sexta-feira, junho 29, 2007

A tristeza de Gabriel que é também a nossa tristeza

A foto do garoto Gabriel, de sete anos, assistindo ao enterro dos seus pais, em Recife, publicada hoje em todos os jornais de São Paulo, já é forte candidata ao título de uma das imagens mais tristes do ano. Na noite de terça-feira, em uma das ruas mais movimentadas do bairro do Morumbi, Gabriel viu seus pais serem mortos a tiros por alguns adolescentes que continuam foragidos. Segundo os jornais, após os tiros o garoto teria descido do carro e gritado por socorro, sozinho, no meio da rua. Imagino o quanto de Gabriel também morreu naquela noite. O menino mal reage e agora passa horas em silêncio absoluto - um quadro que estamos acostumados a ver em adultos submetidos a traumas absurdamente brutais. Não é preciso ser psicólogo ou psiquiatra para saber que o garoto jamais será o mesmo e que os tiros que vitimaram seus pais, naquela noite, mataram também sua infância, sua adolescência e seguirão como um eco em seus ouvidos pelo resto de sua vida. Não é justo.

Não temos mais tempo para digerir a violência e tentar entender suas causas. Um dia, lemos nos jornais que um garoto é arrastado até a morte preso à porta de um carro, no outro, uma empregada doméstica é espancada por garotos de classe média, no outro vemos a imagem de um menino no enterro dos pais, no outro conchavos políticos para que a corrupção se perpetue no país... Depois ficamos pensando de onde vem a nossa tristeza, de onde vem esta melancolia que insiste em nos perseguir mesmo quando nossa vida está aparentemente em ordem, de onde vem esta sensação de que a qualquer momento seremos despejados deste mundo em que vivemos e de onde vem, principalmente, este desejo animalesco de fazer justiça a qualquer custo - ou ao menos de ver a justiça sendo feito de alguma maneira.

Outro dia, ouvi de um amigo, enquanto tomava um chope num bar do Itaim: se alguém fizesse com a minha mãe ou com a minha irmã o que fizeram com aquela empregada no Rio, eu não descansaria enquanto não encontrasse e matasse o agressor. Na hora, senti que não estava mais no badalado Itaim, e sim em algum ponto do velho oeste dos filmes americanos, em que a justiça tinha de ser feita com as próprias mãos. É uma idéia apavorante esta, a de que os séculos de civilização falharam e que alguém que não seja a polícia ou a justiça precise sair por aí à cata dos assassinos e transgressores da lei. Mas no fundo da alma, em algum recôndito absolutamente escuro e primitivo, naquele ponto em que somos metade humanos e metade macacos, é justamente este o desejo que prevalece - o de provocar o sofrimento naqueles que causam dores irreparáveis nos outros. É claro, para o bem da humanidade, que esta sensação dura pouco e voltamos imediatamente a acreditar no poder constituído, no direito de defesa, nos julgamentos justos, nas punições merecidas e no entendimento entre os homens. Mas hoje, ao abrir os jornais e ver a dor impressa no rosto do pequeno Gabriel, me deu uma vontade incontrolável de provocar a mesma dor no rosto daqueles que mataram seus pais. Depois passa, depois voltamos a pensar que os adolescentes que mataram seus pais não tiveram estudo, não tiveram oportunidades, não tiveram família constituída, não tiveram isso e aquilo. A gente entende tudo isso. Mas por cinco minutos, por cinco minutos apenas, eu adoraria que eles sentissem a mesma dor que vai acompanhar para sempre o pequeno Gabriel. E fodam-se a prudência e a justiça: que a merda caia também na cabeça deles. Por todo o sempre.

terça-feira, junho 26, 2007

Pessoas

Quinta-feira à noite, no metrô, a caminho do Teatro Municipal para ver o ensaio aberto da ópera A Italiana em Argel, dirigida pelo parlapatão Hugo Possolo. Na estação Consolação, duas garotas entram no vagão e vêm sentar-se ao meu lado. A conversa entre elas já estava adiantada.
- Eu acho que ele é gay, sim - disse uma delas, a mais morena.
- Todo mundo acha, aliás, todo mundo já sabe - respondeu a outra.
- Menos ele - disse a primeira. - É uma pena, ele está com 16 anos e perdendo tanta coisa boa da vida. Se ele assumisse que é gay, todo mundo ficaria do lado dele, não ficaria?
Silêncio.
- Ficaria, sim - continuou a garota. - Se ele me dissesse que é gay, eu ia ajudar ele a arranjar namorado, ia apresentar um carinha pra ele. Você não ia?
Silêncio
E assim, divididas, elas desceram na Estação Brigadeiro.

Domingo à noite, no teatro, à espera do início do espetáculo Garota Glamour, que já estava com 15 minutos de atraso. Duas senhorinhas, bem vestidas e penteadas, jóias discretas nas mãos e um batom delicado nos lábios.
- O RPG da Mariza é muito melhor que o meu, disse a que usava um terninho xadrez.
- Eu pensei que vocês fizessem no mesmo lugar - respondeu a de paletó florido.
- Não, a Mariza faz em outro lugar - esclareceu a primeira. - Quando ela começou, estava com 69 quilos, e agora está com 62. O RPG da Mariza tem muito mais exercícios que o meu. Ela usa bola, elástico, eu não uso nada. A barriga dela sumiu. Tudo na Mariza está no lugar.
- Mas a Mariza tem uma dor na coxa que não passa. Ela me contou isso.
- Não é na coxa, é no joelho. Ela está fazendo muitos exercícios de coxa para fortalecer o joelho. O problema da Mariza é que ela não toma remédio nenhum. Ela só passa arnica. Eu digo para ela que arnica demora 250 anos para fazer efeito e que é melhor tomar logo um Tylenol.
- É... Sua mão não fica ressecada no frio?
- Fica. Mas o lábio fica mais. Eu vou passar batom e ele está todo rachado.
Terceiro sinal. O espetáculo começa.

