segunda-feira, março 31, 2008

Uma hora com Antunes Filho

Entrevistei o diretor Antunes Filho a três dias da estréia de seu mais recente espetáculo, Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues, em cartaz no Teatro Sesc Anchieta. Durante exatamente uma hora ele falou sobre Nelson, sobre tragédia grega, sobre o curso de formação de platéias que pretende ministrar no segundo semestre e sobre sua incompatibilidade com parte da classe teatral. Seguem abaixo os principais tópicos da entrevista, transcritos em primeira pessoa.

NELSON ANCESTRAL

Esta peça (Senhora dos Afogados) trata do inconsciente coletivo, que são alguns impulsos ancestrais, algo que trazemos no DNA. Não sei se são coisas falsas ou não, mas são reais, todo ser humano tem. Os personagens de Nelson Rodrigues sofrem sempre a conseqüência dos arquétipos, estão sempre à mercê de coisas primordiais. Minha briga foi sempre a de tentar provar que estas características estão presentes em toda a obra do Nelson Rodrigues, e não somente em Senhora dos Afogados. Mesmo quando dizem que grande parte da obra do Nelson seja feita de comédia de costumes, eu insisto que por baixo de cada diálogo há muita coisa pululando. Todas as peças dele têm uma tendência à paranóia, ele escreve coisas que acompanham o ser humano desde os tempos das cavernas.

O APLAUSO CONSCIENTE

Eu faço peças para iniciados em teatro. O que falta é iniciar o público no teatro. No curso para espectadores que eu pretendo dar aqui no CPT, o público vai enxergar o que é um estereótipo, o que é um ator dramático, o que é um ator épico. O diretor tem de encontrar um vínculo para chegar ao entendimento com a platéia, e não mais deixá-la sufocada com cânticos, com cenários que correm e com a frescura dos atores. A palavra é fundamental, por meio da palavra é que se atinge a imaginação do espectador. Os atores e o diretor são apenas um meio, quem faz o espetáculo é cada espectador. Se nós realmente amamos o próximo e honramos a condição humana, temos de iniciar o público, e não usá-lo apenas como pão e circo, como gente que sai de casa só para aplaudir.

CRÍTICAS DA CLASSE

Eu enceno muitos autores brasileiros. Nelson Rodrigues, Jorge Andrade, Ariano Suassuna, quero fazer Lima Barreto. Por que eu faço isso? Desde que formei o CPT (Centro de Pesquisa Teatral, núcleo de formação de atores que Antunes Filho coordena no prédio do Sesc Anchieta) eu só fiz brasileiros e tragédia grega. O que eu quero dizer com isso? Quero dizer que faço peças para que o público entenda. Não estou fazendo para ser aplaudido. Embora eu seja muito criticado pela classe teatral, eu tenho um sentido de confraternização com o público. Eu também faço tudo pelos atores, eu morro pelos atores. Como é que a classe teatral pode falar coisas sobre mim se eu sou a pessoa que mais se entrega para os atores? Eu me dou inteiro para que eles possam trabalhar bem. Não tem ninguém no Brasil que faça mais pelos atores do que eu. Sei que falam do exagero da minha técnica, mas minha técnica é para que os atores se desenvolvam e sejam independentes, sejam algo na vida, e não dependentes de diretor. O ator não é objeto, e a platéia não é objeto. Não há quem lute mais por isso do que eu. Por que me criticam? É por que eu não freqüento os barzinhos noturnos?

FORA DO CLUBE

As pessoas dizem que eu sou ditador. Elas são loucas. Eu abro tudo, eu dou total liberdade para que os atores criem. De repente, todo mundo deu de falar em criação coletiva, e eu faço isso desde a década de 80. Por que o CPT é acusado de ser uma merda? É dor de cotovelo? Eu procuro dar tudo que eu posso. Eu abro o CPT e todos dizem que nós somos algo à parte. Somos à parte coisa nenhuma, nós estamos integrados. Eles é que não querem me aceitar, parte da classe teatral não me aceita como sócio.

VENENO NOTURNO


Muitas pessoas têm medo de mim, tenho certeza disso. Elas têm medo do meu conhecimento de teatro. Eu não devia conhecer teatro como eu conheço, e as pessoas não conhecem tão bem quanto eu. Então cria-se uma competição. É como se eu tivesse o cachorro mais bonito do bairro, então as pessoas querem colocar veneno à noite para meu cão morrer.

