terça-feira, julho 24, 2012

Uma outra avenida


Esta semana eu confessei (e, neste caso, confessar é mesmo o verbo mais indicado a ser usado) que nunca vi a novela Avenida Brasil. O post gerou uma série de comentários bem-humorados entre aqueles que compartilham comigo da ignorância sobre a novela e os que não perdem um único passo de Carminha, Tufão e Nina. Estes três personagens, ao menos, eu conheço. Como também conheço os atores que os interpretam. Além disso, sei que se trata de uma bem arquitetada trama de vingança, que existe um lixão e que parece haver um cuidado especial em retratar a nova classe C – alguns espectadores dizem que tal retrato se dá à perfeição; outros se incomodam com a quantidade de estereótipos com os quais os emergentes são contemplados. E é tudo que sei de Avenida Brasil. E já está bom.
Não sei se faço coisas muito melhores no horário em que quase todos os amigos que conheço estão vendo a novela. Desconfio que não. Vejo o noticiário da Globonews e da Cultura,  janto, leio alguma coisa, termino de trabalhar, vou ao cinema quando dá, ao teatro também quando dá, assisto a um filme em DVD, fico esparramado no sofá olhando para o teto com os dois gatinhos do lado, que insistem em enxergar coisas no ar que eu não enxergo, ou deixo minha atenção passear por programas da tevê aberta, de qualidade inegavelmente inferior à trama das nove. Em resumo, nada que faça de mim um bobinho com pretensões intelectuais ou alguém que nutre um desprezo atávico pelos folhetins. Ou pior ainda: alguém com a arrogância de afirmar que  não vê novela por se acreditar superior ao assunto.
Alguém poderia perguntar, então, por que raios eu não vejo Avenida Brasil, se aparentemente não encontrei um substituto tão irresistível no horário. A resposta é simples: eu não consigo. Sou incapaz. Me faz mal. Fisicamente mal. Nem sempre foi assim. Houve um tempo em que eu diria não a qualquer convite que me afastasse da tevê na hora de uma boa novela. Mas fui percebendo, trama após trama, que tal hábito estava se revelando nocivo, maléfico, indesejável. O diagnóstico é simples: eu adquiri uma intolerância à figura do vilão. Só por isso e mais nada.
Assumo esta minha deficiência esta incontornável fraqueza: não sou mais capaz de passar meses e meses da minha vida, noite após noite, assistindo a alguém que não sabe fazer nada além de tramar mortes, assassinatos, sequestro de crianças, chantagens, ataques físicos, humilhações, achaques, torturas, abandonos, traições, adultérios, puxadas de tapete, desrespeito, assédio moral e sexual, negligência, espancamentos, ferimentos físicos e maldades e vinganças e maldades e vinganças e maldades e vinganças. E não me interessa se tudo isso tenha raiz na Bíblia, em Shakespeare ou Tarantino. E não me interessa se isso é tratado em linguagem de cinema, em cores delirantes ou em ritmo de montanha-russa. Alguém também poderia argumentar: mas esta é a vida. Concordo: mas não é a vida que eu quero que entre em minha casa com a minha autorização. Esta é a vida que, infelizmente, nos espera na rua – eu não preciso convidá-la para a minha sala de estar.
Virei uma mocinha do século 19, que desmaia diante de uma notícia ruim? Quem sabe. Quanto mais bem construída e complexa for a figura do vilão – e, ao que me consta, a tal Carminha já virou um personagem histórico – maior a ameaça que ela me representa à serenidade que eu resolvi buscar. Por isso mesmo, maior minha aversão a ela. Admiro e me envolvo com a figura do vilão em um bom filme, numa boa peça de teatro ou em outro tipo de espetáculo em que o demoníaco se revelará a mim durante no máximo duas horas. Não preciso da companhia dele por oito meses.
No lugar do vilão que não sossega enquanto não exterminar tudo aquilo de que não gosta (é impressionante como os vilões são incapazes de conviver com o diferente) eu prefiro ter em minha companhia o povo mais desarmado do Two and a Half Man e do Big Bang Theory, os meus programinhas de entrevistas e culinária, alguns livros de vez em quanto, um filminho, um amigo que não vai querer me enterrar vivo ou meus dois gatos ronronando na minha barriga – enquanto eu olho para o teto sem saber direito o que eu quero da vida. Mas sabendo, mais ou menos e ainda que tardiamente, o que eu não quero.