tag:blogger.com,1999:blog-24557308190233382822024-03-14T12:53:20.436-03:00Só no BlogSó no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.comBlogger369125tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-26194812562226464412016-10-17T13:04:00.003-02:002016-10-17T13:04:59.650-02:0012º Round - O texto integral da peçaÍntegra do texto 12º Round - Autor: Sérgio Roveri<br />
<br />
Texto registrado na Fundação Biblioteca Nacional. Todos os direitos reservados. A reprodução ou utilização deste texto, parcial ou integralmente, estão proibidas por lei<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 36.0pt; line-height: 115%;">12º
ROUND<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Texto de Sérgio
Roveri – <a href="mailto:sroveri@terra.com.br">sroveri@terra.com.br</a><o:p></o:p></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<br /></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<br /></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<br /></div>
<div style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; mso-line-height-alt: 12.2pt;">
<i><span style="font-size: 14.0pt;">Projeto contemplado pelo <span style="color: #141823;">Edital ProAc
34/2015 de Apoio à Criação Literária – Texto de Dramaturgia no Estado de São
Paulo.<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; mso-line-height-alt: 12.2pt;">
<br /></div>
<div style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; mso-line-height-alt: 12.2pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Três
atores (dois homens e uma mulher) encontram-se em volta de um ringue de boxe. O
ringue não precisa, necessariamente, ser demarcado por cordas. Seus limites
podem ser imaginários. Dentro do ringue, dois boxeadores profissionais disputam
uma luta cuja duração obedece rigorosamente o regulamento do esporte: 12 rounds
com duração de três minutos cada um, e um intervalo de um minuto entre eles. A
rigor, não há diálogos para os boxeadores, embora eles possam, de alguma
maneira, utilizar de palavras para exprimir o cansaço da luta. A duração das
cenas irá acompanhar o tempo dos rounds: 12 cenas de três minutos, com uma cena
de um minuto entre elas. O importante é que, em todos os momentos em que os
atores tenham fala, os boxeadores estejam lutando. Em relação aos atores, a
divisão de personagens se dará da seguinte forma:<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">ATOR 1: O LUTADOR (Emile Griffith)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">ATOR 2: O OPONENTE (Kid Paret) E DEMAIS PERSONAGENS
MASCULINOS<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">ATRIZ: TODAS AS PERSONAGENS FEMININAS DA HISTÓRIA<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">PRIMEIRO ROUND – TRÊS MINUTOS<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O Oponente encontra-se em coma, num leito de
hospital.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO (os boxeadores, no centro do ringue, começam a
disputa)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">OPONENTE (Kid Paret)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Minhas mãos são maltratadas. Não pelas lutas. Também
por elas, mas não somente por elas. Minhas mãos são maltratadas pela cana. Pelo
corte da cana. Meu corpo também é maltratado, um pouco pelos golpes, muito mais
pelo sol. O sol das lavouras de cana, um sol que não existe em nenhum outro
lugar do mundo, só nas lavouras de cana. Eu tentei me proteger. Dos golpes. Dos
golpes dele e dos golpes do sol. Os dois me atingiram, os dois me atingiram
além da conta e hoje eu tenho o corpo judiado. Eu abandonei as lavouras de
cana... Mas ainda hoje eu acordo assustado... Não, ainda hoje, não. Eu não
acordo mais. Quando eu acordava, quando eu ainda era capaz de acordar, eu
acordava assustado com a lembrança do facão nas minhas mãos. Mesmo depois que
eu troquei o facão pelas luvas do boxe, eu continuei a acordar assustado.
Assustado e com as mãos maltratadas. Às vezes, eu imagino que... que o facão
nunca saiu realmente das minhas mãos. Ele foi escondido pelas luvas, disfarçado
debaixo delas, mas sempre pronto a ferir. Eu não falo inglês.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Já as mãos dele... as mãos dele são finas. Finas e macias.
Mãos de quem nunca cortou cana, mãos de quem nunca soube, nem pelos livros, o
que é o sol de um canavial e o que é um facão. As mãos dele são pequenas
também. A primeira vez que eu vi aquelas mãos, eu pensei: ele não sobreviveria
um dia em uma lavoura de cana. Como ele chegou até aqui com essas mãos, tão
pequenas e macias? Alguém me disse que antes ele trabalhava com moda feminina.
Com o quê? Com moda, chapéus, essas coisas de mulher. Se eu falasse inglês, eu
diria: ora, com’on. Mas eu não falo inglês. E este é um mundo de homens.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Às vezes eu ouço algumas coisas, algumas coisas que
eles falam ao lado da cama, algumas coisas que eles sussurram. Eu não entendo
por que eles sussurram se todos estes equipamentos estão aí para confirmar que
eu já não sou mais capaz de ouvir. Eles não precisariam sussurrar, então. Eles
poderiam gritar. Eles sussurram que eu estou aqui há oito dias, do mesmo jeito
e na mesma posição. Eles falam de um inchaço, de um inchaço gigante. Oito dias,
então. E eles sussurram que talvez eu não vá muito longe. Talvez eu chegue ao
nono dia, talvez eu morra no décimo dia. Eu sinto que será no décimo. Eu sinto
que irei morrer no décimo dia. Sem falar uma única palavra de inglês e sem ter
aberto um açougue em Miami. Meu sonho. Talvez eu ainda tenha tempo de aprender
ao menos uma palavra de inglês. Mas o açougue... o açougue never. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">INTERVALO DE UM MINUTO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Atriz sobe ao ringue e dubla uma canção de Barbra
Streisand. A canção é The Way We Were, tema do filme O Nosso Amor de Ontem, e
será dublada a partir de sua estrofe final. É uma dublagem tosca, que poderia
ser feita em uma boate de travestis. Em seu canto do ringue, o Lutador
acompanha, de maneira ligeiramente afetada, a performance da atriz. Ele fecha
os olhos e deixa-se conduzir pela música. Torna-se frágil e feminino.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">ATRIZ<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Memories may be beautiful and yet</span></i><i><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;"><br />
<span style="background: white;">What's too painful to remember we simply choose
to forget</span><br />
<span style="background: white;">So it's the laughter we will remember</span><br />
<span style="background: white;">Whenever we remember the way we were<o:p></o:p></span></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">The way we were<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">SEGUNDO ROUND – TRÊS
MINUTOS<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">A música para de
maneira seca. Lutador abandona a postura fragilizada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO (os boxeadores, no centro do ringue, começam a
disputa)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">ATRIZ ASSUME A
PERSONAGEM DA MÃE DO LUTADOR.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Junioooor. Juniooor. Aqui
em cima. A mamãe. A mamãe aqui em cima. Um pouco mais em cima hoje. Mostra para
ele quem você é. Mostra para todos eles. Cale a boca deles. Junioooor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Eu grito, sim. Se vocês
estão incomodados, que mudem de lugar. Tem uns lugares vazios ali embaixo. Eu
vou gritar. Eu vou gritar até o fim da luta, até ver meu filho sair carregado
nos braços do público. Como um rei. Vejam só o corpo dele. Desde quando um
homem comum tem um corpo daqueles? Ele é um rei. Ele é um Deus. Um Deus que vai
calar a boca de todo mundo. Junioooooor. Arrebenta com ele, Junioooor.
Arrebenta. Isso, desçam mesmo, vão embora mesmo. Meu Deus, como vocês são
gordos. Gordos e molengas. Não, Junior, não. Protege o rosto, meu bebê. Não,
Junior. Aiiiii.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">É só por um tempo, meu
filho. Você já é grandinho e vai saber se cuidar. E você tem de ser forte para
dar o exemplo para os seus irmãos. Veja, veja aqui neste mapa. Onde é que nós estamos?
Você já é bem grandinho, deve saber onde nós estamos. Então aponta para a
mamãe. Isso, Junior, muito bem, meu amor. Nós estamos aqui. Você, a mamãe, os
seus irmãos, todo mundo que você conhece está aqui. E agora a mamãe vai mostrar
para onde ela está indo. A mamãe está indo para este outro pontinho aqui. Viu
como é pertinho? E esta parte azul é o mar. Mas é só um pouquinho de mar que
vai separar a gente. Coloca o seu dedinho aí. Está vendo? O mar que vai separar
a gente é menor que o seu dedinho. Quando você ficar com saudades da mamãe,
você se lembra disso: que a gente está longe só por um dedinho. E a mamãe vai
fazer a mesma coisa do lado de lá. Toda noite, quando eu me deitar, eu vou
olhar para o meu dedinho... ah, mas o meu dedinho é gordo, cabe muito mais mar
no meu dedinho... então eu vou colocar um pedacinho de unha no mapa e vou dizer
que você está longe de mim só um tiquinho de unha. Não vai ser mais fácil se a
gente pensar assim? E antes de o seu dedinho crescer, eu já vou estar de volta.
Eles vão cuidar bem de você, eles prometeram. Se eles não cuidarem, sabe o que
a mamãe vai fazer? A mamãe vai dar um pulão por cima deste pedacinho de mar
para vir te proteger. Então escreve. Vamos lá. H...A...I... Não, um T, isso é
não um T, Emile, isso é um... nem sei o que é isso. Faz um T. Isso, isso, meu
amor. E agora um I. Pronto. Haiti. É para lá que a mamãe está indo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Desculpa, Junior, eu
pensei que fosse mais fácil voltar. Quando a gente olha de perto, o mar é bem
maior do que o nosso dedinho. Eles prometeram que iam cuidar bem de você. Só
por isso eu fui. Eles prometeram. Quem fez isso com você?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">INTERVALO DE UM MINUTO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Em um canto do ringue,
lutador faz um delicado arranjo de flores para enfeitar um chapéu feminino. É
um trabalho caprichado, preciso, obra de um artesão. Depois de pronto, coloca o
chapéu na cabeça da mulher e faz os últimos acertos. Observa a mulher à
distância, veste as luvas de boxe e volta para o seu canto do ringue.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">TERCEIRO ROUND – TRÊS
MINUTOS<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO (os boxeadores, no centro do ringue, começam a
disputa)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">LUTADOR<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Nunca ninguém me
perguntou qual era o meu mês predileto. Deve ser o tipo de pergunta que não se
faz a alguém como eu. Ou é o tipo de pergunta que não se faz a alguém que faz o
que eu faço, ou que vive do que eu vivo. É provável que as pessoas esperem que
eu diga outras coisas. Se alguém, algum dia, tivesse me perguntado qual era meu
mês predileto, eu teria respondido abril. Talvez não seja o mês favorito de
ninguém. Desconfio que as pessoas diriam dezembro, setembro quem sabe.. Mas
dificilmente abril. Abril é quando eu volto a acreditar na possibilidade de um
sol, na possibilidade de uma luz. Abril é quando Nova York, a cidade em que eu
vivo agora, tenta se assemelhar à cidade em que eu nasci. Eu sei que é um plano
que já nasceu frustrado, pois há um mundo a separar a cidade onde eu vivo da
cidade em que eu nasci, um mundo de árvores e ondas, de areias e corpos, mas a
cada abril eu renovo as esperanças de que nunca mais haverá neve em minha vida.
Ainda que eu saiba que nada separe mais a cidade onde eu vivo agora da cidade
que eu nasci do que...do que eu. Ainda assim, abril sempre foi meu mês
favorito. Já não é mais. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Da porta do vestiário
até a balança eram nove passos. Eu sei por que já tinha contado outras vezes,
esta é uma das minhas manias. Embora eu saiba que todos os ringues do mundo têm
as mesmas medidas, ainda assim eu gosto de contar os passos de um canto a
outro. Eu acho que quem faz isso, no fundo, está atrás de algumas certezas.
Entre o sexto e o sétimo passo, eu ouvi a palavra. “Maricón”. Parei. Eu não
falo espanhol. Mas sei o significado de algumas poucas palavras, principalmente
daquelas que eu já ouvi mais de uma vez na vida. Olhei para o meu técnico e ele
fez um gesto curto e seco, algo que poderia ser entendido como: não dê bola
para isso. Dei mais dois passos, os dois passos que faltavam para que eu
finalmente assentasse os pés sobre a balança, quando eu voltei a ouvir a
palavra. “Maricón”. Se o ódio e a indignação pudessem ser medidos em gramas,
naquele momento eu estaria acima do peso. Então vieram as outras palavras: “</span><span lang="ES" style="color: #212121; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: ES; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Mañana voy a matar a usted y su marido”. </span><span style="color: #212121; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Quantos quilos a balança marca? Quantas são as palavras que eu não
entendo? É o meu peso que esta balança aponta? É de mim que estas palavras falam?
E em que momento tudo isso se confunde? Olhei para o meu técnico novamente e
nenhuma reação em seu rosto. Hoje eu diria que ele estava mais estático que os
ponteiros à minha frente. Desci da balança sem outra intenção a não ser a de
dar os nove passos que me levariam para fora do vestiário. Desta vez, foi entre
o quarto e quinto passo. Ele afinou a voz e fez alguma coisa parecida com isso:
“Hummmm....” e colocou a mão na minha bunda. No meu ombro, a mão do técnico. Na
minha bunda, a dele. Por uma questão de hábito, obedeci a mão do técnico e saí
do vestiário. O que ele disse lá dentro? Esquece, ele só quis te provocar. O
que ele disse lá dentro? Ele disse... ele disse que amanhã, na luta...que
amanhã na luta ele vai matar você e o seu marido. Eu não entendo. Eu nem sequer
tenho um marido.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #212121; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #212121; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">INTERVALO DE UM MINUTO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #212121; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">ATRIZ ASSUME O PAPEL DA FALSA NAMORADA DE GRIFFITH<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #212121; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Eles me pediram para que eu fizesse algumas fotos com ele, algumas poses
no banco de um parque. Eu deveria apenas segurar as mãos dele, encostar minha
cabeça em seu ombro, olhar bem nos olhos dele e fingir algum sentimento. Eu
disse que não me sentia muito à vontade para fazer isso, mas que se fosse para
ajudar, eu aceitaria. Eu não gostei quando eles usaram a palavra fingir. Finja
que você sente alguma coisa por ele. Eu não preciso fingir, eu sempre gostei
muito dele, mas não sei se é exatamente isso que vocês querem. Eu sempre senti
que ele precisava de alguma coisa, embora eu não soubesse dizer o quê. Mas
sempre tive a certeza de que eu era incapaz de dar esta coisa a ele. Talvez por
isso ele passasse tanto tempo longe de mim. Talvez por isso ele me trocasse por
outras companhias que... Escutem: por que vocês querem tudo isso? Estas fotos
todas nos jornais. Porque, eles disseram, porque as pessoas precisam pensar que
tudo que andam dizendo a respeito dele é mentira. Porque as pessoas precisam
acreditar que ele é normal. Mas ele é normal. Nós sabemos, mas não para um
lutador de boxe.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #212121; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">(Flashes de máquina fotográfica)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #212121; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">QUARTO ROUND – TRÊS
MINUTOS<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO (os boxeadores, no centro do ringue, começam a
disputa)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">OPONENTE AGORA NO PAPEL DE UM REPÓRTER<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Pois foi exatamente da maneira que eu estou falando.
