adoecer. O equivalente a dizer que cada uma de nossas doenças seria o resultado de algum tipo de armadilha que armamos para nós mesmos.

Em outro momento da entrevista, Cobra disse que nosso dia deveria terminar, no máximo, às 19h30. Qualquer atividade além deste horário seria uma temeridade. Temos de ir para a cama, de acordo com suas lições, assim que escurece. No inverno, o ideal seria que nos escondêssemos debaixo dos cobertores por volta das 18h30, logo após o jantar, que deveria ocorrer às 18h. "Se a família se reunisse às 18h para jantar, haveria tempo suficiente para a refeição e uma boa conversa até as 19h30, quando todos deveriam se recolher", disse ele. "Mas e todos os nossos compromissos, o nosso trabalho e o nosso lazer, que geralmente avançam até muito mais tarde?', perguntou a repórter. "Tudo o que fazemos depois das 19h é um desrespeito ao nosso corpo, é um desrespeito à nossa milenar herança genética, um desrespeito aos nossos antepassados, que se recolhiam quando o sol se punha. Nosso corpo está programado para se deitar quando escurece, ele pede isso".

Num outro trecho, ele disse que anseia pela chegada do dia em que um político em campanha vai prometer fechar paulatinamente os hospitais - porque a população, saudável, já não vai mais precisar deles. Neste momento, o nosso Ministério da Saúde deveria ser chamado de Ministério da Doença, já que ele parece apenas administrar epidemias, calamidades e morte. Quando ele fizer jus ao nome de Ministério da Saúde, hospitais e clínicas poderão ser fechados, pois seremos uma nação pronta para passar bem longe dos consultórios médicos.

Pensei muito na entrevista de Nuno Cobra e, com todo respeito à sua já comprovada experiência, eu acho que não gostaria de viver neste mundo que ele desenhou, não. Talvez seja legal realmente passar longe dos hospitais, não adoecer, comer bem e todas estas coisas. Mas, tirando aqueles longínquos anos da infância, eu sempre acho que o bom da vida - e juro que não há nenhuma conotação sexual nisso, embora não haveria problema algum se houvesse - se dá justamente depois, bem depois que o sol se põe... Nuno Cobra gosta das galinhas. Eu prefiro as corujas.

quinta-feira, setembro 27, 2007

Olha o passarinho!

Sei que há algum tempo eu já abordei este assunto por aqui, mas volto a ele porque é algo que realmente me intriga. A capa da revista IstoÉ Gente desta semana traz o ator Marcos Palmeira segurando nos braços sua filha recém-nascida, que já sabemos chamar-se Júlia. O ator está usando um avental verde claro e uma touca da mesma cor, o que nos leva a crer que tinha acabado de sair da sala de parto quando a foto foi feita. Assim, a pequena Júlia pode ter sido apresentada primeiro à lente dos fotógrafos e só depois ao seio materno. Como nunca trabalhei em revistas de celebridades, tenho curiosidade em saber como são feitas transações jornalísticas como esta da qual participou o galã global. É alguém da revista que liga para ele perguntando a que horas está marcado o parto? Ou seria ele próprio ou alguém de sua confiança a telefonar para as redações dizendo que encontra-se liberada a entrada no berçário para repórteres, fotógrafos e cinegrafistas? E a mais indelicada das questões: estas transações envolvem alguma remuneração ou é apenas a vaidade pessoal que está em jogo?

Faço estas perguntas porque realmente tenho curiosidade em saber por quais caminhos algumas das questões mais privadas das celebridades chegam ao conhecimento público. Como qualquer frequentador de consultórios médicos e dentários e de salões de cabeleireiros eu passeio curioso por estas publicações em que a notícia costuma ser a decoração da sala, o novo filtro da piscina, algum roteiro de viagem ou, acima de tudo, os descaminhos sentimentais dos famosos. De tudo que li a este respeito, três episódios insistem em permanecer na minha memória. O primeiro deles mostrava a mãe do cantor Herbert Vianna após o acidente em que morreu a mulher do líder dos Paralamas. A mãe foi flagrada deixando flores no túmulo da nora. Não consegui entender se a imagem foi fruto de alguma combinação com os editores da revista ou se era apenas obra de algum fotógrafo absolutamente inoportuno. O segundo flagrante mostrava a apresentadora e atriz Babi curtindo "sozinha" o fim de um namoro numa cabana em Campos do Jordão. Como em cada foto ela exibia uma roupa diferente, imagino que sua solidão foi aplacada por uma equipe de produtores, figurinistas, maquiadores e fotógrafos. E o terceiro revelava a apresentadora Ana Maria Braga de joelhos no santuário de Fátima, em Portugal, pagando uma promessa por ter vencido uma doença grave. São exemplos típicos de situações que parecem exigir recolhimento e respeito, devoção e silêncio, solidão e quietude. Mas nada disso integra mais o glossário de alguns famosos.