A CARTILHA DOS GREGOS

Eu fui montar tragédia grega porque ela só lida com os mitos, eu fui para os gregos também porque sempre ouvi que brasileiro não sabia fazer tragédia. Então eu quis resolver este problema, quis conhecer a técnica de fazer tragédia grega. Eu ainda não consegui plenamente, mas consegui uma parte. Eu acho que nós devemos conhecer para procurar fazer depois. A tragédia grega me enriqueceu, não sei em que, mas sei que estou muito mais rico depois de fazer a tragédia grega, bem, mal ou mais ou menos. Mas sei que criei esboços para o meu futuro.

TRAGÉDIA DA ESTERILIDADE


Eu acho que sempre intuí razoavelmente bem o Nelson Rodrigues, mesmo durante os anos que me mantive afastado de sua obra. Mas eu sempre tive medo de Senhora dos Afogados, pois ela pode se tornar enfadonha logo de cara. Há muitas coisas difíceis de serem resolvidas nesta peça, ela traz assuntos delicados de serem tocados. Talvez com os gregos eu tenha ganhado um pouco de coragem para poder enfrentar esta obra. Esta peça sempre foi um caroço na minha vida. Ela tem algo a ver com futebol, que é a frustração. Seu time vai, vai e, lá na frente, perde. Algo que nunca foi dito sobre esta peça é que ela representa a tragédia da esterilidade. Você faz, faz e não consegue. Quando você acredita que atingiu alguma coisa, ela se desfaz na sua mão. Esta peça mostra que todo o nosso esforço pode ser inútil.

domingo, março 30, 2008

Despachante emocional

Um dia desses, sem muito o que fazer, me peguei olhando a lista de aprovados no vestibular de uma dessas grandes universidades. O que me chamou a atenção não foi o nome dos calouros (acho que não tenho mais amigos em idade de vestibular), mas a quantidade de novos cursos que na minha época de faculdade ainda nem existiam. Cursos ligados à pesquisa genética, à internet, ao meio ambiente, à política externa e a outros tantos assuntos que vêm ganhando espaço nos últimos anos. Me lembrei do estranhamento que eu provocava nos amigos quando dizia que ia prestar vestibular para jornalismo, lá nos anos 80. Há 20 anos isso era um pouco exótico - hoje jornalismo é a coisa mais carne de vaca que existe.

Faço esta pequena introdução aqui porque, após ler aquele caderno de vestibulares, fiquei com um desejo imenso de ter encontrado ali, entre as novas profissões, algum curso do tipo despachante emocional. O título seria este mesmo, despachante, e não consultor, porque despachante parece resolver tudo um pouquinho mais rápido do que os consultores. O esquema funcionaria assim: a gente iria até o despachante emocional e levaria uma cópia do RG, outra do CIC, um comprovante de endereço (este detalhe é importante, porque alguns problemas têm a ver com o lugar em que a gente vive) e uma foto 3x4 com menos de um ano de validade - não precisa estar de paletó. Junto com todos estes documentos, a gente entregaria um relatório especificando, no máximo em 20 linhas, qual é o grande caroço que está parado na nossa garganta. Pode ser um amor não correspondido, uma dúvida sobre trocar ou não de emprego, uma questão existencial, um dilema se a gente deve ligar para aquele amigo com quem a gente anda meio brigado, enfim, qualquer coisa - desde que seja cabeluda o suficiente pra gente ter muita vontade de tirar da frente. Um daqueles problemas que, diante do impasse, a gente chega a desejar muito que houvesse alguém para resolver tudo pra gente - e que esta resolução, em pouco tempo, se mostraria a coisa mais acertada que a gente poderia ter feito. Ou seja, um trabalho para o despachante emocional.