Laranja mecânica

É compreensível que os pais estejam dispostos a fazer qualquer coisa - e a falar qualquer coisa também - para proteger os filhos, ainda que estes estejam inegavelmente errados. Ainda assim, a declaraçao do pai de um dos jovens acusados de espancar uma empregada doméstica num ponto de ônibus na Barra da Tijuca, no Rio, é de provocar calafrios. Ele disse que o filho não poderia ser preso, por se tratar de um garoto com boa formação, bom caráter, endereço fixo, anos de estudo nas costas, situação financeira estável, família constituída e, quem sabe até, apartamento com vista para o mar. Caso fosse preso, o garotão seria misturado à escória da sociedade brasileira, aqueles criminosos de procedência desconhecida, uns pardos sem pedigree e seguramente monoglotas. Não foram estes os termos exatos que ele usou, mas a idéia não está muito distante. Até na hora da punição para um crime revoltante, os garotos de classe média alta, moradores da zona sul do Rio, deveriam receber um tratamento diferenciado.

Trata-se, é claro, de uma declaração absurda, mas não fora de propósito. O pai somente espera que seu filho receba o mesmo tipo de justiça que impera no País, um direito mais do que justo. Jurisprudência é que não falta neste caso: criminoso rico aguarda tudo em liberdade, os pobres que vão para o xadrez. Depois de ler todos os predicados do rapaz, a gente fica pensando numa coisa: mas não é exatamente seu currículo que deveria afastá-lo da delinquência? Sua formação, sua família e seu poder aquisitivo não deveriam ter funcionado como uma reserva moral que o impedisse de cometer tamanha atrocidade? Se nada disso funcionou, é certo que a cadeia também não vai funcionar. Mas, ao menos por enquanto, ela desponta como o endereço mais adequado para os próximos anos do rapaz.

sexta-feira, junho 22, 2007

Tudo por um final feliz

Há várias semanas que uma idéia não me sai da cabeça. Sinto uma imensa vontade de convidar, para uma mesa de bar, gente como Aimar Labaki, Alcides Nogueira, Gero Camilo, Ivam Cabral, Alberto Guzik, Marta Góes, Marici Salomão e tantos outros amigos queridos que passam, como eu, grande parte da vida tentando encontrar explicações, justificativas e arremates lógicos para as histórias que criam. Então, quando todos estivessem devidamente acomodados e bem servidos de cervejas geladas, seria lançada a seguinte questão: e se, a partir de agora, nossas peças, cenas, novelas, artigos e crônicas não precisassem mais fazer sentido nenhum? E se nossa escrita se aproximasse de uma maneira tão assustadora da realidade que não seria mais necessário escolher entre vilões e mocinhos, entre o bem e o mal, entre a lógica e o absurdo, entre o previsível e a estupefação? E se, quando o garçom trouxesse a conta, passássemos a nos sentir liberados de qualquer responsabilidade de sermos - ou ao menos tentarmos ser - justos e inteligíveis em nossa produção?

Esta idéia me persegue porque, a cada dia que se passa neste País, a vida e a ordem parecem fazer menos sentido. Então, como já aprendemos a aceitar este descalabro que tomou conta da realidade, vamos buscar todo e qualquer sentido na ficção - já que a vida real nos presenteia com uma banana diária. Nos nossos filmes, nas nossas peças e romances, nos nossos curtas e nos nossos artigos, cada personagem deve ser um exemplo de coerência e bom senso, cada frase deve ser milimetricamente dissecada em nome do entendimento, cada situação tem de ser arquitetonicamente estável para que a estrutura inteira não venha abaixo. E, nos momentos finais, tudo deve ser absolutamente claro e transparente: a ficção tem de amarrar habilidosamente cada fio solto, ou sairemos do teatro dizendo que não vimos coisa com coisa, quer perdemos o nosso tempo e o nosso dinheiro. Que o autor foi incapaz de colocar ordem em seu pequeno mundo - e isso nos desagradou profundamente. Saímos tão irritados de uma obra que não se mostrou conclusiva que nos esquecemos que, na manhã seguinte, os jornais vão nos trazer dezenas de histórias injustas e anárquicas - mas a vida pode se dar ao luxo de ser caótica e revoltante; a nossa ficção, não. Temos de passar a nossa existência produtiva atrás de soluções para os enigmas que nós próprios criamos - e não nos damos conta de que a vida não está nem aí para as nossas questões. E muito menos tem a obrigação de se mostrar justa - ainda que todos os culpados já tenham sido descobertos e revelados.