Os fatos, quaisquer que sejam eles, perderam a importância como fatos em si - eles só passam a ter sua existência justificada quando chegam às páginas de revistas. Acredito que não haja saudosismo algum, ou ingenuidade alguma, em acreditar que alguns episódios na vida de qualquer pessoa, independentemente do seu grau de exposição na sociedade, deveriam dizer respeito somente a ela, seus familiares e amigos mais próximos. Mas alguns artistas estão se tornando peritos em banalizar sua privacidade. Reclamam dos paparazzi apenas quando estes chegam em momentos inoportunos - como se restasse aos paparazzi alguma outra alternativa. Mas, na maioria das vezes, parecem enxergar neles um termômetro de sua própria popularidade e cotação no mercado. E assim, do berço ao túmulo, seguem acreditando que eles próprios são, no fundo, o mais interessante e irresistível personagem que poderiam vir a representar.

terça-feira, setembro 25, 2007

Dez mandamentos e uma conclusão

Faço aqui uma pequena compilação de alguns dos principais conselhos dados por uma série de especialistas que se dizem interessados na melhoria da nossa qualidade de vida. Pensei muito sobre eles nos últimos dias e cheguei a uma conclusão que vou divulgar no fim deste post. Espero que vocês tenham paciência para chegar até lá. São conselhos curtos e práticos, talvez valha mesmo a pena dar uma olhadinha:

1) Aprenda a se valorizar e comece a fazer apenas o que você realmente sente vontade de fazer;

2) Atenda apenas aos chamados que você julgar realmente interessantes e jamais saia do seu canto apenas para deixar alguém feliz;

3) Tenha plena consciência do seu território e dos seus domínios. Não aceite que invadam seu espaço e nem ceda para outra pessoa o lugar que você conquistou por merecimento;

4) Cultive e explore a sua vaidade sem culpa. Você tem de ser o primeiro a se achar belo e irresistível - se conseguir, os outros concordarão com você;

5) Encare o sexo sem culpa e o pratique todas as vezes em que sentir vontade. Não se intimide se o ruído de suas relações sexuais acordar os vizinhos. Afinal, gritar de prazer é muito melhor do que gritar de dor;

6) Jamais descuide de sua forma física. Faça alongamentos várias vezes por dia. Nunca se levante sem dar uma boa espreguiçada, boceje à vontade e cultive seu direito à preguiça;

7) Faça pequenas refeições várias vezes por dia. O seu metabolismo vai ficar mais rápido e as chances de engordar serão mínimas;

8) Procure cochilar sempre depois das refeições. Isso aumentará sua disposição e será essencial para a sua longevidade;

9) Redobre sua atenção durante a noite, que é quando os perigos são maiores;

10) Aprenda a se valorizar acima de tudo e de todos. Aceite, sem remorsos, o fato de que você é o ser mais importante do mundo.

Agora, minha conclusão: se você conseguir seguir à risca todos estes mandamentos, parabéns - você deixou de ser uma pessoa e se transformou num gato. Todos estes mandamentos, que podem ser encontrados de verdade em livros de auto-ajuda e revistas semanais, nada mais são do que o dia-a-dia do Pirulito e da Ritinha, meus dois gatinhos que, embora adorem dormir sobre jornais, revistas e o teclado do meu computador, continuam deliciosamente sábios e analfabetos. Exluindo o fato de que eles soltam muito mais pêlos que eu, no resto eles dão de dez a zero em mim. Miau pra todo mundo.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Semaninha difícil de sair de casa