Foi logo depois da luta. Ele estava suado ainda, com aquele corpão todo
brilhando de suor, parecia um homem feito de prata, e com o mesmo calção que
usou para lutar. Ele só teve tempo de tirar as luvas, parecia que estava com
tanta pressa, com tanta vontade de fazer aquilo que estava fazendo ali, no
banco do vestiário, que se fosse possível fazer aquilo de luvas, ele teria
feito. Quando eu lembro, é difícil dizer em que momento ele exibiu mais garra e
mais talento: se no ringue ou se ali, no banco daquele vestiário gelado. Pois foi
assim. Se você não acredita, tudo bem, eu paro de contar. Não saiu nos jornais
porque os jornais não dão uma merda dessas. Mas tinha tanto repórter ali, encostado
naquelas paredes de azulejo, que se cada um de nós pudesse publicar o que viu
naqueles segundos, ah, eu penso que o mundo ia virar de cabeça para baixo. O cara
é o campeão mundial, acaba de deixar o outro no chinelo, é aplaudido, aplaudido
não, ovacionado, ovacionado por um estádio lotado, todas as tevês do mundo
mostrando como o cara é demolidor, e então ele sai do ringue, corre até o vestiário,
agarra o namorado, é namorado que fala?, fica assim, ó, boca com boca, com o
suor ainda escorrendo pelas costas, quando a gente entra e vê tudo. Não, não
tenho nenhuma ideia fixa com suor... é que aquilo me marcou bastante, o suor...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Você queria que a gente dissesse assim: hei,
campeão, você vai ficar muito tempo aí beijando seu namorado? A gente queria te
entrevistar sobre... sobre... sobre a luta, claro. Alguns jornalistas ficaram olhando
para o chão, outros para o teto e alguns poucos, eu entre eles, encarando a
cena. Parecia que aquilo não ia ter fim. Acho que se cada um ali tivesse
flagrado os próprios pais na cama não teria ficado tão sem ação. O cara tinha
acabado de ganhar um título. Aquele mesmo braço que o juiz tinha erguido cinco
minutos antes, agora estava ali, alisando a coxa do namorado. Depois chegaram
os técnicos, alguns amigos dele, que ainda conseguiram ver o finalzinho do...
do... como eu chamo aquilo, do romance? Um dos técnicos olhou para a gente e
disse: senhores, ele já vai atender vocês. É só o tempo de ele tomar banho. Mas
daí, cara, daí veio a melhor parte: ele parou com os beijos, ajeitou o calção,
se levantou, abriu aquele sorrisão branco e veio em nossa direção. Porque isso
eu tenho de admitir: o filhadaputa tem um sorriso de ganhar concurso. Olhou
para nós, como se não tivesse acontecido nada, e falou: senhores, estou à
disposição para as perguntas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">INTERVALO DE UM MINUTO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Enquanto os boxeadores se recuperam, cada um de seu
lado do ringue, surge em off a voz de Frank Sinatra, cantando um de seus
maiores sucessos, Let me try again. A gravação, que limita-se a apenas um
minuto, vai privilegiar apenas os versos iniciais da canção:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">I
know I said that I was leaving<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">But
I just couldn't say good-bye<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">It
was only self-deceiving<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">To
walk away from someone who<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Means
everything in life to you<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">You
learn from every lonely day<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">I've
learned and I've come back to stay<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Let
me try again<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Let
me try again<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Think
of all we had before<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Let
me try once more<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">We
can have it all,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">You
and I again<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Just
forgive me,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Or
I'll die<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Please
let me try again<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #212121; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">QUINTO ROUND – TRÊS
MINUTOS<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO (os boxeadores, no centro do ringue, começam a
disputa)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">LUTADOR<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Que golpe deve ser usado para nocautear um fantasma?
Se ele estiver longe, e é isso que a gente espera dos fantasmas, eu usaria o
jab. Sei que não é um golpe muito potente, mas ainda não inventaram nada melhor
para exaurir o adversário, para quebrar sua resistência. O problema é que existe
uma coisa muito irritante em relação aos fantasmas: eles são incansáveis. E
você nunca é capaz de prever em qual lado do ringue eles vão aparecer. Há um
tipo de fantasma, que na minha opinião é o pior tipo, que costuma aparecer
também fora dos ringues. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Se o fantasma estiver próximo, e infelizmente é o
que costuma ocorrer na maioria dos casos, ou se você quiser derrubar suas
defesas na hora, o jeito é recorrer a um direto, mas sem se esquecer, é claro, de
usar a mão na qual você tem mais força – a minha, por exemplo, é a direita. Se
o fantasma ainda não estiver dominado, é sempre possível empregar uma variedade
de golpes na tentativa de derrotá-lo: o cruzado, o gancho, o uppercut. Eu vou
contar um segredo: eu usei todos estes golpes, de todas as formas e em todas as
combinações possíveis, e nunca cheguei sequer perto de derrotar o fantasma que eu
fiz despertar na décima noite, na noite em que ele finalmente morreu. O quanto
de mim morreu junto, naquela noite ainda fria de abril, é uma conta que não fui
capaz de concluir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Se ele queria tanto viver em Miami, comprar um
açougue por lá, por que diabos seu fantasma não sai das ruas de Nova York? Por
que tem de se esconder atrás de cada banca de jornal, atrás de cada tapume, de
cada carro estacionado? Por que tem de me assustar mesmo quando o sol corre
alto no céu? Porém, como é típico dos fantasmas, o dele também tem uma queda
por lugares sem luz: pelos cinemas, pelos teatros, por todos os quartos em que
eu tentei dormir desde aquela noite de abril. O fantasma dele também se sente
em casa nos vestiários, nos cantos de ringues, nas salas de musculação. É um
fantasma que, desconfio, ainda se preocupa em manter a forma. Mas em nenhum
desses lugares o fantasma dele encontrou melhor guarida do que nos espelhos, em
qualquer espelho. Enquanto eu faço a barba debaixo do chuveiro, o sangue que
escorre do meu rosto cortado desce pelo meu tronco e pernas e acumula-se em
pequenas poças ao redor dos meus pés. Esta é a minha derrota: nunca mais conseguir
encarar um espelho – e a gilete então tropeça cega pela minha face ensaboada
enquanto eu olho para a parede. Das paredes, eu desconfio, o fantasma dele não
gosta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Eu fico muito grato, senhor Sinatra. Eu admiro muito
o senhor como cantor. Como cantor e amigo, mas eu já tenho empresário e
pretendo continuar com ele.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">INTERVALO DE UM MINUTO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">ATRIZ ENCARA O PÚBLICO E FAZ UM DEPOIMENTO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Nos anos 60, era crime ser homossexual nos Estados
Unidos. As punições previstas para os homossexuais em território americano eram
tão severas quanto as empregadas na União Soviética, Cuba e Alemanha Oriental –
os maiores inimigos da América na época. A palavra “homossexual” não podia ser
publicada na imprensa. Por isso, quando queriam se referir a ele de maneira pejorativa,
os jornais costumavam dizer que havia algo de “diferente” naquele jovem campeão
que falava fino, que queria fazer chapéus e gostava de dançar em um tipo de bar
muito específico. O que os jornais gostariam de dizer, mas não podiam, era que
ele adorava frequentar bares e boates gays da região do Times Square, em Nova
York. Porém, estes lugares não podiam ser chamados abertamente assim. A saída
que eles encontraram foi promover shows de fachada – Barbra Streisand começou
sua carreira cantando em um desses bares. Ele a admirava muito e deixava isso
claro na potência dos seus aplausos. Mas ela não enxergava esta admiração, porque
não passava de uma garota judia e tímida que não tinha coragem de encarar a
plateia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">SEXTO ROUND – TRÊS
MINUTOS<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO (os boxeadores, no centro do ringue, começam a
disputa)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">OPONENTE AGORA NO PAPEL DE MATTHEW, NAMORADO DE
GRIFFITH<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Você vai querer que eu te chame de papai? Não ria. Estou
perguntando isso porque os meninos da minha idade, quando arrumam um namorado
mais velho, tipo assim, como você, eles começam a chamar o cara de papai, de
papi, de paizinho, uns nomes assim. Eu acho um horror, mas alguns caras gostam.
Então, se algum dia você quiser... O foda é que... é que... se eu chamar você
de papai, eu vou acabar me lembrando de algumas coisas que eu não quero
lembrar. Você nem é assim tão velho, na verdade, nem é quase velho. Está mais
para novo. Mas é que você é grande. Uma vez, eu vi num livro a figura de um
albatroz. Você conhece este pássaro? Ele é assim, muito largo. Da ponta de uma
asa até a ponta da outra, não sei, parece que cabe um mundo. Eu acho que você
tem ombros de albatroz. No fundo você é até novo. É que todo mundo trata você
como se você fosse um cara velho, por isso eu quis saber se você quer ser
chamado de papai. É que você é meio que chefe de todo mundo, não é?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A outra coisa dos meus amigos é que eles... bom,
quando eu contei pra eles que a gente estava junto, é oóóóbvio que eles não
acreditaram. Eu já sabia que eles não iam botar fé, mas você acha que eu não iria
contar? Você vive aparecendo na televisão, nos jornais... O último cara com
quem eu fiquei fazia uns bicos de limpar neve, cara. Daí aparece você e... como
eu iria ficar quieto? Só que eu falei pra eles ficarem de boca fechada, mas
você sabe como elas são, né? Elas, as bichinhas. Elas queriam te conhecer, só
que eu não sou louco de fazer isso. Eu sei como elas são... elas apunhalam
pelas costas. Era só eu levantar pra ir no banheiro que, quando eu voltasse, uma
delas já tinha pulado no seu colo. Uma, não, várias. Essas bichinhas falam que
você é homem demais para um cara só, ainda mais um carinha assim como eu, quase
raquítico...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O que eu queria falar deles, na verdade é... bom, na
verdade não é bem deles que eu queria falar, era mais da gente mesmo. Assim, um
pouco deles e um pouco da gente. É que eu não contei pra eles que a gente ainda
não...Na cabeça deles, eu sou o gayzinho mais bem comido de Nova York, eles nem
sacam que... a gente tá mais pra irmão. Eu sei que eles não têm nada a ver com
isso, eles não precisam saber de porra nenhuma da gente. Mas é que eu penso:
caralho, isso aqui é os anos 60, todo mundo come todo mundo... Até na rua. Eu
sei, eu sei... Você já me explicou. É foda, mas eu respeito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Viu... hei, olha pra mim. Em dezembro, quando eu
fizer 18 anos, à meia-noite e um do meu aniversário de 18 anos, você promete
que finalmente a gente vai... Mas à meia-noite e um, promete? Daí eu te chamo
de papai... Em dezembro... Papai Noel. Cara... eu só vou esperar porque eu te
amo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">INTERVALO DE UM MINUTO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">ATRIZ NO PAPEL DE UMA TELESPECTADORA NA NOITE DA
LUTA ENTRE GRIFFITH E PARET<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Mas isso é filme ou é de verdade? Eu fiz uma
pergunta. É filme ou é de verdade? Deixa esta cerveja e me fala. Isso é
verdade? O cara está... o que é isso? O cara está... ai... o cara está matando
o outro e você deixa o menino assistir. Depois ele não dorme de noite. Eu tô
achando que é de verdade. Alô, alô, Corina, você está com a tevê ligada? Então
vai lá na sala e olha. Tira esta cerveja do braço do sofá, não está vendo que
tá manchando tudo? Oi, Corina, é o que eu acabei de falar aqui em casa... é de
verdade, sim. Ao vivo! A tevê agora mostra um... um assassinato, como é que
você chama isso? Esporte é que não é. É ao vivo, Corina, você tá louca? É ao
vivo. Ele...ele...meu Deus, ele matou o outro? Não é filme, Corina, não seja
burra. Ele matou o outro? Já pra cama, moleque. E você, você desliga esta
merda.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">SÉTIMO ROUND – TRÊS MINUTOS<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO (os boxeadores, no centro do ringue, começam a
disputa)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">OPONENTE AGORA NO PAPEL DE KID PARET<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Não importava se eu ganhava ou perdia: a minha
cabeça sempre me matou. O médico uma vez me falou que, se não era das pancadas,
devia ser de todo aquele sol na época do canavial. Faz quase dez anos que eu
parei de cortar cana. Por que foi doer só agora? Então deve ser das pancadas.
Dói mais depois das lutas, quando eu tomo banho e volto para casa. Esta é a
hora que dói mais, quando eu me deito. Daí explode de dor. Parece que eu ainda
estou lutando. Parece que eu ainda estou apanhando. E mesmo quando eu bato, sinto
a dor de quem apanha. A minha mulher diz que eu preciso ver isso. Que, se for o
caso, é melhor eu parar com as lutas. Ela tem medo que eu morra e deixe ela com
um filho pronto e um outro vindo na barriga. Eu nunca ouvi falar de ninguém que
morreu de dor de cabeça. Só de dor de cabeça. E, se no outro dia já melhora, é
porque não deve ser muito grave. A diferença entre as outras dores de cabeça e
esta de agora, é que agora eu ouço vozes. Tirando a voz da minha mulher, as
outras eu não conheço. Pode bater, maricón. Pode bater à vontade, que amanhã eu
já vou estar bom. Amanhã eu vou estar nos trinques, e você vai continuar sendo
um maricón, porque isso aí não tem cura. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Que porra é essa de inchaço que eles continuam
falando? Uma vez, no canavial, eu não sei por que eu não paro de pensar neste
canavial, aquilo já ficou para trás, porra. Uma vez no canavial uma cascavel
picou a minha perna. Se estas vozes estivessem comigo lá, naquela hora, elas
iam saber o que é inchaço. Aquilo sim era inchaço... Porque qualquer criança,
qualquer criança mesmo que seja burra, sabe que inchaço a gente enxerga. Eu não
tinha nem 14 anos, mas aquela cobra me ensinou o que era nocaute. Traição.
Golpe baixo. Eu aprendi tudo com a cascavel. Depois eu só fui aprimorando,
porque a luta é igualzinha uma cascavel: se você sai vivo, você sai mais forte.
Mas hoje esta dor está foda. O pior é que eu estou com uma impressão, não posso
perguntar isso para ninguém, mas eu estou com uma impressão que nunca amanhece
aqui. Parece que faz um tempão que eu deitei e nunca amanhece.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Eu preciso falar uma coisa para a minha mulher. Eu
sei que ela não vai gostar, mas eu preciso falar. Vem cá, presta atenção no que
eu vou dizer: se acontecer alguma coisa comigo, alguma coisa, não interessa o
quê, pode ser qualquer coisa, mas se acontecer, eu não quero voltar para lá,
você tá entendendo? Para aquele canavial eu não volto, nem morto. Está me
ouvindo bem? Nem morto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">INTERVALO DE UM MINUTO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">ATRIZ RETOMA O PAPEL DA FALSA NAMORADA DE GRIFFITH<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Eu fiquei surpresa quando vi. Vocês não me disseram
que iam usar a palavra noiva. E agora os jornais dizem que nessas fotos ele aparece
acompanhado da noiva. As fotos estão ótimas, não é disso que estou reclamando.
Eu não me lembro de ter ficado tão bela, talvez bela seja um exagero, mas eu
não me lembro de ter saído tão bem em uma foto, eu logo vi que o rapaz que
vocês contrataram era profissional. O jeito dele de me dizer como eu deveria
olhar, como eu deveria me sentar, o que eu deveria fazer com os braços. Eu
passei a desconfiar que as estrelas de cinema talvez nem sejam tão bonitas,
elas só precisam ser bem conduzidas nas fotos. O problema é que vocês não me
disseram que iriam usar a palavra noiva. Eu o quero muito bem, mas isso está
longe de ser amor. Eu me vejo mais como uma garota disposta a fazer qualquer
coisa para ajudar um amigo em apuros. Eu sempre quis que ele fosse mais que um
amigo, mas, vocês sabem, ele nunca permitiu. Ele até se esforçou, mas no fundo
nunca gostou desta ideia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">OITAVO ROUND – TRÊS
MINUTOS<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO (os boxeadores, no centro do ringue, começam a
disputa)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">LUTADOR<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O que foi que eu fiz?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O que foi que eu acabei de fazer? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Hei, garoto, olha pra mim. Sai das cordas, garoto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Por que este silêncio? Agora há pouco era um grito
só, o ginásio inteiro era um grito. Por que isso agora? Essas caras.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Garoto, olha para mim. É só mais uma luta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O que foi que eu fiz?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Quanto tempo durou isso? Na minha cabeça foi só um
flash...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Esperem um pouco, ele é um campeão também. Ele vai
reagir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O que foi que eu fiz?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Para onde vocês vão levar ele? É melhor eu ir junto,
no caso de alguém perguntar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Por que ninguém me impediu? Este gongo que toca
tanto. Não tocou desta vez?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">É só uma pergunta: o que foi que eu fiz?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Juiz, o senhor pode me dizer o que foi que eu fiz?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Eu só parei de ir ao hospital porque, nos primeiros
dias, não me deixavam nem chegar perto do quarto; depois, me impediram até de
cruzar a recepção. Eu teria ido todos os dias, se me deixassem. Teria ido todos
os dez dias que ele ficou lá, teria ficado ao lado da cama dele todos os dez
dias. Até na mão dele eu ia segurar se fosse preciso. Mas não deixaram. Na
cabeça deles, eu precisava de uma punição. Todos sabiam que era só uma luta e
que às vezes as lutas não acabam bem. Mas, naqueles dias, pensar assim não
parecia a coisa certa. Ele é um homem jovem, que tem um filho pequeno e uma
mulher grávida. Quando se olha por este lado, ninguém consegue dizer que é só
uma luta. Eu mesmo me esforço, mas na maioria das vezes não consigo. A única
coisa que eles conseguem dizer é que eu matei o cara. E a pior parte desta
história é que eu estou começando a acreditar nisso. E ainda há as cartas, as
dezenas de cartas que me acusam de assassino e matador sem coração.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Enquanto ele está sendo velado, eu leio as cartas.