Antes de deixarmos esta hipopética mesa de bar, todos seríamos informados de que haveria um dever de casa a ser feito: seríamos obrigados a criar uma história que tem como cenário um país imaginário, governado por um presidente que nunca soube de nada, nem que seus filhos e seu irmão mais velho possam estar envolvidos em operações pouco éticas. O presidente do Senado deste país imaginário teria suas contas pagas por empreiteiros, os aeroportos deste país viveriam num caos, e as estradas não seriam melhores, pois nelas haveria o risco de tiros, assaltos e bloqueios. Seria difícil criar uma trama doméstica para este presidente, pois o País nunca ouviu a voz de sua mulher - e existem dúvidas se ela realmente continua viva, ou se um dia foi. Este país estaria entre os dez mais ricos do mundo, mas suas crianças viveriam esmolando e esfomeadas pelas ruas das grandes cidades. Uma grande floresta neste país, que poderia ser a maior do mundo, sumiria um pouco a cada dia, pois até os índios deste país ajudariam os madeireiros ilegais que jamais seriam presos. Este país teria a maior carga tributária do mundo, mas não oferecia hospitais e escolas decentes para a população. Neste país, presidentes da OAB e ex-ministros não encontrariam nenhum impedimento ético de defender quem quer que fosse - afinal todos os moradores deste país imaginário teriam direito a uma defesa- que seria proporcional aos seus rendimentos. Neste país...neste país...neste país...

Aimar, Tide, Ivam, Guzik, Gero, Marta e Marici: se vocês aceitarem o desafio, por favor, criem um final feliz para esta história, vai. A gente tá precisando tanto. Lembram de quando a gente se sentia feliz e vingado no capítulo final da novela - quando os vilões eram presos ou mortos e todos os personagens do bem acabavam numa grande festa de casamento? Então, a gente adoraria um final assim.

quarta-feira, junho 20, 2007

Eu quero ver Mônica Veloso de tailleur

Leio que a jornalista Mônica Veloso, pivô do escândalo que envolve o senador Renan Calheiros, está sendo assediada pela revista Playboy para posar nua. Torço para que ela não aceite. Não por qualquer questão moral - cada um que faça o que bem entender com suas xoxotas e pingolins. Torço para que ela não aceite porque, neste momento, quem precisa aparecer completamente nu são os fatos e não os envolvidos neles. Por maior que seja nossa tradição cultural de resolver alguns assuntos com as partes à mostra, seria bacana se a nudez revelada agora fosse a das notas fiscais aparentemente frias emitidas pelo senador, fossem os seus débitos com a Receita Federal, fosse a verdade sobre o valor dos seus bois superfaturados em tempos de febre aftosa, fossem seus cheques de mesmo número e valores distintos, fosse a conduta ética daqueles que o defendem no senado e lutam por sua permanência na presidência da casa.

Há tanta coisa que precisa vir abaixo neste país antes da calcinha e do sutiã de Mônica Veloso. Não se pode exigir que uma revista como a Playboy, neste momento, tenha algum freio ético - talvez seria demais esperar que seus editores, na reunião de pauta, dissessem assim: pô, vamos deixar esta mulher de lado, a nudez dela não é o que mais importa para o País neste momento. Há tantas outras mulheres cuja nudez acalentaria os sonhos masculinos sem interferir no rumo das discussões que podem trazer a público um pouco dos bastidores do Senado. Mas, com o perdão pelo excesso de vulgaridade que estou prestes a cometer, nas reuniões de pauta das revistas masculinas a cabeça que pensa é a de baixo. Novamente aqui não vai qualquer juízo moral - são as entranhas do jornalismo, atividade que tem de sobreviver do oportunismo como quase todas as outras. Mônica é a mulher da vez e, por ser jovem e bela, é natural que sua candidatura tenha sido lembrada pela revista.

Tenho alguns amigos, machistas de plantão, que condenam Mônica Veloso desde o primeiro momento. Acham que ela é oportunista, voluntariosa, chantagista e tudo o mais que se pode dizer a respeito de uma mulher disposta a usar a maternidade para extrair recursos financeiros abusivos do pai da criança. Eu nunca concordei com isso. EStou, a princípio, ao lado de Mônica e de toda e qualquer pessoa neste país que possa dizer alguma coisa séria e relevante contra a nossa classe política. Se Mônica é oportunista, ora, o que dizer dos políticos a quem ela acusa? Se ela faz chantagens para obter proveitos em benefício próprio, caramba, quem não faz isso em Brasília? Não acho que a vida deve se resumir a uma equação tão simples quanto a do olho por olho, não é isso. Mas, em casos de guerra, às vezes somos obrigados a usar as mesmas armas do inimigo. A exemplo dos amigos que desde o primeiro momento não acreditam na honestidade de Mônica, eu não acredito na honestidade dos políticos a quem ela acusa. Nos últimos anos, infelizmente virei um radical neste sentido: se existe qualquer suspeita contra um político, seja ele quem for, eu já acredito em sua culpa. Pode ser uma conduta deplorável, mas ela não surgiu à toa.