Mais do que entrar em restaurantes, fazer compras, bater pernas, dormir tarde e tomar caipirinha na praia, há dois hábitos que definem com mais precisão os meus períodos de férias: voltar para a cama depois de tomar café da manhã e ver novelas. Quando estas coisas se juntam, das duas uma: ou estou doente ou estou viajando. A segunda opção costuma ser muito melhor. Se eu não morasse em São Paulo, onde a quantidade de peças e filmes em cartaz às vezes chega a ser angustiante, pois sabemos que não conseguiremos ver tudo mesmo, e onde a disposição dos amigos para um chopinho também merece respeito, eu seria um noveleiro irrecuperável. Tenho certeza disso. Esta semana mesmo, em que Paraíso Tropical está chegando ao fim, sei que sairei de casa com dor no coração e com a cabeça no assassino da Thaís. Na quinta e na sexta, no entanto, dias em que as centenas de falcatruas criadas por Gilberto Braga começarão a ser resolvidas, estou pensando em deixar o telefone fora do gancho, o celular desligado e inventar uma ótima desculpa para poder ficar em casa quietão, vendo o Olavo do magistral Wagner Moura quebrar a cara. Ou não, já que neste país os canalhas podem começar a se dar bem até em novelas.

Embore eu goste de novelas, fico muito feliz de constatar que a maioria delas é medonha. Assim a gente fica livre, e sem culpa, para fazer coisas muito mais interessantes, como ir ao cinema e ao teatro, ler, tomar biritas com os amigos, ver as entrevistas da Oprah e do David Letterman, assistir a House e a outros seriados médicos e de investigação policial que, de tão parecidos, a gente sempre acha que está vendo o mesmo, e ainda assim curte todos, ficar de bobeira na Internet, ir à academia ou simplesmente jogar conversa fora no telefone enquanto presta mais atenção nas coisas que precisam ser feitas pra deixar a casa da gente mais transada do que na conversa de quem está do outro lado da linha. Mas como fazer tudo isso nesta semana em que a gente vai descobrir quem tentou matar a Marion, quem envenenou o personagem do Edwin Luisi (esqueci o nome do cara), quem mandou a Thaís desta pra pior e que dia a Bebel vai perder o bebê? Vai ser duro fazer outra coisa....

Mas há algo maravilhoso pairando no ar: durante os intervalos de Paraíso Tropical, a Globo vem bombardeando a gente com as chamadas de Duas Caras, a nova trama do Aguinaldo Silva. E, graças a Deus, tudo tem uma cara de pão amanhecido que vai ser fácil, muito fácil, fugir da Suzana Vieira, da Renata Sorrah e de uma galera que já conseguiu cansar a gente antes mesmo do primeiro capítulo. É só mostrar uma ao lado da outra, uma vilã e a outra boazinha, pra gente achar que se enganou e está revendo Senhora do Destino. E então a gente já sabe que vai colocar o cinema em dia, vai ver as peças que estão em cartaz nos Satyros de segunda a quinta, vai terminar o livro novo do Philip Roth e, mais que tudo, vai sentir como é bom se libertar deste vício maldito que é novela boa...

quinta-feira, setembro 20, 2007

Um mundo ruim pra cachorro

São raras as notícias de jornais que eu não consigo ler. Por falta de coragem ou por saber, antecipadamente, que elas vão me fazer mal, viro a página rapidamente. Sei que se eu continuar com essas manias, e do jeito que as coisas vão, dentro de pouco tempo talvez eu não tenha estômago para ler mais nada. Hoje, por exemplo, topei com uma dessas notícias cuja leitura eu tive de interromper ainda no título: Revoltado, dono espanca e põe fogo em pitbull. Poucas vezes vi um grau de violência tão concentrado em tão poucas palavras. Além de não ter conseguido ler a notícia, encontro ainda mais dificuldade em tentar imaginar a cena.

Deve haver algo errado nesta minha maneira de compreender o mundo, pois percebo, escrevendo aqui agora, que fui capaz de ler todas as notícias sobre os diversos ataques de pitbulls ocorridos nas últimas semanas - e resolvo amarelar justamente agora, quando o cão se transforma em vítima. A bem da verdade, acredito que em todos os casos de ataques os cães são tão vítimas quanto suas presas indefesas: vítimas de donos cruéis e inescrupulosos, vítimas de veterinários que aceitaram mutilar suas orelhas e caudas, vítimas de maus tratos e treinamentos irresponsáveis que só fizeram aumentar uma provável vocação para a violência com que a natureza já dotou esta raça, vítimas de provocações, de correntes amarradas em seus pescoços, de cubículos em que eles não conseguem exercitar o mais básico de seus instintos, vítimas, enfim, de um certo destino que conspirou para dotá-los de uma incompreensível bestialidade.