E então, dali a três dias, a gente voltaria ao escritório dele. Ou seria melhor chamar de consultório? E ele, ao nos ver no balcão, abriria um sorriso nos lábios e diria sim: "seu problema já está resolvido. Deu um pouco de trabalho, mas está tudo certo". E então, num relatório também de 20 linhas, com carimbo do cartório e firma reconhecida (neste época de falsos profetas, é sempre bom a gente se precaver), estaria tudo lá, tim-tim por tim-tim, os passos que a gente deveria tomar para resolver o problema e voltar a ser feliz. Ele ainda nos daria um tapinha nas costas, diria que estaria sempre ali para qualquer emergência e que a gente só precisava, agora, acertar ali no caixa. Ele aceitaria cheques, cartão de crédito e rede shop. Como a gente deve ter uma cara mais ou menos honesta, ele ainda parcelaria em três vezes sem juros...

No caminho de casa, já sem aquele peso nas costas, a gente tomaria um sorvete, prestaria atenção em várias coisas belas nas quais a gente nunca repara, não reclamaria do trânsito e nem da bateria do celular que acabou justo agora, e ainda começaria a desconfiar, assim de leve, que a vida vale muito a pena... E, só por precaução, já que estes momentos muito felizes têm a mania de ir embora logo, a gente olharia no bolso para se certificar de que o cartão do despachante emocional estava bem guardadinho ali...

domingo, março 23, 2008

Popeye com palmito


Acabo de ler um pequeno grande livro, Profanações, do filósofo italiano Giorgio Agamben. Pequeno porque Agamben disse o que tinha a dizer, pelo menos até o momento, em apenas 83 páginas. Grande porque Profanações, em sua aparente simplicidade, revela-se uma daquelas obras que não vão nos deixar em paz tão cedo - talvez nunca. Sei que, mais tarde, em outros momentos da minha vida, quando meus olhos seguramente estarão vendo o mundo já de outra forma, terei de voltar a alguns trechos do livro, aos capítulos em que ele discorre sobre o desejo, sobre a magia e felicidade e, principalmente, sobre o papel do autor diante da obra. Quando se der este retorno, espero estar preparado para compreender um pouco mais do que compreendi até agora.

Profanações parece se adaptar bem a vários tipos de definição: você pode chegar ao livro com os olhos de alguém interessado em filosofia, ou com a curiosidade de ver em ação um dos ensaístas mais afiados do momento, ou ainda com a inocência de quem enxerga no livro algo como cem gramas de chocolate Godiva - que você saboreia aos poucos, disciplinando-se para que ele não termine tão cedo. Talvez esta comporação deixasse qualquer autor irado, é compreensível. Mas acho que ser comparado a um chocolate fino, tanto pelo prazer que ele nos oferece no momento quanto por aquele que nos reserva no futuro, deve ser o sonho de qualquer livro.

No capítulo sobre Magia e Felicidade, por exemplo, Agamben diz que "é provável que a invencível tristeza que às vezes toma conta das crianças nasça precisamente da consciência de que elas não são capazes da magia". Li e reli esta frase diversas vezes, até que ela, prosaicamente talvez, me trouxe à lembrança um destes episódios da infância que eu já julgava perdido. Quando eu tinha uns cinco anos, eu assisti encantado a um episódio do desenho Popeye na televisão. Tudo me parecia muito esquisito: aquele cachimbo que nunca abandonava a boca prognata do marinheiro, a magreza da Olivia Palito, a disputa de Popeye e Brutus por uma mocinha tão desengonçada e de voz tão estridente... Até que, no meio de uma briga qualquer, Popeye recorre a sua lata de espinafre para se transformar num herói cheio de bíceps, coragem e determinação. Aquilo sim foi magia.

Corri até a cozinha e pedi para que minha mãe abrisse uma lata de espinafre. Ela me disse que nunca tinha ouvido falar em espinafre em lata. De tanto que eu insisti, ela abriu uma lata de palmitos e me deu o mais encorpado e macio. Comi o palmito rapidamente, amarrei uma toalha de banho nas costas, subi no muro que separava minha casa do vizinho Paulinho e, sem pensar duas vezes, pulei de uma altura de quase dois metros, confiando nos meus poderes recém-adquiridos de super-herói. Torci o pé e voltei para a sala mancando, com uma tristeza e uma frustração que, décadas depois, o livro Profanações fez a gentileza de ressuscitar.

* Não descobri Giorgio Agamben sozinho. O mérito do livro Profanações ter chegado às minhas mãos vai todo para um amigo mais que querido, que também nunca tinha ouvido falar em espinafre em lata.

terça-feira, março 18, 2008

Este Valdir não vale nada, credo.