Enquanto ele está sendo enterrado, eu leio as cartas. A mãe dele veio de Cuba
para o enterro e eu gostaria de perguntar para ela como é lá, como é a terra
dela, como é o lugar onde ele nasceu. Porque eu acho que deve lembrar o lugar
em que eu nasci. E porque eu acho que nos dois, eu e ele, no fundo não passamos
de dois garotos que se afastaram demais do sol. Eu gostaria de perguntar para
ela se ele sabia ir sozinho até os canaviais ou se ela tinha de ir com ele,
pelo menos no começo, pelo menos até ele aprender o caminho. Eu gostaria de
perguntar para ela se ela acredita que, lá onde ele se encontra agora, ele
seria capaz de me perdoar. Eu gostaria de perguntar para ela se ele seria, lá
onde ele se encontra agora, pelo menos capaz de compreender que foi só uma luta
e que às vezes as lutas não acabam bem. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">INTERVALO DE UM MINUTO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">ATRIZ VOLTA A ASSUMIR O PAPEL DE MÃE DE GRIFFITH<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Ah, Junior, eu não sei responder isso. Quem tem de
saber isso é você, mas se você não sabe, como é que eu vou saber? Eu penso que
as coisas iam ser mais fáceis se você fosse igual os seus irmãos, mas eu sou
antiga para essas coisas, eu posso estar falando um monte de besteira. Quando
eu olho para você e depois olho para os seus irmãos, eu concordo com você: a
vida deles é mais fácil que a sua. Mas eu acho que é porque você sustenta eles,
e não porque você é assim... diferente, de um outro jeito. A vida ia ser dura
para eles também se eles tivessem de trabalhar. Eu ainda acho que você não
encontrou a mulher certa, este é o problema. Agora mesmo: uma dançarina de
cabaré. Que homem vai ser feliz do lado de uma dançarina de cabaré? Acho
difícil. Mas é o que eu estou dizendo: eu sou antiga. Vai ver que é uma coisa
de Deus: se você ainda não encontrou a mulher certa, é porque a mulher certa
para você sou eu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">NONO ROUND – TRÊS MINUTOS<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO (os boxeadores, no centro do ringue, começam a
disputa)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">OPONENTE, AGORA NO PAPEL DE UM NARRADOR<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">As coisas nunca mais foram as mesmas depois daquela
noite. O boxe nunca mais foi o mesmo. E ele, acima de tudo ele, nunca mais foi
o mesmo depois daquela noite. Pelos 15 anos seguintes, até guardar
definitivamente as luvas, ele vestiu o robe de boxeador outras 80 vezes, mas só
conseguiu 12 nocautes. Das últimas 23 lutas da carreira, ganhou apenas nove. Ele
se tornou – como é possível dizer isso no mundo do esporte, não, no mundo do
esporte, não, no mundo do boxe– ele se tornou um cavalheiro, um homem dócil e
gentil que parecia muito mais preocupado em preservar a integridade física dos
seus oponentes do que a obrigá-los a pedir água. Eu tenho medo, ele passou a
dizer. Ele tinha 24 anos, era o campeão mundial dos pesos-pesados e estava com
medo. Eu fico apavorado com a ideia de voltar a machucar alguém, apavorado com
a ideia de novamente matar um homem. Se para isso eu preciso deixar de ser o
lutador que eu sempre fui, eu deixarei de ser. Não era à toa que ele andava
apavorado: as pessoas cuspiam nele quando ele saía às ruas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">As coisas nunca mais foram as mesmas depois daquela
noite. A rede de televisão ABC, que transmitiu a luta ao vivo, na semana
seguinte baniu o boxe da programação. Outras emissoras espalhadas pelo país
fizeram o mesmo. Você ouviu isso, Corina? Vão parar de passar aquela porcaria
na televisão. Bem feito. Corina...o que que os nossos maridos vão fazer agora,
nas noites de sábado?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">As coisas nunca mais foram as mesmas depois daquela
noite. O juiz que atuou na disputa nunca mais apitou coisa alguma. “Hei, você
não é aquele juiz? Cara, por que você não parou aquela carnificina?” Eu tentei,
mas você assistiu à luta até o fim? Ele golpeou o outro 17 vezes em cinco
segundos. Aquilo não era um braço humano, aquilo era um pistão”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">As coisas nunca mais foram as mesmas depois daquela
noite. E ele? Ele tentou parar, ele até pensou em desistir, mas ele já não
sabia mais fazer outra coisa na vida. A época de enfeitar chapéus de mulher
havia ficado para trás”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">INTERVALO DE UM MINUTO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">ATRIZ E OPONENTE SE REVEZAM NO PAPEL DE APRESENTADORES
DE UM TELEJORNAL<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">ATRIZ<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O boxeador aposentado Emile Griffith, de 54 anos,
foi violentamente espancado na tarde de ontem por cinco adolescentes armados
com tacos de beisebol.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">OPONENTE<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A agressão ao boxeador ocorreu em frente a um bar
chamado Hombre, conhecido reduto homossexual na região da Times Square.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">ATRIZ<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Os golpes acertaram principalmente a cabeça e as
costas do boxeador. O hospital informou que seu estado é considerado muito grave.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">OPONENTE<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Griffith tornou-se famoso ao disputar o título
mundial de 1962 contra o boxeador cubano Kit Paret.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">ATRIZ<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">No 12º round daquela luta, Griffith desferiu uma
série de golpes no cubano, que deixou o ringue em estado de coma e morreu no
hospital dez dias depois.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">OPONENTE<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">A polícia de Nova York informou que ainda não está
claro se a agressão de ontem foi motivada por homofobia<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">DÉCIMO ROUND – TRÊS MINUTOS<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO (os boxeadores, no centro do ringue, começam a
disputa)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">LUTADOR<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">De uns tempos para cá, as pessoas andam um pouco
mais generosas comigo. Elas perdoam alguns lapsos de memória, alguns brancos,
algumas confusões que eu faço, uns nomes que eu troco ou apago. Elas perdoam
meu olhar que se fixa em um ponto do quarto onde não há nada para ver, e parecem
perdoar as lágrimas que escapam diante deste vazio. Elas compreendem que por 17
anos eu levei muitas pancadas na cabeça e isso deve ter tirado algum parafuso
do lugar, talvez tenha desarrumado toda a caixa de ferramentas. Algumas pessoas
querem me levar para passear, e eu raramente vou, outras querem me visitar em
casa e não escondem o quanto ficam desapontadas ao descobrir que eu vivo num
apartamento de quarto e sala e que preciso de um cuidador 24 horas por dia,
porque as coisas caem das minhas mãos, as coisas caem da minha boca e quase
todo dia eu caio de mim mesmo. Depois elas novamente voltam a demonstrar
ternura quando ficam sabendo que o cuidador é meu namorado e, ao mesmo tempo,
meu filho – um garoto que, depois que deixei os ringues, eu adotei em um centro
para menores infratores que hoje se transformou num homem grande e gordo, mas
que continua a me olhar como se eu ainda fosse campeão de alguma coisa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O que vocês gostariam que eu tivesse feito além de
me esconder? Eram os anos 60, era o boxe, e era eu, um garoto negro. E,
naqueles dias, não levava muito tempo para um garoto negro, um garoto negro e
gay, descobrir que as maiores batalhas da sua vida teriam de ser travadas longe
dos ringues. Eu tinha dois amigos, tão negros e tão gays como eu, e quando nós chegávamos
nas boates, os porteiros diziam: chegaram Os Três Mosqueteiros. Um dia, um
deles me disse que a gente deveria sentir orgulho, porque naqueles anos ser gay
era motivo de cadeia, e a gente sempre conseguiu passar longe do xadrez.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Eu sempre gostei de homens e mulheres, mas não
gostava das palavras homossexual, viado e bicha. Eu não tenho certeza do que eu
sou, porque eu amei homens e mulheres do mesmo jeito e não queria ser lembrado
só por isso. E nem por ter batido num homem até que ele morresse.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Se eu pudesse escolher, eu gostaria de ser lembrado
como um cara que foi cinco vezes campeão do mundo. Eu acho que está na hora do
meu remédio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">INTERVALO DE UM MINUTO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">OPONENTE ASSUME O PAPEL DE UM FANTASMA<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">O meu fantasma é teimoso, ele quer assombrar você
até o último dos seus dias, até que seu braço finalmente caia sem vida ao lado
desta cama que me parece tão pequena para o seu tamanho. Eu sei que é cruel
continuar desafiando um homem tão debilitado, tão envelhecido, tão distante de
qualquer glória. Eu vou confessar uma coisa, mesmo sabendo que daqui a cinco
minutos você não vai se lembrar mais dela: eu me sinto muito mais cansado do
que você. Eu gostaria de ter parado há muito mais tempo, nem na época do
canavial o cansaço foi tão gigante. Eu não quero que a eternidade seja isso. Eu
já passei tempo demais aqui. Mas enquanto você não jogar a toalha, eu não vou compreender
que a nossa luta terminou.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">DÉCIMO PRIMEIRO ROUND – TRÊS MINUTOS<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO (os boxeadores, no centro do ringue, começam a
disputa)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">LUTADOR<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Eu matei um homem e não fui preso. Eu estava com
muita raiva dele, sim, muita raiva, porque ele tinha me tratado como lixo, me
humilhado de um jeito terrível. Ele me chamou de bicha na frente de todo mundo.
E não foi só por ter me chamado de bicha, o que já não era pouco naqueles dias,
mas a maneira como ele me ridicularizou, como me fez de idiota, como ele me sacaneou
em uma sala cheia de gente que me respeitava. Mas apesar de eu estar puto com
ele, extremamente puto, eu nunca quis matá-lo. Este pensamento nunca chegou a
passar pela minha cabeça, mas infelizmente aconteceu. Nós fazemos parte de um
negócio cruel. Ainda hoje, confesso, eu me sentiria ofendido se alguém me
chamasse de bicha daquela maneira tão ofensiva, ninguém precisa ser tratado
assim. Mas talvez hoje eu não perdesse mais a cabeça por causa disso, pelo
menos não da maneira que eu perdi lá atrás.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Depois de tantos anos, eu vejo como as coisas continuam
estranhas. Eu mato um homem e a maioria das pessoas, de certa forma, compreende
isso e até me perdoa. E, então, eu amo um homem e para a maioria das pessoas
isso é um pecado mortal. Amar um homem faz de mim um cara do mal, um demônio.
Eu nunca fui preso por isso também, por amar um homem, mas o fato de nunca ter
podido amar um homem livremente fez da minha vida numa prisão perpétua. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Um dia eu vi um cartaz com a minha foto e uma
legenda, em letras maiores do que a própria foto, que dizia que eu era o
campeão mundial gay de boxe. Depois, um pouco abaixo, umas letras menores falavam
o seguinte: ele disputou mais campeonatos mundiais do que qualquer outro
boxeador na história”. Ok, está tudo certo. Mas por que eles precisam fazer
tanto estardalhaço com este lance de ser gay? Por que eles têm de anunciar isso
em letras grandes a toda hora? Não podia ser tudo mais simples? Eu não quero me
sentir uma aberração. Eu sei que as coisas são assim, mas eu queria que elas
fossem mais simples.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">INTERVALO DE UM MINUTO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">ATRIZ ASSUME O PAPEL DE UMA COMPRADORA DE CHAPÉU<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Eu ouvi dizer que nunca houve um lutador como ele,
um homem tão fino e educado tanto dentro quanto fora do ringue. Me falaram que
ele se importa com os adversários, que pergunta se eles estão bem, se querem
continuar a luta ou se é melhor parar por ali mesmo, antes que alguém saia
machucado da história. Nada disso me
interessa, porque eu odeio boxe, nunca vi nenhuma luta e pretendo morrer sem
ver. O que eu sei é que nunca houve alguém que fizesse chapéus tão bonitos.
Quando eu vi um deles numa vitrine, eu perguntei para a vendedora quem tinha
feito aquela pequena joia. A vendedora mandou chamar e ele veio, lá do fundo da
loja, ajeitando um arranjo de flores. Achei que era alguma piada. Rapaz, eu
disse, não sei se você vai continuar neste negócio, mas você tem mãos de fada.
Qualquer coisa que você fizer com as mãos, vai ser bem feito. Sem falar que ele
era o negro mais lindo que eu já tinha visto na vida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">GONGO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">DÉCIMO SEGUNDO ROUND<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Os lutadores tiram as luvas e sentam-se cada um em
um canto do ringue. Atriz e oponente caminham em direção ao centro do ringue.