Ao ler a notícia de hoje, entendi que um dono de pitbull que tenha tido a coragem de espancá-lo e depois queimá-lo, seguramente também teve a vocação anterior de treiná-lo para ser um monstro capaz de saltar na jugular de uma criança de três anos. Não tenho nenhuma experiência sobre comportamento animal, mas acredito que os bichos, principalmente os cães, são, ou se transformam, naquilo que queremos e esperamos deles. Outro dia, andando pela Vila Madalena, vi uma senhora carregando um pitbull maravilhoso no colo. Era um filhotão cinza claro, de olhos verdes absolutamente fascinantes e bondosos. Ela estava saindo do veterinário e, como o animal não havia ainda tomado todas as vacinas, decidiu protegê-lo da sujeira das ruas, carregando-o nos braços. Fui brincar com o bicho e ele festejou minha presença como se fosse o mais paciente dos labradores. Duvido que este cão, aparentemente acostumado a receber um amor incondicional de sua dona, e por isso mesmo sedento para externar este amor diante de qualquer estranjo, venha a ser capaz algum dia de travar suas poderosas mandíbulas sobre uma simples barata.

Não satisfeitos com a nossa violência atávica, capaz de queimar e espancar índios até a morte, arrastar crianças e enfermeiras nas rodas de nossos carros e chutar empregadas domésticas nos pontos de ônibus, estamos nos especializando também em transformar nossos cães em feras. E, quando por algum motivo eles não cumprem exatamente o que esperamos deles, optamos por espancá-los e queimá-los...como se eles fossem humanos!!!. Por isso eu não consegui ler a notícia até o fim: ao espancar e queimar o animal, aquele dono insandecido deve ter enxergado nele um status de ser humano - já que, até agora, somente pessoas são queimadas ou espancadas até a morte. Talvez tenha sido um upgrade para o cachorro: agora eles também podem ter o mesmo fim destinado a nós, humanos. É um mundo assustador este nosso.

domingo, setembro 16, 2007

Cinzas

Fumei uma única vez na vida, e deve ter sido algo tão marcante que até hoje me lembro das circunstâncias: foi num show da Angela Rô Rô, em 1988, em uma casa de espetáculos já extinta na rua Butantã. Tinha ido ao show com um amigo que, anos mais tarde, me venderia o apartamento em que eu vivo hoje, na Vila Madalena. Só agora me dou conta que, em 1988, ainda era possível assistir a um show com um cigarrinho entre os dedos. Naquela noite, como nas outras em que tive a chance de ver algum show de Angela Rô Rô, ela se mostrou novamente tomada por alguma entidade politicamente incorreta, pois ouvir alguns de seus comentários maliciosos sobre os companheiros da classe artística era tão prazeroso quanto viajar em sua voz rouca e dolorida por alguns clássicos da MPB. No meio do show, talvez por ver tanta gente fumando em pé ao meu lado, pedi ao meu amigo que me desse um cigarro e o fumei inteirinho. Minutos depois da última tragada, estava com uma dor de cabeça muito chata - e assim me despedi para sempre da nicotina, cinco minutos após ter sido apresentado a ela.

Mas sou, e quem me conhece sabe disso, completamente tranqüilo em relação a quem fuma. Meus amigos fumantes podem soltar suas baforadas em minha casa, no meu carro, na mesa do restaurante ou em qualquer outro lugar que eu não me incomodo mesmo. É claro que existe uma certa fumacinha pentelha, que parece sair do cinzeiro para se dirigir exatamente na direção do nariz de quem não fuma. Mas nunca, na minha vida inteira, pedi para que alguém deixasse de fumar ao meu lado. Eu acho que os fumantes, com razão, aliás, já são devidamente policiados em todos os lugares desta cidade - talvez eu me sentisse mal em engrossar esta patrulha.