Uma hora dessas ainda vou levar uns sopapos no metrô por minha mania de ficar prestando atenção na conversa dos outros. Sei que é uma prática deselegante e invasiva, mas não consigo evitar. Embarco com livros, revistas e até o jornal do dia ainda não lido, mas é tudo inútil. Basta eu ouvir alguém perguntando para o acompanhante algo do tipo, sabe o que me aconteceu hoje?, que não há notícia quente, palavras cruzadas ou o último capítulo de um belo romance que segurem mais minha atenção. Minha cabeça irá se voltar para o canto de onde partiu a pergunta, vou aguçar meus ouvidos como um felino na hora da caça e os olhos vão crescer como os de uma coruja em noite sem lua. A partir deste momento, não existe nada mais importante no mundo a não ser saber o que de tão especial, ou de tão banal, aconteceu na vida daquele estranho tão bem-vindo.

Aprendi algumas coisas nestas observações indiscretas. A primeira delas é que os homens conversam menos e seus diálogos têm muitas e intermináveis pausas. É como se eles discutissem alguma questão de física quântica, que exigisse um raciocínio elaboradíssimo antes de cada resposta, quando, na verdade, um só perguntou para o outro se no dia seguinte é o dia do seu rodízio. Parei de prestar atenção na conversa dos homens, elas me ensinam poucas coisas e só reforçam uma antiga idéia de que o mundo masculino anda bem chatinho. Mas quando as portas do metrô se abrem e entra um grupo de mulheres, ah... a redenção. Se elas estão de uniforme, então, o prazer virá redobrado, pois sei que, assim que se acomodarem, vão dar início ao assunto que eu mais gosto na vida: conversas de repartição.

Por isso é ótimo pegar o metrô por volta das seis ou seis e meia da tarde. Assim que o trem pára na estação Consolação elas começam a subir e eu já rezo para que dêem início imediatamente à conversa - já que temos pouco mais de cinco minutos até a estação Paraíso, onde todos nós vamos descer. E não há nada mais triste no mundo do que desembarcar sem conhecer o final de uma boa história.

Semana passada três moças de uniforme azul-marinho deram de falar de um tal de Valdir, o chefe delas, é claro. Um carrasco, este Valdir. Nunca o vi na vida, mas se for verdade tudo aquilo que andam falando dele no metrô, ele é um sujeitinho desprezível. O Valdir faz intrigas, joga uma funcionária contra a outra, promove uma moça incompetente no lugar daquela funcionária dedicada e, ainda por cima, adora tirar o corpo fora quando algo dá realmente errado, deixando a bomba estourar nas mãos de suas subalternas. Alguém da repartição criou no Orkut uma comunidade contra o Valdir e, já que as moças não podem fazer nada contra ele no mundo real, elas andam se divertindo muito ao ver as mazelas do Valdir expostas no espaço virtual. O chato é que elas perderam o tempo entre duas estações só divagando sobre quem teria criado a tal comunidade, enquanto eu, agoniado, tinha vontade de gritar no vagão: isso não importa, falem mais do que o Valdir anda fazendo...

Agora, quando vejo que a cidade está parada em virtude dos seis milhões de carros que entopem nossas ruas, surge em mim uma pontinha de excitação. Hoje vai ter gente nova no metrô, penso eu. Uma categoria que rende uma conversa um pouco enfadonha, mas relaxante, é a de jovens mamães, sempre interessadas em saber se o filho da outra come mais, dorme melhor e é mais bonzinho que seus próprios rebentos. Um dia, juro por tudo que é mais sagrado, havia duas mulheres com bebês de colo. Daí uma perguntou para a outra: é seu primeiro filho? A outra respondeu assim: não, eu já tenho um de dois anos. Mas aquele lá é bem melhor do que este aqui. Este aqui não tem caráter... Coitadinho do bebê, não devia ter mais do que quatro meses de idade e já estava sendo difamado em público. Estudantes de cursinho também falam muito, mas quase sempre das mesmas coisas: quem anda azarando quem e qual professor tem exagerado no ritmo. A coisa mais chata é quando alguém senta ao nosso lado e dorme. Quanto tempo perdido....