Imagens de Emile Griffith, em diversas fases de sua carreira, são projetadas em
um telão sobre o palco. Cenas da sua vida pessoal, dos treinos, dos prêmios e
do fatídico combate que ele travou contra o cubano Benny Kid Paret. As imagens
finais mostram a luta realizada em abril de 1962, que provocou a morte do
cubano. A imagem congela.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">LUTADOR<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">Ontem eu tive a melhor experiência da minha vida. Eu
não subi num ringue, não lutei e nem ganhei nenhum título. Mas ontem eu conquistei
a minha maior vitória. Eu desfilei na Parada do Orgulho Gay de Nova York, eu e
meu namorado. E foi a melhor experiência que eu já tive porque, pela primeira
vez na minha vida, eu me vi cercado de pessoas iguais a mim. Eu não estava mais
sozinho. Tudo aquilo que eu fui obrigado a esconder, ou que me obrigaram a
esconder, os meus fantasmas, a minha alma amedrontada, os meus porões, a tudo
isso eu finalmente pude apresentar o sol das ruas de Nova York. Eu encontrei um
amigo que eu não via há tanto tempo e perguntei para ele que horas eram. Ele me
respondeu que eram três da tarde. Então eu o beijei, eu o beijei e disse: nós
podemos nos beijar na rua às três da tarde e pelo menos hoje, pelo menos aqui,
ninguém vai nos bater por isso. No meio daquela multidão, eu me perguntei se as
coisas teriam sido diferentes se eu tivesse assumido há 50 anos. Eu não sei. As
coisas são assim. Elas são como são e nada mais tinha importância. Porque eu
não estava mais sozinho. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">FIM DA LUTA<o:p></o:p></span></div>
Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-22840519218300733902016-10-11T12:37:00.001-03:002016-10-11T12:48:57.326-03:00Emile Griffith, uma luta nos palcos<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-weight: bold;">Eu
nunca tinha ouvido falar no boxeador norte-americano Emile Griffith até o dia
24 de julho de 2013, uma quarta-feira, quando, ao ler o caderno de Esportes do
jornal Folha de S. Paulo, me surpreendi com o seguinte título: “Primeiro
Campeão a Assumir a Bissexualidade Morre nos EUA”. Logo abaixo do título, uma
pequena linha explicativa: “Emile Griffith, 75 anos, levou à morte rival que o
havia chamado de homossexual”. Li a matéria com uma curiosidade incomum e, ao final
do texto, que ocupava um quarto de página, já tinha decidido que aquela
história, a história do boxeador pobre e negro, nascido em uma ilha do Caribe,
cinco vezes campeão mundial e que viu seu mundo virar de ponta cabeça numa
noite de abril de 1962, quando seus golpes provocaram a morte do boxeador
cubano Kid Paret, que o havia chamado de bicha na véspera do combate, seria meu
próximo projeto teatral. Uma rápida pesquisa na internet, naquela mesma
quarta-feira, me revelou que a morte de Griffith era destaque nos principais
jornais dos Estados Unidos e Inglaterra – países em que ele disputou títulos
mundiais com mais frequência. Sua trajetória atribulada, suas vitórias e
derrotas (dentro e fora do ringue) e o preconceito do qual foi vítima durante
toda a vida por ser homossexual no universo assustadoramente homofóbico do boxe
ocupavam páginas e páginas na imprensa estrangeira, em reportagens e artigos
assumidamente apaixonados.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-weight: bold;">Como
naquele 2013 eu estava envolvido em outros trabalhos, o projeto de escrever uma
peça inspirada na vida do boxeador repousou por quase dois anos na gaveta – só na
gaveta, mas não na minha cabeça. A todo instante eu anotava alguma ideia para o
texto e, sempre que tinha a possibilidade, falava sobre a vida do boxeador para
os amigos. Assim como eu, eles jamais tinham ouvido falar sobre ele. E, assim
como se deu comigo, todos ficavam invariavelmente obcecados pela história. Em
meados de 2015, a Secretaria da Cultura do Governo do Estado lançou um Proac de
Incentivo à Produção Literária – Dramaturgia. Reli tudo que havia colecionado
sobre Emile Griffith e inscrevi no edital o projeto 12º Round. Ter sido um dos
contemplados foi fator decisivo para que eu, finalmente, deixasse outros
trabalhos de lado e passasse a me dedicar com mais afinco à pesquisa sobre a
trajetória do boxeador.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-weight: bold;">Como
as coincidências às vezes vêm ao nosso socorro, no segundo semestre de 2015 o
jornalista britânico Donald McRae lançou A Man’s World: The Double Life of
Emile Griffith”, excelente biografia do boxeador ainda sem tradução para o
português. Em pouco mais de 400 páginas, o jornalista fez um retrato comovente
e profundamente humano do jovem de voz fina e mãos macias que, antes de se
tornar campeão mundial de boxe, trabalhava numa fábrica de chapéus femininos. Concluída
a leitura do livro e de todo material sobre Griffith que coletei em diversas
publicações disponíveis na internet, o espetáculo 12º Round estava pronto para
nascer. E o texto nasceu no ringue, nasceu com o formato de uma luta de boxe:
são doze cenas de três minutos de duração, seguidas por cenas curtas, de um
minuto, que representam o intervalo entre os ringues. 12º é uma peça, mas é
também uma luta. Uma luta de boxe e uma luta de um homem contra o preconceito e
a discriminação.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 18.6667px;">A primeira leitura pública do espetáculo 12º Round foi realizada no dia 30 de setembro no Auditório da Biblioteca Alceu Amoroso Lima, pelos atores Clara Carvalho, Pedro Henrique Moutinho e Sérgio Mastropasqua. A direção de José Roberto Jardim utilizou projeções com imagens de arquivo de Griffith e uma emocionante trilha sonora de canções spirituals. </span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_OfchRn7aSNX_oee6Is3slt6SKuTRO1J2-rwQbtBCdFTfU_zAKXyuDXckEsD-gFKaluDfVWr4SUqFXIxemgE68unpeXldr-QTtHf86YPoWzBVPRycT1zfh78ZYrfU1HtZoRntbT5Vqx8/s1600/boxe5.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_OfchRn7aSNX_oee6Is3slt6SKuTRO1J2-rwQbtBCdFTfU_zAKXyuDXckEsD-gFKaluDfVWr4SUqFXIxemgE68unpeXldr-QTtHf86YPoWzBVPRycT1zfh78ZYrfU1HtZoRntbT5Vqx8/s320/boxe5.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-weight: bold;"></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-weight: bold;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwFbj4i-8Q_DKzPDnybYwbV5gSGqysc4Fp7PheVegqthYWxfqo6St0cSBk1JqYgfakynLS9LHJTiENJh021sntGXWTpmGrv4eSrWGzda29AnqEjyF-tvIpc-FWJznYQug7TVbfRWp8tY4/s1600/boxeador12.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwFbj4i-8Q_DKzPDnybYwbV5gSGqysc4Fp7PheVegqthYWxfqo6St0cSBk1JqYgfakynLS9LHJTiENJh021sntGXWTpmGrv4eSrWGzda29AnqEjyF-tvIpc-FWJznYQug7TVbfRWp8tY4/s320/boxeador12.jpg" width="320" /></a></span></div>
<span style="font-size: 14.0pt; mso-bidi-font-weight: bold;">
<o:p></o:p></span>Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-28689907540446892192013-07-16T18:05:00.002-03:002013-07-17T00:00:30.258-03:00Um doutor na caatinga<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt;">A atual polêmica sobre a
contratação de médicos para trabalhar em áreas remotas do País me fez lembrar
da experiência de um jovem amigo que, logo após se formar em medicina aos 23
anos, aceitou, por vontade própria e sem nenhum incentivo governamental, o
convite para clinicar em uma cidadezinha do Ceará onde, vencida uma série de perrengues
iniciais, ele passaria a ser tratado como rei. O primeiro contratempo – haveria
dezenas de outros na sequência -, se deu logo após sua chegada à minúscula
rodoviária local. Carregando duas malas nas mãos, ele passou, sem saber que
isso era uma ofensa grave na região, no meio de um casal de namorados. O homem
entendeu aquilo como uma afronta e meteu-lhe um soco na cara que o fez beijar o
chão tal qual o papa faz quando desembarca em um país novo. Ao se apresentar ao
prefeito que o havia contratado, com um olho roxo e um hematoma que ocupava
metade do rosto, agradeceu pelo comitê de boas-vindas e perguntou o que mais
ele não deveria fazer para preservar a outra metade do rosto que ainda estava
intacta. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt;">Ao chegar ao hotel, percebeu
que não havia chuveiro. No banheiro, apenas um cano enferrujado que saía da
parede e terminava em uma ponta serrada por onde um filete de água não parava
de escorrer. O dono do hotel explicou que ninguém ali precisava de chuveiro –
nunca fazia menos de 30 graus. De tanto que ele insistiu, o dono concordou em
parafusar um chuveiro velho na ponta do cano – o chuveiro, que nunca foi ligado
à eletricidade, transmitia ao menos uma remota sensação de banho. Após mais
algumas súplicas no balcãozinho que servia de recepção do hotel, conseguiu que
viesse, de uma cidade vizinha, um aparelho de ar-condicionado barulhento como
um helicóptero, mas que mandou bem por todas as noites dos seis meses que ele
passaria na cidade.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt;">Um dos primeiros pacientes
que ele atendeu na manhã seguinte à sua chegada apresentava um quadro de
faringite. Ele prescreveu duas cartelas de antibiótico, suficientes para uma
semana de tratamento – e explicou que os comprimidos deveriam ser tomados de
oito em oito hora. Pediu para que o homem voltasse dali a sete dias. Dois dias
depois, o homem estava de volta. Como ele não tinha relógio, achou complicado aquele
esquema de oito em oito horas. Tomou a primeira cartela em um dia e a segunda, no
outro. Veio em busca de mais cinco cartelas para preencher uma semana de
tratamento.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt;">Com o tempo, ele fez amizade
com o dono do mercadinho, que traficava para ele alguns vidros de azeitona – a única
iguaria de um cardápio local composto, em todas as refeições, por arroz e
frango com batatas. Minto: às vezes sem batatas. Não demorou muito para que os
moradores locais, que até então tinham vivido sem médico, enxergassem nele uma
espécie de autoridade, um jovem pajé, um forasteiro de pele muito clara que
nada ficava a dever ao prefeito e ao padre. E então começaram os convites para
os almoços dominicais. Que não podiam, de maneira alguma, ser recusados. Se ele
dizia que era longe, vinham buscá-lo de carroça, se dizia que estava cansado,
instalavam outra rede na varanda. O que ele esperava, na verdade, é que alguém
lhe preparasse qualquer coisa que não fosse frango. Mas isso ele nunca
conseguiu – o lugar era seco, paupérrimo, sem nenhum tipo de plantio. Os
franguinhos que ciscavam na frente das casas de manhã já estariam na panela na
hora do almoço. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt;">Apesar do calor e do terreno poeirento,
ele costumava correr um pouco no fim do expediente. E a cidade, quieta,
observava aquela cena com um estranhamento que não diminuiu em nada ao longo
dos meses. Uma garota da redondeza, de 19 anos e cabelos negros, caiu de amores
por ele e chorou muito quando ele voltou à rodoviária em que havia apanhado
seis meses atrás para pegar o ônibus com destino a Fortaleza – e de lá um avião
para São Paulo.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt;">Na noite em que me contou
esta história, ele mostrou um álbum que a garota lhe dera de presente de
despedida. Em uma série de folhas de papel sulfite, a jovem colou imagens de
casais se beijando – na maioria, fotos de famosos que ela recortou das
revistas. Angelina Jolie e Brad Pitt apareceram duas vezes em poses
apaixonadas. Ao redor de cada foto, ela rabiscou um coração vermelho e, na
última página, escreveu a mais original das dedicatórias que já li na vida: “O
meu amor por você é igual a caatinga. Só aumenta”.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 16.0pt;">Ele nunca me disse se chegou
a ficar com ela. Mas, por muitos anos, guardou o álbum com carinho em uma pasta
preta, ao lado do passaporte, do título de eleitor e de algumas outras coisas
muito, mas muito importantes mesmo.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-88357328116750516202012-07-24T12:48:00.002-03:002012-07-24T12:48:32.220-03:00Uma outra avenida<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14.0pt;">Esta semana eu confessei (e,
neste caso, confessar é mesmo o verbo mais indicado a ser usado) que nunca vi a
novela Avenida Brasil. O post gerou uma série de comentários bem-humorados
entre aqueles que compartilham comigo da ignorância sobre a novela e os que não
perdem um único passo de Carminha, Tufão e Nina. Estes três personagens, ao
menos, eu conheço. Como também conheço os atores que os interpretam. Além
disso, sei que se trata de uma bem arquitetada trama de vingança, que existe um
lixão e que parece haver um cuidado especial em retratar a nova classe C –
alguns espectadores dizem que tal retrato se dá à perfeição; outros se
incomodam com a quantidade de estereótipos com os quais os emergentes são
contemplados. E é tudo que sei de Avenida Brasil. E já está bom. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14.0pt;">Não sei se faço coisas muito
melhores no horário em que quase todos os amigos que conheço estão vendo a
novela. Desconfio que não. Vejo o noticiário da Globonews e da Cultura, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>janto, leio alguma coisa, termino de
trabalhar, vou ao cinema quando dá, ao teatro também quando dá, assisto a um
filme em DVD, fico esparramado no sofá olhando para o teto com os dois gatinhos
do lado, que insistem em enxergar coisas no ar que eu não enxergo, ou deixo
minha atenção passear por programas da tevê aberta, de qualidade inegavelmente inferior
à trama das nove. Em resumo, nada que faça de mim um bobinho com pretensões
intelectuais ou alguém que nutre um desprezo atávico pelos folhetins. Ou pior
ainda: alguém com a arrogância de afirmar que <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>não vê novela por se acreditar superior ao
assunto. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14.0pt;">Alguém poderia perguntar,
então, por que raios eu não vejo Avenida Brasil, se aparentemente não encontrei
um substituto tão irresistível no horário. A resposta é simples: eu não
consigo. Sou incapaz. Me faz mal. Fisicamente mal. Nem sempre foi assim. Houve
um tempo em que eu diria não a qualquer convite que me afastasse da tevê na
hora de uma boa novela. Mas fui percebendo, trama após trama, que tal hábito estava
se revelando nocivo, maléfico, indesejável. O diagnóstico é simples: eu adquiri
uma intolerância à figura do vilão. Só por isso e mais nada.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14.0pt;">Assumo esta minha deficiência
esta incontornável fraqueza: não sou mais capaz de passar meses e meses da
minha vida, noite após noite, assistindo a alguém que não sabe fazer nada além
de tramar mortes, assassinatos, sequestro de crianças, chantagens, ataques
físicos, humilhações, achaques, torturas, abandonos, traições, adultérios,
puxadas de tapete, desrespeito, assédio moral e sexual, negligência,
espancamentos, ferimentos físicos e maldades e vinganças e maldades e vinganças
e maldades e vinganças. E não me interessa se tudo isso tenha raiz na Bíblia,
em Shakespeare ou Tarantino. E não me interessa se isso é tratado em linguagem
de cinema, em cores delirantes ou em ritmo de montanha-russa. Alguém também poderia
argumentar: mas esta é a vida. Concordo: mas não é a vida que eu quero que
entre em minha casa com a minha autorização. Esta é a vida que, infelizmente,
nos espera na rua – eu não preciso convidá-la para a minha sala de estar.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14.0pt;">Virei uma mocinha do século
19, que desmaia diante de uma notícia ruim? Quem sabe. Quanto mais bem
construída e complexa for a figura do vilão – e, ao que me consta, a tal
Carminha já virou um personagem histórico – maior a ameaça que ela me
representa à serenidade que eu resolvi buscar. Por isso mesmo, maior minha aversão
a ela. Admiro e me envolvo com a figura do vilão em um bom filme, numa boa peça
de teatro ou em outro tipo de espetáculo em que o demoníaco se revelará a mim
durante no máximo duas horas. Não preciso da companhia dele por oito meses. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14.0pt;">No lugar do vilão que não
sossega enquanto não exterminar tudo aquilo de que não gosta (é impressionante
como os vilões são incapazes de conviver com o diferente) eu prefiro ter em
minha companhia o povo mais desarmado do Two and a Half Man e do Big Bang
Theory, os meus programinhas de entrevistas e culinária, alguns livros de vez
em quanto, um filminho, um amigo que não vai querer me enterrar vivo ou meus
dois gatos ronronando na minha barriga – enquanto eu olho para o teto sem saber
direito o que eu quero da vida. Mas sabendo, mais ou menos e ainda que
tardiamente, o que eu não quero.</span></div>Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-50073310773381742012-06-01T16:49:00.003-03:002012-06-02T19:18:14.572-03:00A casa da Vila<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14pt;">No comecinho do ano passado,
a amiga Chris Riera comprou uma casa imensa na Vila Madalena, na frente de onde ela já morava quando a conheci. Era uma casa de três pisos e vários
cômodos prejudicados por uma quantidade inexplicável de paredes e armários labirínticos.