Eu me lembro de ter presenciado dois episódios constrangedores envolvendo cigarro. Um sábado à tarde, muitos anos atrás, eu fui almoçar no restaurante Pequi, que acabava de ser aberto e ainda estava longe de se tornar um dos locais mais freq6uentados pela classe teatral de São Paulo. Além de mim, havia apenas um outro rapaz, também sozinho, almoçando em uma mesa perto da porta. Então entrou um casal e se acomodou no meio do salão. Aquele cara, quando terminou de almoçar, perguntou para o garçom se era permitido fumar ali. O garçom disse que não era, mas caso eu e o casal não nos incomodássemos, ele podia acender seu sagrado cigarrinho depois da refeição. Eu dei sinal verde, mas o casal, que estava pelo menos a uns oito metros daquele cara, não permitiu que ele fumasse, ainda que ele se encontrasse ao lado da porta. Ele pagou a conta e foi embora, fumar em pé lá na calçada.

O segundo episódio envolveu dois amigos, também numa tarde de sábado. Eu não os via fazia muito tempo, quando eles me ligaram me chamando para um almoço. Passaram em casa e, assim que entrei no carro, um deles acendeu um cigarro. O amigo que estava ao volante disse, então, que no carro dele ninguém fumava. Achamos que ele estivesse brincando, mas não. O amigo fumante ainda insistiu, dizendo que seguraria o cigarro do lado de fora da janela. Não houve acordo: ou ele apagava o cigarro ou teria de descer do carro. Ficou um climão tão chato que o resto do almoço não foi lá grande coisa também.

Mas, nos últimos tempos, eu comecei a me incomodar com os fumantes. E não por causa da fumaça, e sim em virtude das embalagens de cigarro. Não reclamar da fumaça, ainda que ela realmente incomode, é uma coisa. Agora, almoçar vendo a imagen de um rato morto estampada no maço de cigarro, uma gengiva carcomida pela nicotina, um bebê prematuro nascido de mãe fumante e alguém com uma doença pulmonar acoplado a um monte de tubos de respiração, putz, isso sim é foda. Então eu percebi que quem fuma não vai deixar de fazê-lo porque as embalagens de cigarro se tornaram monstruosas - sobrou mais uma vez para os não fumantes que, além do ar carregado da fumaça produzida pelos amigos, ainda são obrigados a ver um ratinho morto ao lado do couvert na hora do almoço...

E antes que alguém me pergunte por que eu não peço para que meus amigos não fumem perto de mim, eu já respondo: eu gosto muito deles, mesmo dos defumados. E eles já são perseguidos demais, no cinema, no trabalho, no avião, nos restaurantes e em todos os outros lugares imagináveis. Na minha casa eu os deixo em paz, com a janela sempre aberta e, de preferência, com o rato do maço de cigarro virado para baixo.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Entre ser otário e ser sacana

Há mais ou menos um mês eu estava na fila do cinema com um amigo, também jornalista, quando, praticamente do nada, ele me disse que, em sua opinião, só restavam duas opções para nós, brasileiros: ou sermos sacanas ou sermos otários. No pouco tempo que teve para defender seu ponto de vista, antes de o filme começar, ele disse que não acreditava mais na possibilidade de sermos honestos sem que isso representasse o primeiro passo para que fôssemos passados para trás, deixados de lado como um objeto antiquado. Não concordei com ele, argumentei que era um pensamento alarmista, sem fundamento e, acima de tudo perigoso, por representar um convite ou um passe-livre para a bandalheira. Se não quisermos ser otários, e acredito que ninguém realmente o queira, a única alternativa seria a pilantragem. É isso? Prefiro não pensar assim.

Embora o assunto Renan Calheiros já tenha nos cansado demais, volto a ele apenas para dizer que a absolvição do senador me fez pensar novamente naquela conversa do cinema. Hoje, com pesar, eu daria razão para aquele amigo. Espero mudar de opinião em breve, mas hoje eu fecho com ele: o Brasil ficou dividido entre milhões de otários que acreditavam na justiça e na sua representatividade no Senado, e uns poucos sacanas que livraram a barra de um político acusado de um sem-número de atitudes ilícitas.

Por algum motivo que eu não sei direito qual, tenho pensado muito nos petistas nestes últimos dias, principalmente nos meus amigos petistas, que não sei mais de onde eles são capazes de buscar argumentos para defender este governo e suas convicções. Cheguei à conclusão de que defender o PT, hoje, é como defender algo de puro e cristalino que um dia existiu em nós e que agora se acabou. Desistir do PT, como eu desisti depois de 20 anos votando incondicionalmente neste partido, significa desistir de nossas próprias esperanças, é como encarar que ficamos órfãos de um tipo de ideologia e crença que nos alimentou durante muito tempo. Desistir do PT é , principalmente, aceitar o fato de que estamos sozinhos de novo. Por isso deve ser tão difícil, tão penoso.