Mas das centenas de conversinhas que eu vou roubando sem pudor algum, a minha predileta continua sendo a que ouvi numa agência do correio que funcionava na rua Heitor Penteado. Era a semana do Natal e as filas estavam imensas. Duas atendentes silenciosas tentavam dar conta de tantos clientes, tantos selos e tantos carimbos. Até que uma delas, a mais gordinha, parou tudo por alguns segundos, olhou para a companheira e disse: "Eu estava aqui pensando....". Imediatamente a outra parou o que estava fazendo para ouvir. Estiquei o pescoço e me preparei para a pérola da semana que se anunciava. "Sabe o que eu resolvi fazer? Eu vou comprar um carnê do Baú da Felicidade só para mim. Vou mesmo". Dito isto, as duas voltaram a se ocupar das cartas e sedex e não disseram mais nada por um bom tempo. E eu voltei para casa feliz da vida por ter, mais uma vez, a confirmação de que não é nos livros ou no cinema, mas no nosso cotidiano tão miudinho, que brotam as revelações e os acontecimentos mais deliciosos deste mundo.

segunda-feira, março 17, 2008

Nuvens

Nas minhas férias de 2001 resolvi conhecer o Maranhão. O pacote incluía três dias na capital, São Luís e, se não me engano, cinco ou seis na região dos Lençóis. No dia de viajar para Barreirinha, cidadezinha aos pés dos Lençóis, a agência de turismo apresentou duas opções: ou seis horas de ônibus, por uma estrada mal sinalizada e esburacada, ou quarenta minutos de avião. Optei por esta última. Quando cheguei ao aeroporto, tive vontade de perguntar, na hora, se ainda era possível voltar atrás. O aviãozinho que nos levaria era um monomotor desses com jeito de parque de diversão, que o piloto, e isso não é brincadeira, o empurrava pela pista como se empurra um carro que ficou sem bateria.

Embarquei na companhia de mais três passageiros. Como eu era o mais alto, o piloto pediu para que eu me sentasse ao seu lado, numa espécie de cabininha, para que eu pudesse, inclusive, ajudá-lo a verificar o travamento das portas. Nossa decolagem atrasou uns dez minutos, porque um grupo de urubus resolveu dar uns rasantes pela pista. Hoje eu encaixo esta experiência em algum lugar entre o medo mais profundo e a excitação mais juvenil. O aviãozinho subia e descia a cada golpe de vento, jogava para os lados como se fosse um barquinho a vela e tinha a mesma estabilidade de um bêbado tentando atravessar a rua.

Quando estávamos a uns dez minutos dos Lençóis, surgiu uma nuvem preta no nosso horizonte, dessas que indicam tempestade e põem medo até em quem está com os pés no chão, imaginem em nós. O piloto disse que baixaríamos um pouco, mas não havia jeito de evitar a nuvem. Entraríamos nela em poucos segundos. Respiramos fundo e encaramos. Houve sacolejos, trepidações e, acredito, muito pavor entre eu e meus três companheiros de vôo. Um ou dois minutos depois, ao sairmos da nuvem, fomos presenteados com uma das paisagens mais exuberantes que este país tem a oferecer: aquela quantidade enorme de lagoas naturais, verdes e azuis, a transformar as dunas dos lençóis num cenário de sonhos.

Ainda hoje, quando uma dessas nuvens muito negras e muito pesadas aparecem no meu caminho, eu tento me lembrar daquela nuvem que descortinou a paisagem dos Lençóis diante dos meus olhos. Infelizmente, nem sempre o que surge depois destas nuvens de agora, tão carregadas e tão negras como aquela do passado, são mais lagoas coloridas. E, mais infelizmente ainda, hoje eu preciso de muito mais do que um ou dois minutos para encontrar o caminho de saída de todo este breu. Mudei eu ou mudaram as nuvens?

Um dos três passageiros a bordo era o querido Alberto Guzik. Talvez ele também se lembre daquela nuvem negra. E talvez, como nós todos, precise respirar fundo e acreditar que o aviãozinho da nossa vida pode estar nos levando para algum lugar bonito.

sábado, março 15, 2008

Milagres da periferia

Sábado de chuva, dia de tentar arrumar um pouco a casa. Janelas embaçadas, recibos de contas pagas há muito tempo, um telefonema para retornar e, de repente, um velho CD como que salta de uma gaveta emperrada. Daqueles que a gente não sabe se já o julgava perdido ou nem mesmo se um dia ele havia sido nosso. Paro tudo e coloco a faixa dois para tocar. Compartilho este pequeno milagre com vocês - uma velha canção de João Bosco e Aldir Blanc.