Sabíamos que ela iria botar tudo aquilo abaixo e fazer da casa um território de poucas fronteiras. Uma tarde, eu e o Gustavo Fioratti fomos convidados por ela para conhecer a casa. Na verdade, descobrimos durante a visita, o que
ela queria mesmo era saber nossa opinião sobre o arquiteto que ela havia chamado para a
reforma. “Se ele for bonito, vocês cruzam o braço; se ele for feio, vocês
tossem”, ela nos pediu. “Chris”, tentei argumentar, “se ele for feio e eu e o
Gustavo tivermos um acesso de tosse na mesma hora, ele vai perceber”. “Bem pensado”, ela respondeu. “Então,
se ele for feio, vocês coçam o olho, é mais prudente”. Não lembro se o placar terminou em braços cruzados ou coceiras nos olhos – mas lembro, e muito bem, que essa era a Chris. Alguém interessado em revelar que, mesmo diante de uma grande conquista como a compra de uma casa, não devíamos nos esquecer do prosaico e do risível. Entre nós três, eu, o Gustavo e a Chris, se havia algum moleque na parada, esse moleque era ela. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14pt;">Sem entrar nos méritos
estéticos do arquiteto, o que sei é que ele fez um trabalho memorável na casa. Abriu os
ambientes, derrubou paredes, suavizou cores e texturas, deu fim aos velhos armários
embutidos e esculpiu na cozinha uma janela tão gigantesca que, diante dela,
éramos obrigados a concordar que São Paulo era linda e a vida também. Daquela janela víamos as
cores da cidade mudar, a lua nascer atrás do prédio da MTV, os temperos do
jardinzinho pegado ao muro florescer, e, acima de tudo, crescerem a nossa
amizade e a nossa esperança em alguma vitória da vida.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14pt;">Sempre me pareceu claro que a
Chris tinha comprado e reformado aquela casa não exatamente para ela, e sim para
os amigos, o filho e sua família geneticamente beneficiada por um raro DNA da beleza e
ternura. Assim que a reforma ficou pronta, Chris se apressou em instituir o Cinema na Laje,
evento mensal em que seriam exibidos os filmes das nossas vidas a céu aberto. O longa
escolhido para inaugurar o Cinema na Laje foi ET. Talvez porque eu tivesse uma cópia em DVD em casa, ou talvez porque, por se tratar de um filme já visto por todos, e seguramente mais de uma vez, ninguém precisaria prestar muita atenção mesmo, já que tudo se resumia em mais um pretexto para a gente conversar. Gustavo Fioratti foi o
primeiro a chegar, trazendo o projetor e as caixas de som. Quando a porta que conduz à escada para a laje foi aberta ao grande público de dez pessoas, já havia pipoca, cachorro-quente e cerveja à
disposição. Vimos ET debaixo de um céu nublado e um ventinho frio. E, graças a uma sincronicidade que nem Steven Spielberg foi capaz de prever, no momento exato em que o personagem de Drew Barrymore grita ao ver o ET pela primeira vez, o banco capenga em que estavam sentados a Lenise Pinheiro, a Iris Cavalcanti e o Rogério Simões veio ao chão - causando um certo dano físico a este último, mas poupando as meninas de arranhões e hematomas.Por alguns momentos, ET, a despeito de toda sua magia e sensibilidade, virou um pastelão.</span><br />
<span style="font-size: 14pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14pt;">Depois do Cinema na Laje,
veio o CarnaChris, se não me engano uma logomarca criada pela Lenise para
animar o carnaval 2012 de quem havia ficado em São Paulo. Ao longo de quatro noites (duas dos desfiles do Rio e outras duas dos de São Paulo),
o CarnaChris reuniu a singela marca de três ou quatro foliões diante da tevê ligada. Sem entender de samba e alegoria, nossa diversão era
tentar localizar conhecidos entre os passistas que atravessavam a Sapucaí ou o
Sambódromo do Anhembi. Não tivemos êxito. Porém, na falta de conhecidos de verdade, nos contentamos em
apontar os que se pareciam com nossos amigos – e acho que, à exceção dos
integrantes das escolas de samba campeãs, ninguém riu mais do que a gente com aquela bobagem toda.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14pt;">Ainda teríamos a entrega do
Oscar, com a gente torcendo pelos filmes que não havia visto enquanto o
Gustavo, de barriga cheia, dormia no chão da sala; a noite do macarrão ao alho
e óleo com brigadeiro de sobremesa; as muitas noites do cozido tailandês e do cuscuz marroquino feitos pela Dita e até a noite do medo, criada às pressas para distrair a Chris e que consistia apenas na revelaçlão dos nossos principais
temores, de preferência os que tivessem origem na infância. Enquanto a Flávia, irmã da Chris, confessava seu pavor de bicho-preguiça
empalhado, eu assumia que meu maior e mais antigo medo era o de ficar cego durante a noite. Ao nosso lado, a Chris só ria. Talvez não
tivesse medos.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 14pt;">A casa hoje está fechada e,
nas raras vezes em que passo por ali (evito de propósito), tento convencer a mim mesmo que não estou ouvindo nada, que é tudo impressão e que essas coisas não existem. Mas em algum cantinho da alma e do coração eu percebo todas aquelas gargalhadas e todas aquelas lembranças tentando pular os muros só para nos acompanhar pelo resto de nossas vidas.</span><br />
<span style="font-size: 14pt;"><br /></span></div>Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-7232655539204959742012-05-10T11:04:00.002-03:002012-05-10T11:15:00.245-03:00O tempo entre duas vozes<br />
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<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
No último sábado, dia cinco,
algumas horas antes do início da Virada Cultural, a cantora Maria Rita levou 60
mil pessoas ao Parque da Juventude, onde, pela primeira vez em dez anos de
carreira, decidiu se arriscar pelo consagrado repertório da mãe, Elis Regina.
Não fui, mas acredito que pelos ingredientes envolvidos no evento deve ter sido
emocionante. Um amigo que esteve lá disse que a cantora chorou várias vezes
durante a apresentação – no que foi acompanhada por milhares de fãs. É
compreensível.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Assisti a três shows de Maria
Rita, todos antes de ela gravar o primeiro CD e imediatamente se tornar uma das
cantoras mais famosas do País. Assim, pelas minhas contas, há pelo menos uns
oito anos que não a vejo ao vivo. Tive, também, a oportunidade de entrevistá-la
numa época em que a curiosidade sobre a sua figura era assustadora (se é que em
algum dia deixou de ser). A entrevista foi agendada pelo grande músico e amigo
querido Chico Pinheiro. Estávamos em 2002 ou 2003, não sei ao certo, e Maria
Rita, sem discos gravados e sem o rosto na tevê e nas revistas, fazia uma
participação especial nos shows do Chico – aparecia lá pela metade, cantava
duas ou três músicas, deixava a plateia em estado de choque e saía do palco
balançando o corpo de uma maneira que todos, por mais materialistas e
descrentes que fossem, passassem a acreditar em reencarnação.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
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A entrevista, de no máximo vinte
minutos num fim de tarde, foi feita nas mesinhas do saudoso bar Supremo, na
esquina da Consolação com Oscar Freire, onde ela, Chico e a também cantora
Luciana Alves se apresentariam logo mais à noite. Cavalheiro até não mais
poder, Chico Pinheiro chegou antes de Maria Rita, me chamou no canto e, cheio
de dedos, perguntou se a entrevista poderia se concentrar no trabalho de Maria
Rita – e não nas recordações da mãe famosa. Maria Rita chegou logo depois,
sentou-se na minha frente e me deixou visivelmente encabulado. Evitei falar da
mãe, claro, mas não consegui deixar de encarar aqueles olhinhos ligeiramente
estrábicos – um olhar que o Brasil inteiro se recordava de ver no rosto de
outra pessoa. </div>
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<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Fui ao show daquela noite na
companhia dos jornalistas e amigos Alberto Guzik, Regina Ricca, Bárbara
Oliveira e da atriz Tuna Dwek. O Supremo estava abarrotado – o que significa
dizer que havia ali no máximo cem pessoas. Chico começou o show com sua
habitual competência e o bom gosto de repertório que tem sido sua marca desde
sempre. Só que havia uma certa tensão no ar, uma eletricidade que perpassava todos
os presentes, aquela sensação que temos na iminência de receber uma notícia que
ainda não sabemos se será boa ou má. E então entrou Maria Rita.</div>
<div class="MsoNormal">
O que se passou ali durante
as três breves músicas que ela interpretou talvez mereça, algum dia, um post à
parte. Antes de começar a segunda canção, ela olhou para a plateia e pediu: por
favor, vocês não vão me fazer chorar, hein? Ao que Tuna Dwek emendou: mas É
você que está fazendo a gente chorar. A recordação que guardo é de que não foi
exatamente um show – por alguns momentos, cada um de nós parece ter sido
conduzido para uma outra época, um outro local e provavelmente na companhia de
outras pessoas. Não sei se fomos para algum lugar melhor, só sinto que para
algum lugar nós fomos.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando o show terminou,
aceitei o convite do Alberto Guzik para tomar um café. Coisa rápida, ele me
garantiu. Sentado em uma das mesas do Frans Café, ali na Haddock Lobo, Guzik
confessou que ao ouvir Maria Rita ele não tinha parado de pensar na Elis Regina
(até aí, ele e a estação da Sé do metrô às seis da tarde). Mas não exatamente
na cantora e em seu repertório – e sim no que havia sido a vida dele naquele
hiato de 20 anos, do desaparecimento da mãe ao surgimento da filha. Entre estas
duas vozes, ele me disse, muita gente foi embora da minha vida. Eu sabia ao que
ele se referia. E finalmente derramou todas as lágrimas que represara durante o
show.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Agora já se passaram mais dez
anos desde aquela noite. E o próprio Guzik entrou para o time dos que foram
embora. Mas pensar naquela noite, naquele show e naquela conversa não me deixa
triste. Saudosista um pouco, mas triste, não. Otimista que era, tenho certeza
de que, se o café tivesse durado mais um pouco, Guzik também teria falado das
pessoas que entraram na vida dele e que, até onde eu sei, eram pelo menos em
número maior do que as que haviam partido. Já que a vida é isso mesmo, esta
eterna despedida de pessoas queridas e esta eterna chegada de outras pessoas
igualmente queridas, no fundo é uma benção que todo este entra-e-sai possa ter,
de vez em quando, a voz da Elis (tá bom, e da Maria Rita também, vai...) como
trilha sonora.</div>
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<br /></div>Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-43941061122901150502012-04-30T17:43:00.000-03:002012-04-30T17:45:53.273-03:00As lágrimas e o prato de picadinhoNunca gostei de ir a restaurantes sozinho. Almoçar sem companhia eu até consigo encarar; jantar jamais. Posso ir desacompanhado a cinemas, teatros, exposições e eventualmente até a alguma balada, mas nunca reuni coragem (e a palavra é essa mesma) para jantar sozinho em um restaurante. Pratos de Miojo e sanduíches do McDonald’s sempre me ajudaram nessas horas. Não sei explicar os motivos, mas jantar sozinho, em lugares públicos, sempre me pareceu um atestado incômodo de solidão – é como se ir ao cinema sozinho pudesse representar uma opção, enquanto que jantar sozinho beirasse o desespero de causa.
O fato que se segue, para meu alívio, ocorreu durante um almoço, o que talvez suavize um pouco o seu impacto. Eu estava almoçando sozinho, na semana passada, quando, na mesa ao lado, tocou o celular de uma jovem igualmente desacompanhada. A ligação durou menos de dois minutos – e ela muito mais ouviu do que falou. Apenas balbuciou algum monossílabo incompreensível. Quando desligou o telefone, já estava chorando. As lágrimas desciam por sua face enquanto ela, delicadamente, espalhava o azeite sobre a salada. Só após terminar essa função é que ela se preocupou em enxugar o rosto.
Outras lágrimas começaram a rolar, em um silêncio angustiante, assim que ela deu a primeira garfada no seu prato com picadinho. Tive impulsos de me sentar ao seu lado e perguntar: podemos comer juntos? Ou chorar juntos, se você preferir. Mas somos polidos o bastante para interromper o choro de alguém. Ela terminou de almoçar (apenas metade do prato) e pegou o telefone novamente. No meu íntimo, eu torcia para que ela fosse à forra com o responsável por suas lágrimas. Em vez disso, ela afastou o cabelo do rosto, calibrou e voz e, teatralmente, marcou uma reunião de trabalho. Enxugou as lágrimas pela última vez, pagou a conta e foi embora.