Para ficar em paz com minha consciência neste caso, resolvi simplificar a questão. Mônica Veloso nunca me deu, até hoje, nenhum motivo para que eu desconfiasse dela. Já não posso dizer o mesmo dos políticos. Assim, quem merece meu voto de confiança é ela. Pronto, simples assim. Playboy, deixem a mulher sossegada neste momento. Quando tudo isso estiver solucionado, se é que um dia vai estar, daí vocês despem a moça em paz - mas ainda neste dia vou torcer para que ela não aceite. Eu não gostaria, mesmo, de dar o braço a torcer para os amigos que desde o início dizem que ela é apenas mais uma que não quer largar o osso. E lanço aqui uma sugestão: por que alguma revista não convida o Vavá pra posar pelado? Escândalo por escândalo, o irmão do presidente é um peixe bem maior que Mônica. E seu cachê, se levarmos em consideração a pobreza de suas negociatas, deve ser bem baratinho.

sábado, junho 16, 2007

Programa de domingo


Eu já disse neste blog, há algumas semanas, que não gosto muito de usar este espaço para falar de mim mesmo - embora cada linha que a gente escreve, aqui ou em qualquer outro lugar, acaba sempre falando de nós mesmos. Mas hoje vou abrir uma exceção para falar sobre duas coisas que dizem respeito diretamente a mim - mas que podem, e devem, ser compartilhadas com vocês.
A primeira é a exibição pelo programa Direções, da Tevê Cultura, do teleteatro O Encontro das Águas, às 21h. Tive a idéia de escrever este texto durante uma viagem a São Luís, no Maranhão, em 2002. Certa manhã eu resolvi tomar um táxi para visitar o centro velho da cidade - meu hotel situava-se na parte mais nova da capital, numa praia ao lado da fortaleza de um quarteirão habitada pela família Sarney. Quando o táxi cruzou uma ponte, olhei para baixo e praticamente não vi água. Perguntei para o motorista qual era a necessidade de uma ponte tão grande sobre um rio praticamente seco. O rio está seco agora, ele me respondeu. No final da tarde, quando a maré tiver subido, a água vai bater na estrutura da ponte, completou. Não deu outra: quando voltei ao hotel, perto das seis da tarde, o rio tinha se tornado assustadoramente vivo.

Fiquei com aquela imagem na cabeça e, com o tempo, percebi que tinha nas mãos a gênese de uma história. A história de um rapaz que, num desses dias em que a gente acha que não vale muito a pena continuar, chega à ponte assediado pela idéia do suicídio. Porém, ao olhar para o rio, vê que não existe água ali. Se sua intenção é a de realmente saltar, terá de esperar algumas horas até que o rio possa livrá-lo de um mergulho seco. Só que antes de a maré subir, surge em cena a figura estranha e a seu modo angelical de um outro homem, que irá questionar cada uma das suas idéias até a beira da exaustão. E é assim, entre diálogos e a subida da maré, que transcorre toda a ação de O Encontro das Águas.

A peça estreou em 2004, com os atores José Roberto Jardim e Pedro Henrique Moutinho sendo dirigidos pelo Alberto Guzik. Hoje, os personagens que eles viveram, Apolônio e Marcelo, surgirão na tevê com outros rostos - os rostos de Marat Descartes e Luciano Schwab (na foto). A direção é do sempre competente Sérgio Ferrara. Como todo mundo que um dia se envolveu com este projeto, estou muito curioso para ver como uma história concebida no pequeno palco dos Satyros vai se adaptar ao cenário realista da televisão.

E a segunda coisa é que a Revista da Folha publica, também neste domingo, uma reportagem de grande criatividade e ternura: o repórter Gustavo Fioratti recolheu desenhos feitos por clientes em mesas dos botecos da cidade e pediu para que cinco dramaturgos escrevessem pequenas histórias baseadas naqueles rabiscos urbanos. Duas das histórias são minhas. Ou seja, hoje promete ser um daqueles domingos de pouco tédio e muita emoção. Podiam ser todos assim.

quinta-feira, junho 14, 2007

Karen Carpenter... parece que foi only yesterday.


Quando eu tinha 14 anos e cursava o primeiro colegial, não se ouvia falar em anorexia e Karen Carpenter (na fotinha aí ao lado) ainda era viva. Talvez algumas pessoas hoje se perguntem: Karen quem? Ora, a vocalista dos Carpenters, caramba! Acho que no fundo todos os meninos daquela época tinham uma paixãozinha secreta pela Karen Carpenter - embora fosse mais bacana dizer que a gente curtia o Pink Floyd, os Rolling Stones e todo aquele pessoal que dizia fazer um tal de rock progressivo. Me lembro que meu irmão e uma amiga de colégio só queriam saber de ouvir o Supertramp. Mas no fundo eu sei que, às escondidas, a gente cantarolava emocionado aquelas canções românticas que ela gravou ao lado do irmão Richard. Do Richard eu nunca gostei muito - eu sempre achei que ele pegava carona no talento e no carisma da irmã. Afinal, para nós, os Carpenters eram, acima de tudo, a voz aveludada de Karen e suas baquetas que extraíam um som extremamente comportado da bateria. Uma mulher bateristanos anos 70! Que delícia de feminismo...

Não era muito legal gostar dos Carpenters. Naqueles anos, o mundo - ou pelo menos o mundo que eu conhecia - se dividia entre os mais saidinhos, que curtiam rock, e aqueles mais engajados, que só ouviam a MPB de protesto. Eu confesso, hoje de joelhos, que não entendia muito bem as canções do Chico Buarque e do Caetano Veloso, e ainda achava a voz da Elis Regina ardida e estridente demais - ainda mais se comparada com aquele pudim caseiro de leite condensado que era a voz da Karen Carpenter, a delícia das delícias. Depois a gente cresce, passa a entender melhor o Chico Buarque, e descobre numa bela madrugada de solidão que a Elis tinha a melhor voz do planeta. Mas não faz mal. Aquela fase dos Carpenters fica lá, guardadinha em algum lugar que, uma hora ou outra, a gente resolve visitar para ouvir Only Yesterday, Close to You e Please, Mr. Postman.