Violeta de Belfort Roxo

Vivia entre bordados
Pensativa
Violeta
A branca adolescente
De raro encanto e mão frias
Mão fria, coração quente
Quem te botou quebranto
Vivia triste no canto
Passando as contas do terço

São José tirando a barba
Me lembra alguém que eu conheço

Um dia um menino cego
Tocou Violeta e viu
E depois o surdo ouviu
Chagas sumiram, curou-se o coxo
Por obra e graça
De santa Violeta de Belfort Roxo

E, milagre dos milagres,
Sem jamais haver provado
O leito nupcial
Violeta deu à luz
O bebê de vitral
em meio ao "É hoje só"
Da terça de carnaval

O alentado rebento
Vai se chamar Juvenal
Por sinal o mesmo nome
De um sargento do local

quinta-feira, março 13, 2008

Como os nossos pais - na falta de um título melhor

A velhice tem trazido algumas novas manias ao meu pai. Não seria nem um pouco elegante descrevê-las aqui, o máximo que posso dizer é que, em sua maioria, elas não me agradam. E é justamente por isso que este assunto me dá medo: penso quanto tempo será necessário para que eu as incorpore, principalmente as mais odiosas, ao meu próprio repertório de manias. Porque assim tem sido a vida inteira: tudo aquilo que criticamos em nossos pais um dia se transforma no nosso próprio padrão de comportamento - e sem a revisão e a modernização que, era de se esperar, o tempo iria promover. Agimos, hoje, quase que da mesma maneira que nossos pais agiam em nossa infância, por mais que tenhamos nos afastado deles, por mais que tenhamos desprezado esta estranha herança e, o que é o mais triste de tudo, por mais que tenhamos dedicado a nossa vida inteira a sermos diferentes do que eles foram. Há algo neste labirinto genético que parece nos perseguir, com o poder de uma maldição suave e sinuosa, um canto de sereia que em algum momento vai arrastar o nosso barco para o mesmo rochedo no qual eles arrebentaram os deles.

Se eu tivesse nascido mulher será que também teria, com o passar do tempo, aprendido a identificar em mim todo o repertório de gestos, emoções e reações que um dia pertencera à minha mãe? Minhas amigas mulheres afirmam que sim. E pior: dizem que com as mulheres este inevitável caminho costuma ser ainda mais pedregoso, já que até o design da mãe elas acabam assumindo com o tempo. Acredito que com os homens não seja diferente. Minha maneira de atender o telefone está se tornando parecida com a do meu pai, a maneira como eu peço para o frentista encher o tanque do meu carro já traz a mesma entonação que um dia eu ouvi dele, o jeito de me dirigir aos estranhos me faz lembrar do jeito como ele sempre se dirigiu aos estanhos; a calma na hora em que deveria ser de explosão; a explosão quando tudo deveria estar calmo... e aquele sujeito que eu vejo no espelho, que continua sendo eu, mas que às vezes, num flagrante dolorido, me surpreende com a imagem que é a dele. Eu amo e admiro o meu pai e a distância serve apenas para reforçar isso, mas nunca esteve nos meus planos me tornar igual a ele e nem assumir para mim o que ele teve de mais nobre ou mais mesquinho na vida. Eu continuo em busca da minha própria nobreza e da minha própria mesquinhez, mas cada vez que cruzo com uma delas, às vezes mais com a segunda do que com a primeira, elas me falam com a voz do meu pai.

Há alguns anos eu tive a chance de conviver por algum tempo com o ator Gianfrancesco Guarnieri, enquanto escrevia sua biografia para a Coleção Aplauso da Imprensa Oficial. De tudo que o Guarnieri me ensinou, sobre vida e teatro, nada me calou tão fundo quanto seu conceito de paternidade. "Ter filhos", ele me disse, "é uma chance que a vida nos dá de corrigirmos os nossos próprios erros. Se eles, os nossos filhos, acertarem, nossos erros terão sido parcialmente perdoados". Por não ter filhos, talvez eu nunca venha a sentir com o coração isso que o Guarnieri me disse. No dia, me lembro bem, senti com as lágrimas. Os filhos talvez pudessem ensinar este caminho do coração, não sei...