A vida sempre vence. Só que, às vezes, a vitória é triste.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-83771516231725504992011-05-15T17:09:00.002-03:002011-05-15T17:38:15.700-03:00Segundo tempoComecei muito tarde na ficção. Somente no final de 2001 escrevi meu primeiro texto não jornalístico. Até então, produzir matérias para jornais e revistas já me mantinha satisfeito e apaziguado com o teclado. Este primeiro texto se chamava O Fantasma de Nova York – um pequeno conto, três páginas apenas, sobre um homem de 30 e poucos anos que trabalhava em uma das Torres Gêmeas. Em 11 de setembro, dia dos atentados, ele decidira saltar do metrô duas estações antes da habitual para fazer a pé o resto do trajeto. Estava na rua, a algumas quadras do trabalho, quando viu o primeiro avião se chocar contra uma das torres. Ficou ali até o segundo choque e a consequente queda dos edifícios. Em meio a tanta dor, ele interpretou a tragédia como um renascimento. Se tivesse feito seu percurso habitual, estaria morto naquele momento. Ao nascer de novo, naquela manhã de terça-feira, resolveu sepultar a vida anterior: abandonou os pais e a mulher, tomou um ônibus interestadual e foi tentar uma nova vida em algum recanto esquecido dos Estados Unidos. Ao voltar, três anos depois, encontrou, no antigo flat em que morava, um atestado de óbito em seu nome, expedido pela prefeitura de Nova York.<br /><br />O objeto deste conto sempre foi uma das minhas obsessões. Desde adolescente que eu sonho com a possibilidade de ser outra pessoa em outro lugar, uma espécie de segundo tempo da vida, um jogo com novas regras e novos participantes. Não sei se teria coragem de algum dia me zerar desta maneira, mas ontem, ao ler uma das obras-primas do escritor Arthur Schnitzler, Breve Romance de Sonho, o livro que serviu de inspiração para Stanley Kubrick fazer seu último filme, De Olhos Bem Fechados, constatei, talvez um pouco aliviado, de que estou longe de ser o único a me ocupar com tais devaneios.<br /><br />Transcrevo aqui um trecho do romance em que o personagem principal, o médico Fridolin, também flerta com a ideia de que uma nova vida, em outras paisagens e rodeado de estranhos, pode ser possível:<br /><br />“Sentia uma leve pena de si mesmo. Apenas de passagem, não como um propósito qualquer, veio-lhe a ideia de dirigir-se a uma estação ferroviária, tomar um trem para onde quer que fosse, desaparecer para todos os que o conheciam, ressurgindo em algum lugar no estrangeiro para começar uma vida nova como outra pessoa, um novo ser humano. Lembrou-se de certos casos notáveis que conhecia dos livros de psiquiatria, aqueles das assim chamadas existências duplas: de repente, um homem desaparece, deixando para trás uma vida bastante ordenada, some, retorna meses ou anos mais tarde, não se lembra de onde esteve ao longo desse tempo, mas, depois, é reconhecido por alguém que o havia encontrado em alguma parte de um país distante, sem que ele próprio se lembre de coisa alguma. Decerto, tais coisas aconteciam raramente, contudo, ainda assim, eram casos comprovados”.<br /><br />Quem sabe um dia... somente trocando o trem por um avião. Me parece mais contemporâneo.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-44429656915698941092011-05-02T14:58:00.002-03:002011-05-02T15:07:17.413-03:00Zé RenatoNo segundo semestre de 2003, tive o prazer de participar, durante dois meses, de uma oficina de direção teatral ministrada pelo querido e já saudoso Zé Renato na Faap. Não é o caso de me estender aqui sobre o muito que aprendi nesta breve convivência com ele e nem do quanto passei a gostar e respeitar ainda mais o homem e o profissional de teatro. Amigos que tiveram a chance de conviver mais com ele poderão falar sobre seu talento e sua extrema generosidade com muito mais propriedade que eu. Tomo a liberdade de falar de Zé Renato apenas para recordar de uma historinha linda e emocionante que ele nos contou numa das tardes daquele ano.<br /><br />O fato se deu em 1964, alguns meses depois do golpe militar. Zé Renato estava no Rio, selecionando o elenco para uma montagem da Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht. Ele não conseguia encontrar uma jovem cantora para um dos papéis de destaque da peça. Havia testado várias, sem se entusiasmar particularmente com nenhuma delas. Se não me engano, era o único personagem para o qual Zé Renato ainda não havia encontrado um intérprete – o que estaria atrasando o início dos ensaios. Até que um dia, quando ele já se encontrava à beira do desespero, apareceu uma atriz magrinha e tímida, chamada Marília Pêra, que acabou levando o papel. <br /><br />No dia seguinte, quando o elenco da peça já estava completo, o comediante Ary Toledo procurou Zé Renato para dizer que havia encontrado a garota perfeita para o papel. Zé Renato agradeceu dizendo que, desde a tarde anterior, o papel já tinha dono. Ary Toledo não se conformou. Insistiu para que Zé Renato ao menos ouvisse a garota, ainda que fosse por uma questão de educação. Meio a contragosto e irritado por perder um precioso tempo de ensaio, Zé Renato foi ouvir a tal garota cantar.<br /><br />“Foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida e até hoje me recordo de cada palavra que aquela menina cantou só para mim”, contaria Zé Renato diante dos aprendizes inebriados da sua oficina de direção. <br /><br />A tal garota que com muito custo ele foi ouvir tinha 18 anos, havia acabado de chegar de Porto Alegre e se chamava Elis Regina.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-38941126290689235212011-04-20T17:36:00.000-03:002011-04-20T17:37:35.118-03:00A Maria Callas na cadeira da cozinhaNão são os terremotos, os tsunamis ou o derretimento da calota polar que me fazem acreditar que deve haver algo de errado com o clima. O que me leva a pensar que alguma coisa está mudando na natureza é ver que até na Sexta-Feira Santa agora faz calor. E até onde minha memória me permite viajar, eu garanto que não era mesmo assim. Desde quando aquelas sextas-feiras frias e tristes da minha infância, quando não havia nada mais animado a fazer além de esperar pela procissão que passava na frente de casa, deram lugar a praias com sol e tempo bom? Este sim, para mim, é um dos mistérios da fé. Naqueles dias santos, havia uma melancolia e um inexplicável temor diante da morte que, penso eu agora, estavam intimamente ligados às nuvens cinzentas que cobriam o céu da minha cidade. Era um convite natural à tristeza que, felizmente, parece que abandonamos.<br /><br />Me lembro de minha mãe dizendo que, em seus tantos anos de vida, nunca ter visto uma Sexta-Feira Santa ensolarada. Para ela, talvez, a natureza em si fosse uma católica praticante que recolhesse parte do seu brilho em respeito ao deus morto. Meu pai não se barbeava naquele dia e nós, crianças, deveríamos ficar longe da tevê e do rádio. Tínhamos reforçada a recomendação de, especificamente naquele dia, não brigar na rua e nem dizer palavrões, ao menos em voz alta. Era proibido rir alto, correr ou jogar bola no campinho esburacado. Acho que era proibido ser muito feliz também. <br /><br />Diante de tantas restrições, talvez eu me obrigasse a encontrar algum encantamento naquele dia, alguma brechinha para me extasiar no meio de um ritual de cores escuras, velas mal-cheirosas e estátuas de semblantes doloridos e machucados. Encontrei o tal encantamento numa misteriosa figura feminina. Ela tinha o rosto coberto por véu e um pano amarelado nas mãos que, mais tarde vim a saber, trazia a imagem da face de Jesus. Para mim, aquela mulher, chamada Verônica, era o que havia de mais misterioso e fascinante na Procissão do Senhor Morto. <br /><br />Ao longo do percurso da procissão, todos paravam, se não me engano nove vezes, para ouvi-la cantar. Uma dessas paradas se dava bem em frente ao portão da minha casa. Quando a procissão se aproximava, minha mãe arrastava para a calçada uma cadeira que em pouco tempo iria se converter num minúsculo palco sobre o qual Verônica soltaria sua voz fina, dolorida e potente, enquanto desenrolava o pano amarelado com a imagem do rosto do Cristo martirizado. O que ela está cantando, eu perguntava para quem estivesse mais perto. Devia ser algo em latim, já que ninguém nunca me respondeu satisfatoriamente. O canto da Verônica era o acontecimento mais aguardado de um dia em que nada mais deveria acontecer. Com o tempo, aquela mulher que eu ingenuamente acreditava ganhar vida só no dia da procissão, deu um toque de Natal para a minha Sexta-Feira Santa. Ela era uma espécie de Papai Noel entristecido que trazia um único presente: a voz misteriosa e incompreensível que fazia uma serenata pungente na frente da minha janela.<br /><br />E durante anos eu aguardava a procissão da Sexta-Feira Santa, na certeza de que, num milagre tão potente quanto o da ressurreição de Cristo, Verônica voltaria para a vida bem em cima da cadeira da nossa cozinha. E então, numa tarde, enquanto acompanhava minha mãe até uma loja recém-aberta no bairro, passamos na frente de uma casa simples, com jardinzinho ressecado e duas janelas azuis cravadas numa parede que havia sido branca algum dia. “É aqui que mora a Verônica”, minha mãe disse, sem nem sequer diminuir o passo. Gelei. “Que Verônica?”, eu perguntei, talvez já com medo da resposta. “A que canta na procissão. Ela mora aí com os dois filhos”. A vida, então, era só isso: a Maria Callas da minha infância morava no mesmo bairro e tomava conta de dois filhos numa casinha modesta. Talvez até trabalhasse fora, mas nisso eu nunca quis pensar.<br /><br />Quem sabe tenha sido naquele momento, em que a magia se desfez de forma tão impiedosa, que o sol começou a raiar também na Sexta-Feira Santa.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-89149240006906760782011-04-18T16:48:00.000-03:002011-04-18T16:49:13.629-03:00E se...Dia desses, durante um café com um amigo, falávamos sobre a inutilidade de imaginar a vida que poderíamos ter tido, em comparação com a vida que efetivamente temos hoje. Falamos sobre como parecia improdutível, talvez até cruel, nos debruçarmos sobre todos os “se” que deixamos para trás. Discorremos sobre onde estaríamos agora se tivéssemos feito determinada coisa no lugar da outra que realmente fizemos e que nos trouxe até aqui. É um tipo de conversa que eu gosto de ter, embora pareça, à primeira vista, um grande exercício sobre o vazio e mesmo sobre um provável arrependimento – já que a única vida que conhecemos é esta que temos, aqui e agora, e que resultou de todas as decisões que tomamos e de uma gigantesca contribuição do acaso. Ainda assim, não evito pensar em como as coisas poderiam ter sido diferentes se eu tivesse pego, lá atrás, o caminho que dobrava à direita e não aquele que me conduziu para a esquerda (nenhuma conotação política neste caso).<br /><br />Eu gostaria de ser um tipo de pessoa que, decisão tomada, página virada. Não consigo. Levo muito tempo para me decidir sobre alguma coisa (na maioria das vezes, adoraria ter alguém que tomasse as decisões acertadas por mim – só as acertadas, porque das outras eu mesmo me encarrego) e mesmo assim, depois de decidir, perco noites de sono pensando em como seriam as coisas se eu tivesse tomado a opção diferente, se tivesse escolhido a alternativa que eu a duras penas descartei. Garanto que é uma bela maneira de fazer a vida empacar e me considero quase expert nisso. Uma vez, fiz meu mapa astral com uma astróloga chinesa que atendia no Conjunto Nacional. Ela disse que não havia quase nada do elemento água em meu mapa – daí minha dificuldade em “lavar as mágoas” e deixar o passado lá atrás, que é o lugar dele. Ela me recomendou fazer natação. Fiz três aulas e parei. Continuo árido e apegado ao que fiz – e também e cada vez mais, ao que deixei de fazer.<br /><br />Aos 19 anos, recém-saído do Exército, não sabia que rumo tomar na vida. Fiz um ano de cursinho e prestei vestibular para duas carreiras, medicina e jornalismo. Entrei em jornalismo e fiquei na lista de espera para medicina, com apenas nove candidatos na minha frente. A secretaria da faculdade acreditava que eu seria chamado – mas não rolou. E passei os dois primeiros anos da faculdade de jornalismo lamentando profundamente estar ali. Todo dia eu pensava em trancar a matrícula, voltar para o cursinho e tentar entrar em medicina no ano seguinte. Fiquei numa espécie de limbo – não curtia o curso de jornalismo e nem tinha coragem de parar. Este desconforto só desapareceu no terceiro ano de faculdade, quando entrei pela primeira vez numa redação de jornal e compreendi que eu seria mais feliz tendo nas mãos um teclado e não um bisturi. Ainda assim, até hoje me flagro pensando em como seria minha vida, quem seriam os meus amigos, onde eu estaria agora se tivesse deixado o jornalismo de lado para tentar fazer o curso de medicina. <br /><br />Este é apenas um entre as dezenas de exemplos que carrego de todas as encruzilhadas em que a vida já nos jogou. Ou isto ou aquilo, como dizia Cecília Meireles em um dos seus poemas mais famosos. Sempre que estas inquietações vêm me atazanar um pouquinho, o engraçado é que não costumo pensar se eu estaria mais rico, se moraria em outra cidade, se teria outros contatos caso tivesse feito as coisas que não fiz. O que eu sempre penso nestas horas, e é aí que está a dureza da situação, é se eu teria sido mais feliz.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-17808134576031488202011-04-13T16:50:00.002-03:002011-04-13T16:59:02.798-03:00AcajuOuço de muitas pessoas, amigos inclusive, que se existe alguma vantagem no correr dos anos(que podemos chamar aqui de maturidade) é que se perde o medo do ridículo. Infelizmente, não é o que acontece comigo. Quanto mais passa o tempo, mais cresce o meu medo de ser ridículo. Caberia uma imensa discussão aqui sobre o que é, afinal, ser ridículo. Mas no íntimo, cada um de nós, por experiência própria ou observação do mundo, tem, ou deveria ao menos ter, o seu conceito de ridículo muito bem formulado. Eu também tenho o meu. Gostaria que ele fosse um pouco mais elástico, ou menos autoritário, mas não é o caso: sempre tive medo de ser ridículo e este medo, ao contrário de outros que domei na vida, continua a me infernizar.<br /><br />É este medo que muitas vezes me faz calar diante de fatos e coisas que não consigo entender direito. Aprendi que o silêncio costuma estar do lado oposto do ridículo – e o silêncio pode ser a nossa maior contribuição diante do inexplicável. Ouvi, como todo mundo deve ter ouvido, centenas de explicações igualmente ridículas sobre o comportamento e as motivações daquele jovem que abriu fogo contra crianças numa escola do Rio. Frases feitas, conceitos surrados, a chamada psicologia de botequim quando o botequim já está prestes a fechar. Estamos adquirindo o terrível vício de tentar explicar aquilo que foge da nossa compreensão. E tentar explicar sempre, como se a nossa opinião, e só ela, definisse a nossa postura no mundo. E quando não temos opinião? E quando a nossa opinião não acrescenta absolutamente nada de louvável e interessante a tudo aquilo que já foi dito e escrito? Qual o problema de se calar? Qual o problema de se ficar quieto num canto e evitar, acima de tudo, ser apenas mais um ridículo?<br /><br />Meu medo de ser ridículo talvez resulte do fato de eu já não me sentir mais tão jovem. Quando se é adolescente, o nosso ridículo pode ser confundido com rebeldia, auto-afirmação, desajuste ou algum processo desenfreado de busca. Explicações maravilhosas que realmente funcionam. O tempo, aos poucos, vai eliminando estes nossos álibis. E é por isso que eu não compro muito esta idéia de que a maturidade nos abre a porta para o ridículo. A maturidade fez com que eu desse menos importância a uma série de coisas – menos ao temor de ser ridículo. <br /><br />Se não me engano, Fernando Pessoa diz em um poema que só as pessoas ridículas não escrevem cartas de amor ridículas, pois todas as cartas de amor são, por definição, ridículas. Mas ser ridículo, por descuido ou deliberadamente, é um tipo de exercício que eu não pretendo realmente praticar. Isso não vai me impedir, obviamente, de tomar atitudes ridículas até o último dos meus dias. Talvez este post em si já seja uma prova da minha indisfarçável capacidade de ser ridículo. Talvez daqui a meia hora, ao sair de casa, eu tome uma atitude ridícula em cada esquina. Talvez eu buzine para o carro da frente porque ele não arrancou quando o semáforo abriu, como eu fiz ontem. Talvez eu seja cruel com alguém que não é de forma alguma responsável por uma eventual tristeza ou frustração de minha parte. Talvez eu alimente sentimentos de vingança, talvez eu não reconheça no outro uma certa nobreza apenas pelo meu medo da competição. Talvez eu me deite e me levante com a sensação de ter sido ridículo justamente por que fiz um pouco disso tudo. Talvez eu pinte meu cabelo de acaju e passe os dias a distribuir selinhos na boca de todo mundo. <br /><br />Mas eu garanto que não vou me orgulhar disso. E que não vejo o passar dos anos como um salvo-conduto, como uma autorização para que meus atos pequem pela falta de inteligência, generosidade e bom-senso. A cada dia o ridículo me dói mais. E sinceramente não invejo os que acreditam que ser ridículo é uma conquista que a idade nos traz.