Talvez estes argumentos soem infantis e debilóides, mas é a única explicação que eu encontro para se continuar acreditando em um partido que fez o inimaginável para manter Renan Calheiros na presidência do Senado. Como aceitar a abstenção de um Aloízio Mercadante, que alegou não haver provas suficientes para incriminar Renan? Meus Deus, o que será que o nobre Mercadante tem lido nos jornais e nas revistas nos últimos dias, além da sessão de horóscopo? Como olhar para a senadora Ideli Salvatti e não sentir uma incontrolável vontade de vomitar na tela da tevê, diante de uma traidora tão contumaz, tão contrária aos anseios populares, tão interessada em aprender a coreografia grotesca de sua coleguinha Angela Guadagnin, aquela da dança da pizza? Como encarar ainda com um certo deleite e cumplicidade a postura anacrônica e cada vez mais insossa de Eduardo Suplicy, que continua cantando Blowin' the Wind quando os ventos que realmente sopram ou são os da corrupção ou o dos furacões?

Como diria a Regina Duarte, hoje eu tenho medo, muito medo. Sabem do quê? De ir ao cinema neste fim de semana e encontrar de novo aquele meu amigo. Tenho medo de que ele me encontre na fila, abra um sorriso sarcástico e me diga: E então, eu não te falei??? Vai ser foda. Acho mais prudente alugar um vídeo e ficar em casa.

quarta-feira, setembro 12, 2007

O Senado te merece, Renan. Sejam felizes


HOJE É UM DAQUELES DIAS EM QUE A GENTE SENTE MUITO NOJO, VERGONHA, REVOLTA E PRINCIPALMENTE MUITA RAIVA DE SER BRASILEIRO.
COMO É TRISTE FAZER PARTE DESTE FILME RUIM, DESTE BANGUE-BANGUE DE PÉSSIMA QUALIDADE, EM QUE O BANDIDO VENCE E O MOCINHO SEMPRE MORRE NO FINAL.
SE É QUE AINDA EXISTE ALGUM MOCINHO NESTE PAÍS, TEM HORAS QUE A GENTE NEM SABE MAIS.
SABEM O QUE VAI RESTAR DESTA HISTÓRIA DE ESCÃNDALOS? UMA REVISTA PLAYBOY NAS BANCAS, COM AS FOTOS DA MÕNICA VELOSO PELADONA NA CAPA. E VAI SER RECORDE DE VENDA. GANHOU ELA, GANHOU O RENAN, GANHARAM OS SENADORES TÃO CORRUPTOS QUANTO ELE - E A GENTE, SÓ PARA NÃO PERDER O COSTUME, LEVOU NA BUNDA DE NOVO. SÉRIO MESMO: TEM HORA QUE DÁ VONTADE DE DESLIGAR O COMPUTADOR, PARAR DE TRABALHAR, PARAR DE PAGAR TODOS OS IMPOSTOS QUE A GENTE PAGA, E MUDAR DE LADO TAMBÉM. O PROBLEMA É QUE A GENTE NUNCA VAI SER TÃO COMPETENTE QUANTO ELES. PAÍS DE BOSTA ESTE AQUI

segunda-feira, setembro 10, 2007

Mulher-sanduíche

Impressionante a entrevista da atriz Juliana Paes na Folha de S. Paulo deste domingo. Tive de reler algumas declarações da moça para ter certeza de quão longe podia ir o raciocínio da atriz que estréia no sábado o musical Os Produtores. Garota-propaganda de uma marca de cerveja, ela banalizou as estatísticas que associam o consumo de álcool aos acidentes de carro. Depois, pediu para não ser fotografada ao lado de produtos da concorrência e precisou esconder suas unhas curtas, já que anuncia uma linha de unhas postiças. Por alguns instantes, eu já não sabia se ela era realmente uma pessoa ou algum tipo de painel publicitário, uma versão mais bela, desejada e esteticamente impecável daqueles homens-sanduíches que circulam espremidos entre placas de compra e venda de ouro pelo centro da cidade.