Estou ouvindo Karen Carpenter exatamente neste momento, depois de anos sem colocar um CD dos Carpenters para girar. E a batida boazinha do grupo me trouxe uma recordação, por coincidência daquele primeiro colegial. Nas aulas de inglês, uma vez por semana nós devíamos apresentar uma música para a classe toda. O trabalho consistia no seguinte: tínhamos de escolher uma canção em inglês, traduzi-la, distribuir a letra original e a tradução para os outros alunos e, vexame dos vexames, levar uma vitrolinha para tocar a tal música - enquanto todos cantávamos juntos. Quando chegou o dia da minha apresentação, escolhi uma das canções mais curtinhas dos Carpenters, For All We Know. A professora de inglês, cujo nome já me esqueci, elogiou a escolha, dizendo que a cantora tinha uma boa pronúncia (!) e que música era bem fácil de ser acompanhada.

Compartilho, com vocês, a letra de For All We Know... E, depois de tantos anos sem ouvir a canção, eu me pergunto: o que será que eu pensava na época para ter escolhido exatamente esta música? Não faço a mínima idéia, mas acho que já devia haver algum romantismo na minha vidinha de estudante adolescente...

FOR ALL WE KNOW

Love, look at the two of us
Strangers in many ways
We've got a lifetime to share
So much to say
And as we go
From day to day
I'll feel you close to me
But time alone will tell
Let's take a lifetime to say
"I knew you well"
For only time will tell us so
And love may grow
For all we know.

Love, look at the two of us
Strangers in many ways
Let's take a lifetime to say
"I knew you well"
For only time will tell us so
And love may grow
For all we know.

terça-feira, junho 12, 2007

O céu é tão lindo e a noite é tão boa...

Acho que poucas coisas despertam mais a saudade da infância, principalmente para quem foi criado no interior, do que as festas juninas. Há muito tempo que não participo de uma delas, mas é muito comum que, nesta época, um fim de tarde qualquer nos surpreenda com um cheiro de fogueira, de pinhão cozido, o som distante de uma quadrilha (nada a ver com o cotidiano de Brasília) e, ainda mais raramente, com a imagem um garotinho cruzando a rua de chapéu de palha e um bigodinho de carvão desenhado pela mãe. Normalmente ele segue de cara amarrada, talvez se perguntando como aquela imagem ingênua e folclórica de um caipirinha ainda pode se encaixar entre os concretos desta cidade. Mas eu ainda acho mais comovente observá-los de jeca-tatu do que fantasiados de bruxas e gnomos de um halloween que não desce pela garganta de ninguém.

As festas juninas nunca foram um mistério para a minha infância porque, desde o início do ano, quando meu pai aparecia em casa com a folhinha ganha de brinde na farmácia ou no mercado, a gente já ficava sabendo direitinho quando seria o carnaval, a páscoa, o dia de São João. Mas o que movimentava mesmo a vida da molecada do bairro, ah, isso a folhinha não trazia. Eram as épocas. Provavelmente hoje chamaríamos de temporadas, mas na infância chamávamos de épocas...Época dos papagaios, de rodar o peão, dos carrinhos de rolimã, das bolinhas de gude, dos jogos de taco e outras brincadeiras das quais já devo ter me esquecido.

Até hoje, aquelas práticas sazonais ainda me deixam muito intrigado. Quem avisava os moleques do bairro que, em determinada manhã, todos deveriam correr à papelaria e comprar folhas de papel-manteiga e varinhas de bambu para fabricar papagaios na mesa da cozinha? Como todos sabiam que, num sábado qualquer, teríamos de sair às ruas com nossos saquinhos de bolinhas de gude cheios até a boca? Quem nos alertava sobre a importância fundamental de guardar as latinhas de massa de tomate porque, no dia seguinte, eles seriam convertidas em aparelhinhos de telefone ligados por um barbante branco? Era como se todos nós, os meninos da rua, obedecêssemos a um misterioso ciclo da natureza, o mesmo que obriga as cigarras a cantar, as formigas a trabalhar e as fêmeas a tosar o próprio pêlo com a boca para aninhar os filhotinhos que estão chegando.

Ninguém nos avisava de nada, mas cada moleque, no seu íntimo, sabia muito bem em que época do ano ele devia sair de casa já com as bolinhas, os papagaios, os carrinhos, os peões ou a lenha para as fogueiras na rua. Ninguém errava, ninguém descumpria aquele contrato firmado sabe-se lá com quem. O certo é que da mesma maneira que as épocas começavam subitamente, mais subitamente ainda elas desapareciam. Uma bela tarde, a gente voltava para casa e, novamente sem que ninguém nos instruísse, íamos silenciosamente guardar o papagaio no fundo de uma gaveta qualquer, pois no dia seguinte eles não riscariam mais o céu. A nova manhã traria as bolinhas, ou os carrinhos de rolimã ou as latinhas de massa de tomate. E era assim que os nossos dias e semanas eram contados, e era assim que a nossa infância corria, entre uma brincadeira e outra. E foi assim também que, em algum dia sem que ninguém mostrasse qual, as ruas amanheceram vazias. Nós, que durante anos inconscientemente combinamos todas as brincadeiras de infância, devemos ter concordado também que, na manhã do dia seguinte, já de alguma forma maduros, guardaríamos nossa infância dentro de uma gaveta qualquer e que, em função disso, sairíamos às ruas para outros compromissos que também traziam alguma coisa em comum: o poder de enviar cada um de nós para um canto diferente da vida. Para todo o sempre.

segunda-feira, junho 11, 2007

3,5 milhões na Parada. Mas isso é o de menos.

