sexta-feira, junho 29, 2007

A tristeza de Gabriel que é também a nossa tristeza

A foto do garoto Gabriel, de sete anos, assistindo ao enterro dos seus pais, em Recife, publicada hoje em todos os jornais de São Paulo, já é forte candidata ao título de uma das imagens mais tristes do ano. Na noite de terça-feira, em uma das ruas mais movimentadas do bairro do Morumbi, Gabriel viu seus pais serem mortos a tiros por alguns adolescentes que continuam foragidos. Segundo os jornais, após os tiros o garoto teria descido do carro e gritado por socorro, sozinho, no meio da rua. Imagino o quanto de Gabriel também morreu naquela noite. O menino mal reage e agora passa horas em silêncio absoluto - um quadro que estamos acostumados a ver em adultos submetidos a traumas absurdamente brutais. Não é preciso ser psicólogo ou psiquiatra para saber que o garoto jamais será o mesmo e que os tiros que vitimaram seus pais, naquela noite, mataram também sua infância, sua adolescência e seguirão como um eco em seus ouvidos pelo resto de sua vida. Não é justo.

Não temos mais tempo para digerir a violência e tentar entender suas causas. Um dia, lemos nos jornais que um garoto é arrastado até a morte preso à porta de um carro, no outro, uma empregada doméstica é espancada por garotos de classe média, no outro vemos a imagem de um menino no enterro dos pais, no outro conchavos políticos para que a corrupção se perpetue no país... Depois ficamos pensando de onde vem a nossa tristeza, de onde vem esta melancolia que insiste em nos perseguir mesmo quando nossa vida está aparentemente em ordem, de onde vem esta sensação de que a qualquer momento seremos despejados deste mundo em que vivemos e de onde vem, principalmente, este desejo animalesco de fazer justiça a qualquer custo - ou ao menos de ver a justiça sendo feito de alguma maneira.

Outro dia, ouvi de um amigo, enquanto tomava um chope num bar do Itaim: se alguém fizesse com a minha mãe ou com a minha irmã o que fizeram com aquela empregada no Rio, eu não descansaria enquanto não encontrasse e matasse o agressor. Na hora, senti que não estava mais no badalado Itaim, e sim em algum ponto do velho oeste dos filmes americanos, em que a justiça tinha de ser feita com as próprias mãos. É uma idéia apavorante esta, a de que os séculos de civilização falharam e que alguém que não seja a polícia ou a justiça precise sair por aí à cata dos assassinos e transgressores da lei. Mas no fundo da alma, em algum recôndito absolutamente escuro e primitivo, naquele ponto em que somos metade humanos e metade macacos, é justamente este o desejo que prevalece - o de provocar o sofrimento naqueles que causam dores irreparáveis nos outros. É claro, para o bem da humanidade, que esta sensação dura pouco e voltamos imediatamente a acreditar no poder constituído, no direito de defesa, nos julgamentos justos, nas punições merecidas e no entendimento entre os homens. Mas hoje, ao abrir os jornais e ver a dor impressa no rosto do pequeno Gabriel, me deu uma vontade incontrolável de provocar a mesma dor no rosto daqueles que mataram seus pais. Depois passa, depois voltamos a pensar que os adolescentes que mataram seus pais não tiveram estudo, não tiveram oportunidades, não tiveram família constituída, não tiveram isso e aquilo. A gente entende tudo isso. Mas por cinco minutos, por cinco minutos apenas, eu adoraria que eles sentissem a mesma dor que vai acompanhar para sempre o pequeno Gabriel. E fodam-se a prudência e a justiça: que a merda caia também na cabeça deles. Por todo o sempre.

7 comentários:

Unknown disse...

A Justiça como instituição precisa existir,ser humana e implacável,para funcionar como contra-modelo às relações bárbaras.Mas para certos danos,não há reparo possível nessa vida.Se esse menino não morrer de depressão erá um milagre,como morrem dezenas de meninos nas favelas que têm seus pais assassinados diante dos seus olhos todos os dias,mas não viram notícia.Beijos,querido.

Só no blog disse...

Patrícia, querida. Você está certíssima. Infelizmente, a gente chegou num tempo em que comemora quando consegue voltar vivo para casa, não é? São tempos difíceis mesmo. O que podemos fazer com crianças como o Gabriel, e com todas as outras das favelas que você tão bem apontou? Sinceramente, não sei. E isso dá uma tristeza grande. Beijão

flávia coelho disse...

Vc tem toda razão. Eu não li essa notícia do Gabriel, e evitei a da doméstica por alguns dias. É difícil continuar nossa vidinha com tudo isso acontecendo ao redor, tem horas que não aguento e dou uma fugida. E me pergunto: o que fazer?

Valmir Junior disse...

Essa bestialidade é inerente. Não existem fronteiras certas. Quem sabe o que aconteceria se meu pai e minha mãe fossem mortos na minha frente? Eu, provavelmente, correria sem descansar atrás desses. Sem descansar. Concordo com seu amigo. Entretanto, ainda é melhor para quem não sofre diretamente com o que ocorreu, pensar que o Cosmos tem a sua maneira de corrigir os rumos das coisas. Ontem, mataram um pai e uma mãe. Mas amanhã, os próprios filhos deles poderão matá-los.

Ricardo Moreno disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Cara, voce se supera (positivamente) a cada novo texto. Parabens.

alberto disse...

e eu concordo em gênero, número e grau com o ricardo moreno.