Escrevo tudo isso a propósito de uma das cenas mais arrebatadoras que o cinema nos trouxe nos últimos tempos. Ela aparece no finalzinho do filme Na Natureza Selvagem, de Sean Penn, quando um velho que perdera a mulher e o filho num acidente de trânsito, implora para que o jovem personagem vivido por Emile Hirsch aceite ser adotado, se não como filho, ao menos como neto. "Quando eu morrer, tudo vai acabar se você não aceitar este meu apelo". Foi o mais pungente pedido de imortalidade que alguém já fez no cinema. O rapaz, mais interessado em uma viagem ao Alasca, adia a decisão para quando voltar do gelo, condenando o velho ao esquecimento que um dia também nos atingirá a todos....

Me parece justo, talvez covarde ou confortavelmente justo, que nós ainda vivamos nos corpos, nas mentes e na mais ínfima atitude dos nossos pais. O que me assusta um pouco, às vezes, é o quanto deles continuará vivendo em nós, para todo o sempre.

terça-feira, março 11, 2008

Até que a morte os separe

Tenho a maior curiosidade em saber o que vai pela cabeça das mulheres que ficam ao lado de seus maridos políticos quando estes, flagrados pulando a cerca, sentem-se obrigados a vir a público se desculpar. É algo que vira e mexe acontece. Esta semana aconteceu de novo. A imprensa descobriu que o governador de Nova York, Eliot Spitzer, passou a noite do Dia dos Namorados ao lado de uma prostituta num dos hotéis mais exclusivos de Washington. Hoje ele apareceu, arrependido, em todos os jornais. Ao seu lado, lembrando uma Jennifer Aniston a quem o tempo mostrou-se cruel, a mulher dele, Silda, manteve-se olímpica enquanto o marido purgava seus pecados em público. Fico imaginando que argumentos ele teria empregado para convencê-la a subir neste desconfortável palanque. Seria algo do tipo:

ELE: Querida, eu fui pego transando com uma prostituta em Washington e agora preciso me desculpar perante a opinião pública. Você vem comigo?

ELA: Mas é claro, querido. Acha que eu iria deixá-lo sozinho numa hora dessas? O que você acha que eu devo usar?

ELE: Ah, escolhe você. Você sabe que eu nunca fui bom para escolher roupas. Mas acho que deve ser algo sóbrio, uma cor bem neutra, afinal é uma ocasião muito triste.

ELA: Será que eu devo falar alguma coisa também? Eu não pensei em nada. O que a gente fala nessas horas?

ELE: Eu acho que eles não vão perguntar nada a você. Mas, caso perguntem, você pode dizer, han...você pode dizer que perdoa este meu momento de fraqueza e que, em nome do nosso casamento e dos nossos filhos, decidiu passar uma borracha em tudo isso.

ELA: Mas querido, nós não temos filhos.

ELE: Pôxa, é verdade... Os filhos fazem uma falta numa hora dessas, né?

ELA: Você vai dizer que o sexo comigo jã não era grande coisa?

ELE: Mas é claro que não.

ELA: Você quer que eu diga, então?

ELE: Você está louca? Os eleitores perdoam um homem que pula a cerca, mas não toleram alguém que confesse que não come a própria mulher.

ELA: O que você acha deste colarzinho? Eu acho chique e discreto ao mesmo tempo. Eu não quero aparecer muito caída em público, ou vão dizer que você estava certo quando procurou aquela puta.

ELE: Você sabe que no fundo é de você que eu gosto. Aquilo foi...foi...um deslize. Mas na hora H era em você que eu estava pensando.

ELA: Quanto ela cobrou?

ELE: Mil dólares a hora.

ELA: Você é muito perdulário, querido. Isto eu não perdôo. Você sabe que uma boa puta aqui em Nova York não sai por mais de 300 dólares. Estes seus gastos desnecessários sempre me irritaram, sempre.

ELE: Eu fiquei só meia hora com ela, querida. Quinhentinho.