Há alguns meses, vendo televisão, tive um susto semelhante. Em um dos intervalos da novela das oito, acredito eu, apareceu a Ivete Sangalo anunciando uma marca de iogurte que tinha 0% de gordura. No bloco seguinte, estava ela de novo, desta vez para tentar vender um novo tipo de chocolate da Kopenhagen. Como um mesmo artista pode se prestar a papéis tão dinstintos: primeiro, tenta vender um iogurte sem gordura; cinco minutos depois, surge diante das câmeras com os lábios cobertos de chocolate...Ou bem uma coisa ou bem outra, penso humildemente. E fico assustado com o comprometimento da nossa classe artística com tantos produtos, com tantos lançamentos.... Priscila Fantin, outro dia, estampava um anúncio de copiadoras; Daniela Mercury aceitou dançar entre as prateleiras de um desinfetante; Suzana Vieira exibe com orgulho um adesivo para dentaduras; o rosto de Maitê Proença aparece gigante em um outdoor que anuncia apartamentos para a classe média-baixa e por aí a coisa vai indo.

Nossos intelectuais, depois que se convenceram de que o governo Lula está afundando sozinho, sem o auxílio de qualquer teoria conspiratória, entraram num processo de hibernação e só devem ser vistos passeando pelas alamedas da Cidade Universitária. Nossos artistas só mostram a cara nos anúncios publicitários. Dos políticos, Fernando Gabeira é um dos únicos em quem ainda vale muito a pena prestar atenção...E a gente vai ficando sozinho, sem nada e ninguém que nos transmita aquela velha e boa sensação de alma lavada. Daí a gente liga a televisão e já vê os anúncios da oitava edição do Big Brother Brasil. Se não estivesse tão quente, eu entraria debaixo do edredon e ficaria lá até o ano que vem...

quinta-feira, setembro 06, 2007

Meu bairro

Moro em São Paulo há quase vinte anos e ainda não consegui desvendar um dos mistérios desta cidade: será que os bairros daqui também escondem aquelas figuras famosas que parecem existir em todos os bairros das cidades do interior? O louco, o andarilho, o catador de quinquilharias, a solteirona misteriosa, o bêbado, a beata, a fofoqueira da janela, a benzedeira, a garota que se entregou ao sexo muito antes dos meninos da mesma idade (houve um tempo em que isso era um escândalo!), o craque de futebol, o macumbeiro... Fecho os olhos e tenho a impressão que todos eles estão desfilando na minha frente, pelas ruas ainda não pavimentadas da Vila Rami, bairro da cidade de Jundiaí em que nasci.

Loucos havia pelo menos dois. Um era o Miguel, que andava descalço e falava sozinho. Ele tinha uma legião de sobrinhos sempre prontos a partir em sua procura quando anoitecia e ele ainda não tinha voltado para casa. O outro, mais jovem, se chamava Zé da Hélia, muito educado até que alguém gritasse: olha a chuva. Quando ouvia esta frase, em qualquer situação ou ambiente, Zé da Hélia entrava em surto e distribuía os piores palavrões que a língua portuguesa já produziu. Depois, baixava a bola e voltava a sorrir, até que alguém, de uma janela entreaberta, gritasse "olha a chuva" à passagem de seu vulto magro e ligeiramente corcunda. Nunca ninguém conseguiu explicar que misterioso efeito a palavra chuva exercia sobre ele. Em comum, Zé da Hélia e Miguel tinham apenas o corte de cabelo escovinha, uma gentileza do Ismael, o barbeiro que chocou o bairro quando, no fim dos anos 60, mandou pintar na porta do seu salão: cabeleireiro unissex.

Maria Cruz era a solteirona. Ela chegou ao bairro vinda de Bragança Paulista, em companhia da mãe e do irmão, Dito Cruz, que tinha apenas dois dentes. Quando a mãe morreu, os dois passaram a viver numa casa pequena em condições pouco higiênicas - culpa dos gatos que compartilhavam do mesmo teto, diziam os vizinhos. No início de dezembro, Maria Cruz montava um presépio que fazia a alegria da garotada. Todo ano ele era exatamente igual, com as mesmas peças de sempre, e todo ano nós não víamos a hora de chegar dezembro para visitá-lo. Dito Cruz, também solteiro, tinha um pé bem fincado na rebeldia. Um dia, alguém arrumou um emprego para ele, com carteira assinada e tudo. Quando se apresentou na firma para o exame médico, o doutor lhe disse: "Senhor Benedito, agora que o senhor tem emprego, está na hora de consertar os dentes". Ele fechou a cara e respondeu no mesmo instante: "O que o senhor come com os seus dentes, eu como com os meus". O médico bateu um carimbo de reprovado em sua ficha e ele voltou para casa sem emprego e com as gengivas gargalhando.