Os sites e as emissoras de tevê afirmam, neste final de noite de domingo, que a Parada do Orgulho Gay bateu um novo recorde: 3,5 milhões de pessoas teriam passado pela Paulista. E algumas delas ainda continuavam por lá, por volta da meia-noite, aprisionadas ou pelo excesso de álcool ou por uma singela tentativa de prolongar por mais alguns instantes aquela misteriosa euforia que invade uma avenida que na maior parte do ano se mostra cinza e sisuda. Se os cálculos dos organizadores e da Polícia Militar estiverem corretos, a parada acaba de bater um novo recorde de público, o que já não é mais novidade.

Embora os números sejam essenciais para desenhar as proporções gigantescas que a parada vem assumindo ano após ano, mais importante que eles, sem dúvida, é esta espécie de democracia social, racial e sexual que a parada parece promover. Dizem que no Rio a praia iguala os pobres e ricos. Aqui, ao que parece, esta nobre missão cabe à Parada do Orgulho Gay. Por uma única tarde durante o ano, o mais importante corredor financeiro do País se converte em um cenário de fábula de gente grande, um território onde aparentemente cabe quase tudo: dança, música, porre, beijo na boca, fantasias, carros de som que no lugar de anúncio de greves pulverizam a avenida com batidas eletrônicas, namoricos, paqueras, aplausos, vaias, sorrisos e uma infinidade de outras manifestações que em nada lembram o cotidiano de uma região movida por números, cifras e senhas. É como se a avenida tirasse férias de si mesma por um dia e fosse ela, a própria Paulista, a foliã mais animada entre os seus 3,5 milhões de convivas.

O grande barato da Parada é seu poder de implodir a tirania de um padrão estético que domina o mundo gay no resto do ano - um mundo em que só têm vez aqueles que não chegaram aos 30 anos e que exibem, nas etiquetas das roupas e na circunferência da barriguinha sarada, uma espécie de atestado de que seu tempo foi meticulosamente dividido entre as academias e as lojas da Oscar Freire. A parada é o momento em que as muitas gordurinhas de fora sacodem alegremente ao som de It's raining man, é o lugar em que as cuecas não precisam ser Calvin Klein, em que os dorsos masculinos não precisam lembrar cascos de tartaruga, em que os bonés podem ter sido financiados por um candidato a deputado estadual na eleição passada, em que pode haver falhas entre os dentes, em que ninguém precisa se comportar como se estivesse diante das lentes de uma Anne Leibovitz, em que, acima de tudo, cada um pode revelar, à luz do sol, tudo aquilo que a escuridão das casas noturnas insiste em ocultar o restante do ano.

Neste domingo, assim que o primeiro carro da parada começou a descer a Rua da Consolação, um sujeito obeso, fantasiado de índio, rodopiava solitário em um trecho ainda vazio na frente do Cine Belas Artes. Lembrava uma dança da chuva, ou uma pajelança... ou talvez um ritual que exorcizava, pelo menos por uma tarde, toda aquela pose que nos aprisiona o resto do ano. A dança do índio solitário surtiu efeito: os milhões que vieram atrás dele já estavam absolutamente libertos da aparência. Pelo menos até a manhã desta segunda-feira.

quinta-feira, junho 07, 2007

Um mundo sem Paris Hilton

Leio que a socialite Paris Hilton, presa por dirigir embriagada e sem a carteira de habilitação, foi libertada após passar somente três dias num xilindró de Los Angeles muito mais confortável e privativo que a moradia dos estudantes da USP, sob a alegação de que não estava se sentindo bem na cadeia. E desde quando cadeia é lugar para alguém se sentir bem? Paris, que afirma ter tido problemas respiratórios e muita depressão em sua primeira noite atrás das grades, foi posta em liberdade por orientação médica. Todo mundo sabe, no entanto, que o problema da garota é de outra ordem: ela deve ter adoecido seriamente quando notou que passaria 40 dias - era este o tempo da sentença - longe dos flashes, da badalação e dos escândalos previamente combinados para colocá-la diariamente nos noticiários do mundo inteiro. Paris Hilton, assim como Britney Spears, é vítima daquela dependência química de exibicionismo cujas crises de abstenção podem realmente levá-las à morte. E não há ironia nesta constatação: a doença parece ser fatal mesmo.

