sábado, setembro 04, 2010

Salgado

Tarde dessas, saindo de um trabalho em Higienópolis, eu descobri a felicidade disfarçada de coxinha de frango na padaria Barcelona. Havia muito que eu não comia uma coxinha. No ano passado, impaciente com minha falta de empenho em reduzir meus níveis de colesterol, meu médico me obrigou a cumprir uma dieta restritiva que expulsou do meu cardápio várias coisas que me deixavam feliz: coxinhas, empadinhas, sorvete, linguiça, doces, chocolates e tantas outras que, a bem da verdade, conseguimos passar sem, mas a vida fica um pouco mais sem graça longe delas.

Brinquei com o médico que a gente estava vivendo tempos comedidos demais. Ele, sorrindo, concordou, afirmando temer que, dentro de alguns anos, no andar desta carruagem em que o prazer está se tornando quase que algo nocivo, a gente levantaria de manhã, tomaria um copo de água, depois um antidepressivo, uma folha de alface na hora do almoço e o remédio para baixar o colesterol antes de dormir. Exageros à parte, depois da morte do amigo Alberto Guzik eu tenho pensado muito nesta equação perversa que parece eliminar a felicidade da fórmula da longevidade.

Calma lá, sei que fui a extremos. Bem por isso eu disse exageros à parte. Reconheço que não é assim tão difícil tentar ser saudável, praticar esportes, comer menos, dormir melhor e ficar longe do cigarro, do álcool, do sal, do açúcar, das frituras, do café, do pãozinho francês, da carne vermelha, do tomate com agrotóxico. Meu medo é que, preocupados em obedecer a todos estes quesitos, a gente se esqueça de ser viver de forma desencanada. Se esqueça de exagerar um pouco, de se entregar a um certo descompromisso que um dia a gente experimentou na vida e do qual agora anda fugindo a todo instante.

Aquela coxinha representou, para mim, o que as famosas madeleines devem ter representado para Marcel Proust – embora eu seja infinitamente menos talentoso para narrar a minha busca pelo tempo perdido. Mas, enquanto aquela casquinha crocante (maldita fritura!) derretia em minha boca, me lembrei de como já fui mais festeiro, de como eu costumava me entregar mais às festas, às baladas e a uma ou outra coisinha ilícita que rolava nestes lugares, de como eu precisava dormir menos e de como a gente era mais tranquilo em relação a tantas coisas que hoje ocupam tanto espaço no nosso dia.

Ainda retornando ao Guzik, outro dia eu brinquei, com um amigo comum, que talvez fosse editorialmente mais interessante mudar o nome do romance inédito que o Guzik nos deixou, Estátua de Sal de Sodoma. Eu disse para o amigo que com certeza as vendas seriam maiores se o livro passasse a se chamar Estátua Sem Sal de Sodoma – um título mais com a cara destes tempos em que a gente se preserva tanto, mas tanto que de vez em quando vem a pergunta: mas para quê? Não sei, talvez a gente queira viver mais e melhor, o que seria um anseio justo. Mas será que existe alguma lógica em querer viver mais e melhor num planeta que está cada vez menos hospitaleiro com a nossa espécie?

E, para terminar este post tão desanimado, digo aqui que acabo de ler na revista Veja uma matéria de seis páginas sobre as crueldades indescritíveis que cometemos contra os animais mundo afora apenas para que a nossa mesa seja farta de carnes cada vez mais suaves e sem músculos, de patês que deslizem cada vez com mais elegância sobre as nossas torradas importadas e de elixires que consigam o milagre de fazer o nosso pau subir quando todo o tesão do mundo já nos abandonou. E me deu uma tristeza tão grande de ser gente, tão profunda que, se eu não corresse o risco de ser internado, passaria a noite urrando e mordendo a canela de dor, como fazem os ursos da China a cada vez que perfuram seus abdomes para extrair a bile que os malditos chineses acreditam ser afrodisíaca.

Tem dias em que viver é muito triste e muito foda. Com ou sem sal.