Havia o seu Vitório, que com suas rezas garantia curar cachumba, rubéola, quebranto e todo tipo de escamação de pele a que chamávamos de cobreiro. A dona Rosália, que fazia balas de coco como ninguém e que foi a primeira moradora da rua a ter telefone. Como tínhamos muita vontade de usar o aparelho mas não conhecíamos ninguém a quem telefonar, ela deixava a gente ligar para a polícia ou para o bombeiro - só para ouvirmos uma voz do outro lado. E então ela explicava rapidinho que era apenas desejo de criança. Havia também a dona Beatriz, que vendia lápis de cor e papel sulfite e ainda era a mãe da Rita, que se tornou uma celebridade no bairro quando resolveu entrar para o convento. Em uma de suas raras folgas, antes de fazer os votos, Rita conheceu um motorista de ônibus, se apaixonou por ele e trocou a vocação por uma dura vida de dona de casa. A gente odiou, porque ela nunca mais usou aquele hábito cinza claro que só deixava parte do seu rosto à mostra.

Os dias mais tristes era quando alguém se mudava. No fundo, todos nós sabíamos que sair do bairro significava sair de nossas vidas - já que nossas vidas nunca iam além do bairro. Um dia, foi embora o Zé Maria, que anos antes tinha me atingido com uma pedra que me rasgou a testa. Num outro dia, foi embora o Wilson, filho da dona Nádia, que ganhava a vida fritando pastéis atrás do balcão de um pequeno bar que um dia fora do meu tio. Depois, foi embora o Valmir, que era bom de bola e melhor ainda no estilingue. Depois o Chiquinho, que todo mundo dizia ter o cabelo amarelo de tanto comer espaguete. Até que um dia morreu o Bicudo, atingido por uma bala que estraçalhou seu fígado bem no meio de uma quermesse numa noite de domingo. O autor do disparo era seu melhor amigo, que tinha levado o revólver para a festa apenas para exibir algo que, tenho certeza, não passava de um brinquedo novo. Os dois tinham 16 anos.

E um dia veio o asfalto, depois os semáforos, o riozinho em que o bairro inteiro aprendeu a nadar foi canalizado, o campinho de futebol deu lugar a dois prédios de apartamentos e, talvez por causa de tudo isso, todo mundo resolveu cuidar da vida longe da rua. E eu nunca mais soube de nenhum deles, nunca mais.

segunda-feira, setembro 03, 2007

Desembarque

Volto a São Paulo e a este espaço depois de uma semana de intenso trabalho no Rio de Janeiro. Pela primeira vez, eu vi o Rio como costumo ver São Paulo - um local acima de tudo de trabalho. Durante os sete dias que passei entre os cariocas, tive a chance de observar o mar por apenas duas vezes: a primeira delas, quando o avião desceu no aeroporto Santos Dumont; na segunda, quando decolou de lá. Mas não devo ter perdido muita coisa, foi uma semana fria e chuvosa, o que só contribuiu para que eu me concentrasse no trabalho a ser feito, sem aquela desconfiança incômoda de que eu poderia estar fazendo coisa melhor.Fiquei longe de e-mails, blogs e internets, já que havia apenas dois computadores no hotel, que estavam permanentemente ocupados por hóspedes insones e também sem coisa melhor a fazer.
Este post é mais para avisar os amigos - e principalmente a mim mesmo - que estou de volta e que farei o possível para aparecer por aqui com mais freqüência. No momento, tenho pouco a dizer, a não ser que este trabalho que realizei no Rio me colocou em contato com a produção teatral do Brasil inteiro. Os detalhes virão com o tempo.
Em tempo: vi, pela primeira vez, a versão carioca do Guia Off, uma publicação de bolso que traz todas as peças em cartaz na cidade. Posso, portanto, afirmar sem medo de cometer qualquer injustiça: para quem gosta de teatro, São Paulo é o melhor lugar do mundo.
Até daqui a pouco.