A soltura da garota me fez pensar em duas coisas. Primeiro, que estamos exportando tecnologia moral e ideológica para os Estados Unidos. Assim como aqui, agora lá os ricos também não vão para a cadeia. Ela vai passar o restante da pena em sua mansão, com uma tornozeleira que sinaliza todos os seus movimentos, acredito que do mesmo modelo daquela que ornamenta os pezinhos da bispa Sônia e seu marido Estevão. Esta sentença, tenho certeza, soaria como um presente dos deuses para uns 99% da população mundial: 40 dias numa mansão americana, com serviçais, piscina, visitas íntimas de toda ordem, bebida, noitadas, drogas, sexo and rock and roll. Tenho vontade de sair por aí com uma placa no pescoço: eu também quero ficar preso 40 dias numa mansão em Miami, como a bispa, ou em Los Angeles, como Paris Hilton. Ando tão cansado que esta pena teria gosto de spa para mim. A segunda coisa na qual pensei: não seria ótimo se a imprensa do mundo todo, num inesperado surto de inteligência, combinasse nunca mais dar nenhuma linha sobre Paris Hilton, Britney Spears e todos os seus genéricos lá e aqui? Elas podiam beber, bater em fotógrafos, sair sem calcinha, raspar a cabeça, dirigir embriagadas, se internar em clínicas de recuperação, casar num dia, descasar no seguinte, ter um filho atrás do outro, desmaiar em festas, trocar de namorado, fazer xixi em público e se drogar até estourar a aorta...e nada, nenhuma única linha em lugar nenhum do mundo. Nada de notinhas, nada de fotos, nada de chamadas nos sites da internet, apenas o maior e mais puro desprezo universal. Todo o planeta, de comum acordo, empenhado em ignorar as estripulias das duas e de todos os seus pares igualmente irrelevantes! Quantos vocês querem apostar que em uma semana elas se tornariam mocinhas do bem e, quem sabe, passassem até a fazer alguma coisa realmente proveitosa neste mundo? Nascidas e criadas na era pós-Madonna, elas não aprenderam a principal lição da mestra: a de que os escândalos sem uma dose de talento não têm graça nenhuma.

terça-feira, junho 05, 2007

Agora ou dispois

Leio segunda-feira na Internet e hoje, terça, nos jornais, que a estréia do quadro Paredão do Alemão, apresentado pelo fortão tatuado de cabelos eriçados que venceu a última edição do Big Brother Brasil, foi um dos maiores fiascos da programação da Globo. Segundo os jornais, o quadro, exibido no Fantástico, jogou os índices do ibope para o subsolo. Comemorei. Não por ele, o tal do Alemão, que como qualquer pessoa tem o desejo legítimo de trabalhar e, se possível, tentar escapar do anonimato. Comemorei porque, talvez resquício daquele pensamento de esquerda no qual fomos criados, o naufrágio do quadro representou a derrota de uma perniciosa filosofia global de querer transformar qualquer um em astro de ocasião. Alemão, pelo visto, não sabia fazer nada além de esticar o corpo ao sol e ser ora vítima, ora algoz, do festival de atrocidades que se tornou a matéria-prima daquele programinha no qual ele foi revelado. O auge do constrangimento do programa, de acordo com os jornais, se deu no momento em que ele disparou um "dispois" diante das câmeras.

Com 40 anos nas costas, a Rede Globo devia ter aprendido a mais básica das lições: a de que televisão, assim como o teatro e o cinema, não é para qualquer um. Como também não é a medicina, a odontologia, a engenharia e qualquer outra atividade do conhecimento humano que exija estudo, prática e, acima de tudo vocação. Do jardineiro que apara a grama dos parques ao cirurgião que esmiúça o cérebro humano, todos precisam de treinamento específico e muita habilidade. Por que seria diferente com a televisão? Por que alguém se safaria com dignidade diante das câmeras apenas por ter 32 dentes na boca e uma barriguinha cheia de gomos? Não funciona. E graças a Deus que não funciona, caso contrário estaríamos irremediavelmente perdidos. Existe ainda um escudo de bom-senso que, por mais que seja diariamente bombardeado, impede que uma quantidade ainda maior de sandices chegue até as nossas tevês. Claro que o bombardeio é tão intenso que muita coisa escapa, mas é prazeroso saber que alguns objetos estranhos, que atendiam por nomes como Sérgio Mallandro, João Kléber e mesmo Ratinho foram eletrocutados em algum momento. A última vítima, ao que parece, é o simplório Alemão.

Há mais ou menos três anos fiz uma longa entrevista com a atriz Regina Duarte, às vésperas da estréia do espetáculo Coração Bazar. A última pergunta que fiz, se ainda me lembro bem, abordava a chegada de tantos modelos nas novelas globais. "Não me preocupo com eles", respondeu a atriz. "Eles podem chegar aos montes. Mas só os bons irão sobreviver. Nós não precisamos nos preocupar com isso. Pode demorar um pouco, mas o tempo se encarrega direitinho de enterrar a falta de talento." Pode parecer cruel, mas alguém aí se lembra dos outros vencedores do Big Brother? Alguém sabe o que anda fazendo a cabeleireira Cida, o caubói, o Bam-Bam e aquele gay baiano metido a intelectual? Não tenho pena deles, sinceramente não. Tenho pena do que eles fazem com a gente durante quatro meses no ar. Que eles descansem em paz naquele lugar para onde, segundo Regina Duarte, o tempo os carregou. E que guardem um lugar quentinho para o Alemão, que daqui a pouco ou logo "dispois" irá para lá também.

domingo, junho 03, 2007

Me ensinem só o que eu já sei

Um dos meus passatempos no metrô é observar o que as pessoas andam lendo. Não resisto em entortar o pescoço, se for o caso, só para ver quais títulos são dignos de acompanhar seus donos para baixo e para cima. Acredito que as leituras no metrô são um termômetro do gosto popular mais confiável que as listas de best sellers publicadas pelos jornais e revistas. Se não são mais confiáveis, ao menos parecem mais divertidas. A primeira constatação é altamente otimista: as pessoas lêem muito sobre os trilhos. E desconfio que este hábito se estenderia também aos ônibus, não andassem eles tão apinhados. Difícil encontrar um vagão em que não haja ao menos um passageiro com os olhos entretidos nas páginas de um policial, um livro espírita, uma biografia, no jornalzinho distribuído gratuitamente na entrada das estações e, principalmente, num título de auto-ajuda. Durante o auge de O Código da Vinci cheguei a contar, no mesmo vagão, quatro passageiros muito mais obcecados em saber a localização do Santo Graal do que o nome da próxima estação. Parecia a cena de alguma gincana.