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-62866548661950875692010-12-08T23:06:00.000-02:002010-12-08T23:07:14.748-02:00MagiclickDomingo passado fui visitar meus pais, que moram em Jundiaí. Levei para minha mãe um presente mais que modesto: um acendedor de fogão, uma bugiganga que custa menos de 15 reais em qualquer banca de camelô. Claro que não se tratava do presente de Natal. Mesmo minha mãe, que a vida toda sempre demonstrou não dar a mínima para presentes de Natal, ficaria ofendida com um presente tão sem charme. Comprei-o porque, na última vez em que estive lá, minha mãe disse que o acendimento automático do fogão havia pifado e ela, depois de anos, se vira obrigada a resgatar as caixinhas de fósforos. <br /><br />Nenhum relato pode ser mais cotidiano e pueril que este. Mas a banalidade do ato termina por aqui. Minha mãe não conseguiu fazer o acendedor funcionar, seu polegar direito, tão necessário para o gesto, talvez como o resto do seu corpo já esteja mais fraco é débil. Minha mãe não está doente, nada disso. Ela está envelhecendo – o que talvez, para os nossos conceitos atuais, seja pior que adoecer. Constrangida diante da família, como se carregasse nas mãos um revólver que não conseguiu disparar num momento de necessidade, ela passou o acendedor a meu pai, na esperança de que ele tivesse melhor sorte. <br /><br />Meu irmão, eu e minha sobrinha, como se possuídos por um abjeto acesso de vitalidade do qual viríamos a nos arrepender no momento seguinte, exibimos para os dois como era fácil, prático, elegante e viril fazer brotar uma chama amarelada na ponta do acendedor. Depois desta tripla exibição, meu pai tentou e também não conseguiu.<br /><br />É um relato de nada, uma coisinha tão à toa e por isso mesmo tão dolorida. Saber que a velhice - e a debilidade que ela acarreta - não precisa de grandes fracassos físicos para revelar sua face. Dispensa gritos noturnos, incontinência urinária e as traições da memória. Num almoço de domingo, diante de toda família, um maldito acendedor nos revelou que meus pais há muito deixaram de ser jovens. Não era segredo para ninguém, há anos que nunca foi. Mas lembrar do desconforto e da frustração presentes no rosto deles, duas pessoas idosas metaforicamente incapazes de produzir fogo, o segredo da vida, é algo que machuca legal.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-70548364605016420312010-12-05T20:08:00.001-02:002010-12-05T20:08:56.826-02:00Cabecinha duraNos últimos meses, minha memória inventou de me punir. De cada dez lembranças que me veem à cabeça, assim do nada, nove não são lembranças boas. Não acredito que eu tenha me convertido em uma pessoa mórbida ou derrotista – ainda que eu tenha sempre cultivado estes dois defeitos (será que são defeitos mesmo ou apenas um providencial freio para que a gente não se transforme em um babaca deslumbrado?) não acho que eles tenham fugido do controle de uma hora para outra.<br /><br />As tais lembranças que vira e mexe me atazanam não têm nada a ver com mortes ou outros episódios igualmente tristes. São apenas um conjunto mais ou menos tolerável de decepções, de gafes, de mal entendidos, de pequenas mágoas que talvez pudessem ser evitadas, mas não foram. Então, nos últimos meses, quando minha memória decide resgatar algumas coisas do meu arquivo morto, só por pirraça resgata justamente os momentos em que fui patético – deixando encobertos pelo pó do tempo os momentos em que não o fui. Talvez fosse querer demais ser visitado apenas pelos episódios do passado em que eu marquei o gol – mas também não precisava ser assombrado por aqueles em que eu perdi o pênalti e ainda fui vaiado. Tudo me leva a crer que eu tenha desenvolvido uma memória seletiva ao contrário – só as chateações é que estão sendo preservadas pela minha massa cinzenta cada dia mais ranzinza.<br /><br />Estou fazendo o possível para acreditar que existe algo de positivo nisso. Talvez minhas memórias se mostrem mais interessadas em me educar do que em me punir – é como se, ao recuperar uma mancada de dez anos atrás, meu cérebro procurasse me dizer que eu não estou livre de novas mancadas, mas que aquela mancada específica eu não preciso mais reproduzir. É amarga, mas não deixa de ser uma lição. Meu medo é de que, a continuar assim, minhas memórias assumam o papel de uma grande mãe universal, disposta a me deixar de castigo até que eu peça perdão e jure não fazer mais traquinagens.<br /><br />Se este é o lado positivo da questão (haja otimismo nesta constatação), também existe o lado que chega a ser quase desesperador. É ele que me diz que, por mais que o tempo passe, por mais que a gente acredite ter ganhado alguma sabedoria e por mais que a gente tenha se esforçado para refinar os nossos sentimentos em relação ao mundo e a nós mesmos, a gente não precisa de mais do que dez minutos para trocar os pés pelas mãos de novo. Basta botar a cara para fora que a gente vai começar a errar, a tropeçar, a dar cabeçada e a magoar a quem não devia. E, muitas vezes, esta pessoa a quem a gente magoa tanto, é aquela que invariavelmente trazemos de volta para casa noite após noite: nós mesmos.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-27955267808817863352010-10-27T18:03:00.001-02:002010-10-27T18:03:44.567-02:00AgulhaO Louco Amor de Yves Saint-Laurent, documentário sobre a vida e a carreira de um dos gênios da alta-costura francesa, em exibição na Mostra Internacional de Cinema, tem um título enigmático: depois de duas horas de exibição, saí sem entender o que havia de louco no relacionamento de 50 anos que o estilista manteve com o empresário e colecionador Pierre Bergé. Seria justamente a longevidade da relação? Nos dias que correm, loucura seria conviver com a mesma pessoa ao longo de meio século? Não me parece que este tenha sido o sentido do documentário, que só reforçou em mim uma antiga suspeita de que a convivência, ainda mais as duradouras, é um tipo de coquetel que exige uma dose de paciência e respeito muito maior do que de loucura. Ao menos por parte de um dos envolvidos.<br /><br />Não por coincidência, o documentário abrange os 50 anos que Saint-Laurent viveu ao lado de Pierre Bergé – período em que ele se consolidou como um dos maiores estilistas do mundo e, ao lado do parceiro, também um dos maiores colecionadores de arte moderna do planeta. Após a morte de Saint-Laurent, Bergé decidiu se desfazer desta monumental coleção que incluía mais de 700 itens, entre quadros de Picasso, Mondrian e Matisse. Num concorrido leilão realizado pela Christie’s, no Petit Palais de Paris, as peças, juntas, movimentaram mais de 200 milhões de euros. <br /><br />Mas tudo isso é estatística. O que me atraiu no documentário não foram as geniais criações de Saint-Laurent, muito menos a grandiosidade de seus quadros e esculturas – imagens que, tanto umas quanto outras, já estamos cansados de ver. Atraiu-me muito mais a disposição do diretor Pierre Thoretton em investigar a história de amor que, a exemplo da fama e da fortuna dos dois, também crescia de alguma forma – ou nem sempre. O emocionante depoimento de Bergé parecia demonstrar que ele não estava apenas interessado em passar adiante seus objetos de arte, mas também a história do seu relacionamento. <br /><br />Sem que Saint-Laurent tivesse vivido para dar sua versão sobre a história, o que me sobrou foi a ideia, talvez errônea, mas sempre presente em minha cabeça, de que os relacionamentos quase nunca são feitos em porções igualitárias de amor e dedicação: me parece que sempre sobra para alguém a tarefa de carregar o piano. Me parece que alguém tem sempre de ceder, de ponderar, de ir embora já sabendo que vai voltar quando o outro chamar, de perdoar e, acima de tudo, de acreditar que mesmo quando o teto está desabando sobre o casal, tudo não passa de apenas mais uma crise. Claro que, partindo do pressuposto que um papel como este deva ser representado, é bom que seja em sistema de revezamento. <br /><br />De tudo que foi dito e mostrado no documentário, uma frase persiste na minha cabeça. Ao se recordar dos anos em que Saint Laurent passou mergulhado no álcool e nas drogas, Bergé confessou que chegou a sair de casa. Ele se mudou para um hotel na mesma rua em que eles moravam. “Eu queria estar perto quando Saint-Laurent me chamasse de volta. Eu não conseguiria mesmo viver longe dele”.<br /><br />É assim. Alguém vai e alguém chama de volta. E, quem foi, muitas vezes atende este pedido. Seriam dois lados da mesma moeda?Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-42716111517525411182010-10-15T15:38:00.001-03:002010-10-15T15:40:18.624-03:00TateandoNoite dessas, zapeando pelos canais a cabo da televisão, coisa que raramente faço, parei para ver um documentário sobre uma cientista inglesa envolvida em trabalhos ambientais nas florestas da Indonésia. A insônia e a prostração realmente nos empurram para alguns programas que provavelmente evitaríamos em dias de juízo perfeito. Mas eu sempre tive interesse nestas pessoas que, sabe-se lá se por vocação, engajamento ou desilusão amorosa, abandonam a família, os amigos e o burburinho da civilização para se esconder em alguma floresta onde seus dias serão ocupados na observação de pássaros exóticos, grandes primatas e na ação perversa de caçadores. O objeto de estudos desta cientista, cujo nome não me recordo, eram os orangotangos.<br /><br /> O documentário exibiu uma foto da cientista de 30 anos atrás – quando ela chegou à floresta. Era uma morena bonita e de olhos claros, a quem não deveriam faltar pretendentes e uma vida social mais agitada em sua Londres natal. Mas ela preferiu passar a vida – ou os chamados melhores anos da vida – em meio a filhotes de orangotangos que estão aprendendo a subir em árvores. Já no fim do programa, ele encarou a câmera e disse. “Foi para isso que eu nasci, para estar aqui e cuidar destes animais”.<br /><br />Ninguém precisa dizer muito mais do que isso para ganhar o meu respeito, a minha admiração e, confesso, a minha inveja. Sou realmente fascinado pelas pessoas que sabem por que motivo elas nasceram. Eu provavelmente já gastei mais da metade do meu tempo nesta vida e ainda continuo tateando – acho que sei tanto da vida quanto naquele momento em que o médico me ergueu, olhou para minha mãe e disse: é menino. Gosto realmente das pessoas que encaram um trabalho (ou alguma outra atividade parecida) como se fosse uma missão – e que procuram cumpri-la de uma maneira que parece não haver dúvidas de que se trata realmente daquilo ali e não outra coisa. Como eu poderia ter uma certeza assim tão grande na vida se eu sou daquele tipo de pessoa que, numa doçaria, depois de ter dado a primeira mordida num brigadeiro, se arrepende na mesma hora, achando que deveria ter pedido o quindim.<br /><br />Creio que eu não sinta inveja da vida que aquela cientista leva na selva – eu acho que voltaria correndo para a cidade depois de dormir a primeira noite numa barraca . Mas o que me atraiu nela – e em outros casos semelhantes – é a convicção de estar fazendo algo no que realmente se acredita. A maioria de nós não poderia dizer a mesma frase sem correr o risco de esbarrar na hipocrisia. Faço uma série de coisas das quais gosto, sou levado a fazer outras tantas por necessidade de sobreviver, mas a coisa em si, a coisa suprema, sobre a qual eu poderia dizer que é nela que a minha existência se ampara, esta ainda, infelizmente, eu não encontrei. <br /><br />Sinto quase o mesmo tipo de admiração por aquelas pessoas que passaram por uma experiência que mudou suas vidas – em épocas de mineiros soterrados e resgatados, dispenso as experiências traumáticas. Falo de coisas mais prosaicas, de gente que diz assim: puxa, a natação mudou minha vida, depois que comecei a nadar, sou outra pessoa. Ou sou outra pessoa por que parei de fumar, ou por que li determinado livro que abriu todas as portas da minha percepção, ou por que descobri Deus em determinada religião, ou por que eu fui tocado pelo bem...<br /><br />Eu olho para mim e me vejo como uma pessoa que também faz várias e diferentes coisas, que também procura algum conforto nas artes, na convivência, na natureza e na realização profissional. Mas que guarda, para o bem ou para o mal, uma espécie de disco rígido no fundo da alma – que funciona direitinho mas é difícil de ser tocado – seja por uma poesia de Fernando Pessoa seja pelo prazer de ver um orangotango escalando sozinho a primeira árvore de sua vida.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-62056329327630120412010-09-04T23:39:00.000-03:002010-09-04T23:40:59.304-03:00SalgadoTarde dessas, saindo de um trabalho em Higienópolis, eu descobri a felicidade disfarçada de coxinha de frango na padaria Barcelona. Havia muito que eu não comia uma coxinha. No ano passado, impaciente com minha falta de empenho em reduzir meus níveis de colesterol, meu médico me obrigou a cumprir uma dieta restritiva que expulsou do meu cardápio várias coisas que me deixavam feliz: coxinhas, empadinhas, sorvete, linguiça, doces, chocolates e tantas outras que, a bem da verdade, conseguimos passar sem, mas a vida fica um pouco mais sem graça longe delas.<br /><br />Brinquei com o médico que a gente estava vivendo tempos comedidos demais. Ele, sorrindo, concordou, afirmando temer que, dentro de alguns anos, no andar desta carruagem em que o prazer está se tornando quase que algo nocivo, a gente levantaria de manhã, tomaria um copo de água, depois um antidepressivo, uma folha de alface na hora do almoço e o remédio para baixar o colesterol antes de dormir. Exageros à parte, depois da morte do amigo Alberto Guzik eu tenho pensado muito nesta equação perversa que parece eliminar a felicidade da fórmula da longevidade.<br /><br />Calma lá, sei que fui a extremos. Bem por isso eu disse exageros à parte. Reconheço que não é assim tão difícil tentar ser saudável, praticar esportes, comer menos, dormir melhor e ficar longe do cigarro, do álcool, do sal, do açúcar, das frituras, do café, do pãozinho francês, da carne vermelha, do tomate com agrotóxico. Meu medo é que, preocupados em obedecer a todos estes quesitos, a gente se esqueça de ser viver de forma desencanada. Se esqueça de exagerar um pouco, de se entregar a um certo descompromisso que um dia a gente experimentou na vida e do qual agora anda fugindo a todo instante. <br /><br />Aquela coxinha representou, para mim, o que as famosas madeleines devem ter representado para Marcel Proust – embora eu seja infinitamente menos talentoso para narrar a minha busca pelo tempo perdido. Mas, enquanto aquela casquinha crocante (maldita fritura!) derretia em minha boca, me lembrei de como já fui mais festeiro, de como eu costumava me entregar mais às festas, às baladas e a uma ou outra coisinha ilícita que rolava nestes lugares, de como eu precisava dormir menos e de como a gente era mais tranquilo em relação a tantas coisas que hoje ocupam tanto espaço no nosso dia.<br /><br />Ainda retornando ao Guzik, outro dia eu brinquei, com um amigo comum, que talvez fosse editorialmente mais interessante mudar o nome do romance inédito que o Guzik nos deixou, Estátua de Sal de Sodoma. Eu disse para o amigo que com certeza as vendas seriam maiores se o livro passasse a se chamar Estátua Sem Sal de Sodoma – um título mais com a cara destes tempos em que a gente se preserva tanto, mas tanto que de vez em quando vem a pergunta: mas para quê? Não sei, talvez a gente queira viver mais e melhor, o que seria um anseio justo. Mas será que existe alguma lógica em querer viver mais e melhor num planeta que está cada vez menos hospitaleiro com a nossa espécie?<br /><br />E, para terminar este post tão desanimado, digo aqui que acabo de ler na revista Veja uma matéria de seis páginas sobre as crueldades indescritíveis que cometemos contra os animais mundo afora apenas para que a nossa mesa seja farta de carnes cada vez mais suaves e sem músculos, de patês que deslizem cada vez com mais elegância sobre as nossas torradas importadas e de elixires que consigam o milagre de fazer o nosso pau subir quando todo o tesão do mundo já nos abandonou. E me deu uma tristeza tão grande de ser gente, tão profunda que, se eu não corresse o risco de ser internado, passaria a noite urrando e mordendo a canela de dor, como fazem os ursos da China a cada vez que perfuram seus abdomes para extrair a bile que os malditos chineses acreditam ser afrodisíaca. <br /><br />Tem dias em que viver é muito triste e muito foda. Com ou sem sal.