Mas esta semana, uma cena me deixou intrigado. Já era quase meia-noite quando peguei o metrô no sentido Vila Madalena. Dentro do vagão, um homem de terno e gravata, pouco mais de 30 anos, parecia travar uma árdua batalha contra o sono para avançar pelas páginas de um livro chamado Os 7 Hábitos Das Pessoas Altamente Eficazes, um desses títulos americanos que, acredito eu, prometem tornar mais fácil a escalada rumo ao topo do mundo dos negócios. Fiquei pensando muito no sujeito. Será que ele realmente encontrava algum prazer naquela leitura ou ela tinha sido recomendada por algum gerente de Recursos Humanos que acha chique conjugar os verbos no gerúndio? Será que no dia seguinte, na hora do almoço, ele comentaria com seus companheiros de trabalho quais lições havia tirado da leitura? Será que sua produção no emprego melhorava à medida que ele se aproximava do final do livro?

Não resisti e fui pesquisar o título na Internet. Entre os sete hábitos das tais pessoas altamente eficazes estão: ser produtivo (ué, mas se a gente já é produtivo, o que mais o livro pode nos ensinar?), renovar-se sempre, comunicar-se empaticamente e utilizar a criatividade. Quando cheguei a este último tópico, resolvi parar a pesquisa. Tudo me pareceu tão óbvio e tão completamente já introjetado em nossa noção de sociedade competitiva que não senti vontade de avançar. Outro dia, dentro de uma livraria, resolvi dar uma espiada num manual que ensinava os pais a lidar com os filhos adolescentes. O autor é um médico renomado, pediatra se não me engano, que deve andar fazendo fortuna com este tipo de literatura. Fui direto ao capítulo que mostrava como os pais deveriam proceder quando os adolescentes queriam dormir fora de casa. Primeiro mandamento, ensinava o autor: pergunte ao adolescente onde ele pretende dormir e, se possível, obtenha o telefone deste lugar. Santo Deus: será que alguém que já criou um fiilho até chegar à adolescência ainda não aprendeu isso? Os mandamentos seguintes pareciam de uma obviedade tamanha que, caso eu tivesse comprado o tal livro, bateria com a cabeça na parede como punição por ter sido tão estúpido.

E descobri, depois de dar uma olhadinha num título aqui, uma espiadinha num outro título ali, quais são os segredos para emplacar um sucesso neste nicho da literatura: jamais assuste o seu leitor. E não revele a ele nada que ele já não conheça ou não tenha descoberto sozinho. Diga tudo o que ele já sabe e o ensine a fazer tudo aquilo que ele já aprendeu. Quem compra livro de auto-ajuda, desconfio eu, não quer aprender absolutamente nada de novo e muito menos ser desafiado em suas crenças. Quer gastar 40 reais pelo prazer de poder dizer, do alto de sua sabedoria de vida, quando vencer o último parágrafo da obra: viu só como eu estava certo!

sexta-feira, junho 01, 2007

16 perguntas à procura de uma resposta

1) Por que capotamos de sono no sofá e, quando chegamos à cama, a três passos dali, não conseguimos mais dormir?

2) Por que, no banco ou no supermercado, a nossa fila é a que demora mais para andar?

3) Por que os motoboys buzinam tanto nas ruas de São Paulo?

4) Por que as pessoas ligam para o nosso celular e não deixam recado, obrigando-nos a ligar de volta só para saber quem ligou?

5) Por que alguns restaurantes self-service cobram 10% de taxa de serviço se não apareceu ninguém para servir a gente?

6) Por que as mães telefonam tanto se quase nunca elas têm alguma coisa para falar?

7) Por que o trânsito fica todo parado e, de repente, começa a andar na esquina seguinte, sem que tenha havido um acidente ou qualquer outra coisa para explicar o congestionamento?

8) Por que no cinema, no meio de 400 poltronas, nos sentamos naquela bem ao lado do casal que vai conversar o filme inteiro?

9) Por que a mulher com criança no colo vem sentar-se justamente no banco ao lado do nosso, no ônibus ou no avião?

10) Por que quando ficamos apaixonados por um par de sapato a vendedora diz que na loja não tem mais no nosso número?

11) Por que alguns compromissos inadiáveis são marcados bem na hora do nosso rodízio?

12) Por que, sempre que levamos um pé na bunda, ouvimos da outra pessoa que nós somos sujeitos ótimos e que o problema está nelas?

13) Por que marcamos um jantarzinho em casa sempre na véspera da vinda da faxineira, deixamos a pia cheia de louça e, na manhã seguinte, ela liga dizendo que não vem?

14) Por que o Brasil está ficando cada vez mais a cara do Clodovil (ou vice-versa)?

15) Por que o corregedor do Senado, Romeu Tuma, já disse que vai inocentar Renan Calheiros antes mesmo de ler a primeira xerox do holerite do cara?

16) Por que as duas últimas perguntas são tão chatas?