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-45654472330849245962010-08-30T21:15:00.000-03:002010-08-30T21:16:10.499-03:00Por um dia de StalloneA cada vez mais eu tenho certeza de que não poderia ser um cara fortão. Se fosse, acho que eu viveria brigando. Pois nunca vi uma época em que a delicadeza estivesse tão fora de moda. Tenho alguns amigos fortões, como o José Roberto Jardim e o Nicolas Trevijano que, além de atores, são campeões de kung-fu. Campeões mesmo, com troféu em casa e uma flexibilidade corporal que lhes permite passar o cotonete usando os dedos dos pés. Sempre admirei a força e a destreza dos dois – não por que eu seja um amante das lutas marciais. Mas porque eu imagino como seria bom encarar o barnabé que está conversando no cinema e mandar ele calar a boca. Como eu não sou nem o Nico e nem o Zé, eu faço uma cara feia para o barnabé. Se ele não parar de falar, faço outra cara feia e dou uma bufada. Se mesmo assim ele continuar falando, eu levanto e mudo de lugar – porque sei que dentista está caro e deve ser muito humilhante apanhar no cinema, ainda mais se a gente está com a razão. O bom do Nico e do Zé é que eles têm coração de manteiga e paciência de mãe – justamente por serem fortes e saberem disso, evitam brigar. Nunca vi nenhum dos dois metidos em qualquer confusão. Acho que, enquanto desenvolviam os bíceps, eles cuidavam também de estimular a paciência. Eu já estou numa fase bem distinta: não desenvolvi os músculos e estou perdendo a paciência a cada dia. <br /><br />Se eu fosse um cara fortão, juro que eu encarava. Mas a última briga que tive foi aos 11 anos, no quarto ano primário. Dei uma guarda-chuvada na cabeça de um menino chamado Paulo, que tinha me dado um pontapé na bunda. E terminou aí a nossa contenda. Daquele dia até hoje, só dei um soco. E foi no computador, num dia em que a energia caiu e eu não tinha salvado nada do que tinha escrito. Além de perder tudo, fiquei com o maior medo de ter quebrado o computador. Felizmente, minha falta de força no muque preservou todas as plaquinhas do meu computador. <br /><br />Não sou adepto da violência, não mesmo. Mas acho que algumas pessoas precisam levar uns sopapos para aprender a viver em sociedade. Na sexta-feira de manhã, em Higienópolis, um aluno de auto-escola parou o carro para que eu e uma babá com duas crianças, uma no colo e outra no carrinho, atravessássemos a rua na faixa de pedestre. Nada mais justo, correto e esperado da parte de um motorista, ainda mais em treinamento. Pois não é que um espírito de porco que estava no carro de trás começou a buzinar feito um louco e a ofender o aluno da auto-escola, só porque ele tinha parado pra gente cruzar a rua na faixa de pedestre? Não dá vontade de ir lá, pegar o cara pelos colarinhos e mandar ele enfiar a buzina no rabo? Mas como a gente não quer confusão, atravessa a rua correndo e fica quieto. <br />Outro dia, numa sessão lotada do shopping Frei Caneca, um carinha conversou com a namorada, em voz alta, o filme inteiro. Atendeu a três ligações do celular e fez outras duas. Pedi por favor para ele deixar a gente ver o filme. Pedi três vezes. Ele não deu a mínima. Como o cinema estava lotado, não adiantava bufar, fazer cara feia e mudar de lugar. Engoli em seco e tentei acompanhar o filme como se o carinha estivesse na sala da casa dele e eu fosse um convidado indesejável. Então eu me pergunto por que é a gente que sempre tem de ceder?<br /><br />Contei este caso para uma amiga e disse para ela que, se eu fosse um cara fortão, teria dado um bofete na cara daquele desgraçado. Porque eu acredito que um cara, que apanha num cinema na frente da namorada, vai pensar duas vezes antes de abrir a boca no próximo filme. Minha amiga ficou horrorizada com a minha teoria. Ela disse que violência gera violência, que ele podia ter uma arma no carro, sair do cinema na mesma hora e chamar uns amigos para me descer o cacete no fim do filme ou tomar qualquer outra atitude que viesse a me prejudicar. “Esses caras não têm nada a perder”, ela me disse. “O melhor que a gente tem a fazer e desviar e ficar quieto”.<br /><br />Concordo com ela. Mas que eu tive uma vontade quase incontrolável de dar uns cola-brinco naquele escroto, ah, isso eu tive. Do mesmo jeito que quis encher de porrada o motorista de Higienópolis. Mas de nada adianta. Tenho certeza de que hoje o carinha do cinema continua atazanando a vida de quem se sentar ao lado dele, do mesmo modo que o motorista de Higienópolis segue buzinando e ofendendo quem é educado no trânsito. <br /><br />E a gente, que procura ser um pouco decente e educado, só se ferra, em todas as ocasiões. É a gente que tem de mudar de lugar, é a gente que tem de pedir por favor, é a gente que eternamente faz o papel do palhaço. Não estranhem se um dia me virem entrando numa academia de boxe. O mundo tá ficando tão hostil que é bom que algumas pessoas saibam que, depois do terceiro por favor, a gente também é capaz de se fazer ouvir com o punho fechado.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-28109316796327040202010-08-27T19:16:00.002-03:002010-08-27T19:24:24.534-03:00Fechado para reformasUm aviso aos amigos queridos que costumam passear por aqui: estou passando por um período de muito trabalho e pouca inspiração. Queria que fosse o contrário, mas a gente precisa se adaptar ao que temos, não é?<br />Como gosto muito deste espaço e costumo elaborar um pouco o que vou escrever (não sei se tal elaboração reflete no resultado, mas ao menos existe a intenção), achei melhor ficar um pouquinho quieto para não ser inconsequente e morrer pela boca.<br />Eu acho que logo as coisas se acalmam e as ideias voltam. Não que elas tenham me abandonado, longe disso - elas estão sendo consumidas em outros projetos um pouco menos lúdicos do que este blog, mas igualmente necessários.<br />Espero, em breve, ter algo novo para contar.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-70064457131370893952010-08-05T15:31:00.000-03:002010-08-05T15:32:22.378-03:00Unha e carneDepois de assistir ao filme Vincere, do diretor italiano Marco Bellocchio, passei alguns dias acreditando que as mulheres são capazes de amar de forma muito mais obsessiva que os homens. Entenda-se por obsessão o ato da entrega, da fidelidade e da dedicação ao outro de uma maneira tão cega e radical, que a própria vida de quem ama é posta em rico. E, no caso do filme, destruída.<br /><br />O filme retrata Benito Mussolini antes de ele se tornar líder do partido fascista e ditador italiano que se uniria a Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial. O filme tem uma atmosfera opressiva, com personagens amedrontados diante de uma Itália convulsionada pela ascensão de um regime totalitário. A ordem é obedecer e calar. Mas uma jovem e bela mulher, Ida Dasler, dona de um salão de belezas, não faz nem uma coisa nem outra. Prefere propagar a quem estiver disposto a ouvir (e ninguém parece estar, a menos que seja para prejudicá-la) que ela é a verdadeira mulher de Mussolini, com quem teve um filho batizado com o mesmo nome do ditador. Mais eu não conto. O filme está em cartaz no CineSesc.<br /><br />Fiquei com a imagem e a atitude temerária daquela mulher na cabeça. E imaginei se um homem, nas condições em que ela se encontrava, seria capaz de amar e manter-se fiel da mesma maneira. Longe de mim acreditar que a capacidade de amar e manter-se fiel em meio ao caos seja um atributo exclusivamente feminino. Penso que os homens também sejam capazes de sacrifícios semelhantes, porém, e nestas histórias sempre existe um porém, julgo que os homens são educados de forma a encontrar alguma praticidade neste jogo amoroso. Em função disso, acreditava eu, eles resistiriam um pouco mais antes de se atirar à fogueira por causa de um amor. <br /><br />Este conceito permanecia quase consolidado na minha cabeça até semana passada, quando um amigo, sem avisar da visita, bateu em minha porta. Achei estranho, já que hoje em dia nem os amigos mais íntimos surgem sem um telefonema prévio. Durante as duas horas em que ficou em casa, não foi de outra coisa que ele falou a não ser do quanto estava sofrendo...por amor. Tanto que tinha adquirido uma doença psicossomática que o fazia lembrar de sua paixão opressiva todas as vezes em que se olhava no espelho. A garota com quem ele tinha se envolvido, e que no dia da visita já o havia trocado por outro, não era assim uma Mussolini, mas sabia muito bem como pisar de salto alto num coração desavisado. O amigo não dormia mais, tinha mudado seus hábitos no bairro para não encontrá-la nas ruas e passava os dias a escrever cartas quilométricas em que tentava convencê-la de que ele era o homem da vida dela. Porque, na cabeça dele, ele já estava mais do que convencido disso.<br /><br />Depois que ele foi embora, o filme me voltou à cabeça com uma nitidez impressionante. Separados por 70 anos de história, meu amigo e a personagem Ida Dasler se reencontraram por uma tarde em minha casa. E deste encontro me sobrou uma lição: se o assunto é padecer por amor, os homens também conseguem ser muito bons nisso.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-63149798865322487212010-07-31T15:15:00.001-03:002010-07-31T15:15:58.189-03:00SustoFaz um tempinho, fui visitar minha mãe e a encontrei muito nervosa. Uma prima dela havia tentado o suicídio pouco antes de eu chegar. Alguns parentes tinham acorrido à casa dela, a prima. Como eram vizinhas, estranhei a ausência de ambulância ou qualquer outro veículo de socorro na rua. Perguntei como estava a prima e minha mãe respondeu que ela já estava se recuperando.<br /><br />Estranhei e pedi detalhes da história. Minha mãe contou que a prima, que estava enfrentando alguns quadros de depressão, tinha acordado especialmente triste naquela manhã. Mal saíra da cama. O marido dela foi trabalhar mas, por andar preocupado com o caso, resolveu dar uma passadinha em casa na hora do almoço. Encontrou a mulher desacordada, com uma garrafa de cerveja e um frasco de remédios, ambos vazios, em cima do criado-mudo. Assustado, ele chamou parentes e vizinhos e então começaram a reanimar a mulher. Em pouco tempo, ela acordou. Meio grogue, sem falar coisa com coisa. Deu um olhar de desprezo para toda aquela gente que enchia o quarto dela, virou de lado e voltou a dormir.<br /><br />Só então o marido foi examinar o frasco de remédio que a mulher havia mandado goela abaixo. Era homeopatia. Ela tomou uma garrafa de cerveja com 30 bolinhas de açúcar. Ao ser acordada pelo marido, devia estar somente bêbada e feliz. <br /><br />“E a senhora está tão nervosa por causa disso?”, perguntei. “É, desta vez foi homeopatia”, respondeu minha mãe. “Mas vá saber da próxima....”Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-73046444773947427432010-07-23T16:40:00.001-03:002010-07-23T16:42:09.961-03:00Reloginho"Meu problema é que eu nasci cedo demais, comecei tarde demais e agora não dá mais tempo"<br /><br />Do personagem Mamma Rose, no finalzinho do musical GypsySó no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-65162328509662699442010-07-21T19:28:00.002-03:002010-07-21T19:36:52.480-03:00Vapt-vuptSaí para almoçar com um amigo que eu não via fazia um tempinho. Ele me contou que, dia desses, conheceu uma garota enquanto ia para a padaria. Eles se cruzaram na rua e ela olhou com insistência para ele, o que o encorajou a pedir o número do telefone dela. Ela deu. Naquela mesma noite, ele lhe telefonou. Ela disse que morava ali no bairro, e que ele estava convidado a visitá-la na mesma hora. Ele foi. Rolou.<br /><br />Depois desse primeiro encontro, ele foi lá outras vezes. Na última vez em que a visitou, ele estava voltando da padaria. E ele terminou seu relato com a seguinte frase, na minha opinião já histórica. "Eu ando tão pouco romântico, mas tão pouco romântico que, saindo da padaria, eu passei na casa dela, fiz o que tinha de fazer e, ao chegar em casa, o pão ainda estava quentinho".Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-81175922725251024712010-07-21T19:27:00.000-03:002010-07-21T19:28:41.410-03:00O Itaú me dá uma saudade do UnibancoSe é que é possível se gostar de um banco, confesso aqui que gostava muito do Unibanco. Não só gostava, sinto uma imensa saudade . Eu achava o Unibanco um banco simpático por várias razões. Em primeiro lugar, por ele patrocinar um dos cinemas mais bacanas da cidade, o meu predileto não apenas pela programação, mas por que ali eu pagava meia...algo que, nos dias atuais, tem de ser levado muito em consideração. Em segundo lugar, porque as agências do Unibanco que eu freqüentava, na Rua Heitor Penteado e na avenida Paulista, não tinham aquela pavorosa porta eletrônica e eu nunca fui obrigado a deixar meu cinto, meu celular e minhas moedinhas naquela gavetinha para poder entrar na agência. Em terceiro lugar, porque raramente estas agências tinham fila (vai ver que é por isso que elas foram fechadas). E, finalmente, porque tudo o que eu não conseguia resolver pela internet, eu conseguia resolver pelo telefone. Os gerentes me conheciam e confiavam em mim.<br /><br />Em dezembro do ano passado, uma gerente do Unibanco me ligou para dizer que minha conta estava sendo migrada para o Itaú, onde eu encontraria o mesmo nível de atendimento que desfrutava no Unibanco. Melhor dizendo, minhas duas contas, uma como pessoa física e outra como pessoa jurídica. Acho que ninguém precisa ser um expert em serviço bancário para concluir que é muito mais fácil centralizar estas duas contas em uma mesma agência, não é? Pois o Itaú não pensa assim. Eles transferiram minha conta de pessoa física para uma agência e a de pessoa jurídica para outra. Quando fiquei sabendo disso, logo pensei: vai dar merda. Não deu outra.<br /><br />Somente agora, depois de seis meses sendo cliente do Itaú, consegui um cartão da conta da pessoa jurídica para poder transferir meu dinheirinho para a conta de pessoa física. Até então, passei seis meses indo até uma papelaria a três quadras da minha casa para passar um fax solicitando a transferência. Isso mesmo: fax, no século 21. Claro que na maioria das vezes, o número do fax estava ocupado, e eu tinha de voltar mais tarde. Teve uma segunda-feira em que consegui passar o fax na quarta tentativa. Comecei às dez da manhã e só consegui às três da tarde. Eu não acreditava em mim mesmo, subindo e descendo o dia inteiro com um fax nas mãos.<br /><br />As agências do Itaú vivem lotadas. Tentar falar com um gerente pelo telefone é um teste de paciência que nem um budista aguenta. E, claro, eles têm porta eletrônica e a gente só entra no banco se estiver praticamente pelado. <br /><br />Sei que este post é o mais chato que eu já escrevi na vida. Mas ele tem um motivo: fiquei sabendo que, pelo segundo ano consecutivo, o Itaú lidera a lista de reclamações no Procon no setor bancário. Esta é minha humilde contribuição para descer a lenha neste banco chato.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com10tag:blogger.com,1999:blog-2455730819023338282.post-16006550087336600542010-07-15T20:08:00.001-03:002010-07-15T20:08:43.875-03:00Um pequeno grande filmeÉ raro de acontecer, mas às vezes acontece. Você leva para casa um filme do qual nunca ouviu falar, só porque conhece um ou dois atores do elenco e não havia nada mais interessante à disposição. Está uma noite fria e chuvosa, a novela das oito já acabou e você não tem a mínima vontade de tirar o carro da garagem nem para ir ao aniversário da própria mãe. Está com preguiça de ligar para os amigos, já cansou de ficar na frente do computador e então, ao olhar de lado, vê esquecido num canto o tal filme para o qual você já torceu o nariz. Bom, não custa dar uma olhadinha de dez minutos, você pensa. E coloca o filme no DVD sem imaginar que está prestes a experimentar a uma hora e meia mais bacana dos últimos dias.<br /><br />O filme em questão é Eu e Orson Welles, do diretor Richard Linklater, o que para mim não quis dizer muita coisa, pois sou péssimo para guardar nomes de diretor. Fui pesquisar e vi que ele já tinha feito Antes do Pôr-do-Sol e O Homem Duplo. Talvez eu esteja sendo otimista demais, mas, na minha opinião, trata-se do pequeno grande filme mais simpático do ano. É a história de um estudante nova-iorquino de 17 anos, ator e músico promissor, que consegue de maneira insólita um papel na montagem de Júlio Cesar, de Shakespeare, que Orson Welles, então com pouco mais de 20 anos, está dirigindo no decadente teatro Mercury, em Nova York. <br /><br />Grande parte do filme transcorre durante os ensaios da peça – em que o gigantesco ego de Orson Welles pisoteia um time de atores tão esforçados quanto medrosos. Não fui adiante com a pesquisa, mas acredito que o filme é baseado em uma história real, tem todo o jeitão. Sedutor, mulherengo, arrogante e absurdamente talentoso, Welles é aquele cara que todos odeiam, mas de quem querem ficar perto porque sabem que alguma coisa muito boa ele tem para ensinar. Às vésperas da estreia do espetáculo, tensos e inseguros, os personagens de Welles e do jovem ator ainda encontram tempo para se apaixonar pela mesma mulher, a belíssima Sonja, secretária do teatro vivida pela atriz Claire Danes, que por sua vez está muito mais interessada em conhecer o poderosíssimo David O. Selznick, que está fechando o elenco para as filmagens de ...E O Vento Levou.<br /><br />Para quem curte cinema, teatro e literatura, o filme é tão bacana quanto um happy hour ao lado de amigos queridos. Não tem assim a força de uma baladona, mas a gente volta para casa muito mais feliz.Só no bloghttp://www.blogger.com/profile/12120145273549051338noreply@blogger.com0