ELA: Eu acho que vou dizer que estamos atravessando uma crise. De todas as minhas amigas da faculdade, eu sou a única que ainda continua casada. E ainda por cima com o mesmo homem... Ai, ai, me ajuda a fechar o zíper aqui atrás.

ELE: Você não acha este seu vestido um pouco justo demais?

Entra o assessor

ASSESSOR: Governador, a imprensa já está à espera do senhor.

ELE: Ok, George. Diga-lhes que já estamos indo. EStá pronta, querida?

ELA: Só um batonzinho e já podemos descer. Querido, como ela se chamava?

ELE: Ela quem?

ELA: A prostituta.

ELE: Nossa, juro que não me lembro.

ELA: Não mesmo?

ELE: Te juro, não lembro mesmo.

ELA: Que bom que você já a esqueceu tão depressa, querido... Estou pronta, vamos?

ELE: Vamos. Querida, eu te amo.

ELA: Agora não é hora dessas coisas... Vamos logo....

sexta-feira, março 07, 2008

Sobre gatos e um gato*

Tenho dois gatos e me pergunto quase diariamente se eles são felizes. Não que falte alguma coisa a eles, alguma coisa que se pode comprar num pet shop, eu quero dizer. Mas eu os observo muito, na tentativa de descobrir o que mais eu posso lher oferecer além de um prato de ração, água da torneira (eles não tomam água na vasilha, de jeito nenhum) e um banheirinho de areia limpo todas as manhãs. Observar gatos, isso eu garanto, acalma mais do que repetir um mantra ou brincar com um jardim japonês. Em primeiro lugar, porque os gatos dormem mais de 15 horas por dia, o que torna esta observação um inigualável exercício de calmaria. Depois porque, quando acordados, eles nos dão algumas lições de elegância, alongamento e postura que meu corpo, infelizmente, já não é mais capaz de assimilar e reproduzir. Li, há muito tempo, uma entrevista em que o ator Anthony Hopkins, ao ser perguntado que tipo de pesquisa ele havia feito para compor o Hannibal, seu terrível personagem em O Silêncio dos Inocentes, respondeu com a maior naturalidade. "Não fiz pesquisa nenhuma, só passei a prestar mais atenção nos gatos. Tudo que eu usei para compor o personagem, aprendi com eles". Acho que os gatos não gostariam de saber disso.

Do casal de gatos que tenho hoje, o Pirulito foi o primeiro a chegar em casa. Eu o comprei por 150 reais em um pet shop em Pinheiros que já não existe mais. Na época, acreditei estar adquirindo um siamês. Quando o levei ao veterinário, já maiorzinho, descobri que se tratava de um vira-lata com algum parentesco muito distante com um legítimo siamês. "É o que eles chamam de siamês-bolinha", disse o veterinário. "Para os criadores, é uma maneira caridosa de dizer que o bichano não passa de um vira-lata. Um siamês pode ser tudo, menos bolinha". Pirulito tem os caninos muito avantajados, parece um vampirinho. Não um vampirinho de verdade, é claro, o sorriso dele lembra mais aquelas dentaduras de brinquedo que os meninos usam em festas à fantasia para imitar o Drácula. Passei vários meses tentando explicar ao Pirulito que ele não é um cachorro, que ele não tem de buscar com a boca a bolinha de papel que eu atiro longe, que não precisa fazer festa para todas as visitas e muito menos me acordar todas as manhãs. Não tive sucesso - mais o tempo passa, mais ele se torna habilidoso nestas práticas tão caninas. Pirulito é um gato amoroso, tão amoroso que me faz sentir culpado por dar menos atenção do que ele merece.

Quando o Pirulito já tinha um ano, arrumei uma companheira para ele, a Ritinha, também uma siamês-bolinha para que ele não se sentisse o último de sua espécie. Não sei se por se encontrarem neste limbo entre a sarjeta e o pedigree, o certo é que Pirulito e Ritinha vivem um caso de amor desde a chegada dela aqui em casa. Eles dormem juntos, lambem-se romanticamente por horas e ainda respeitam uma hierarquia que me parece estranha: na hora da comida, Pirulito é o primeiro a se servir. Só depois que ele terminou é que a Ritinha, submissa, faz sua refeição. Para compensar isso, o primeiro xixi matinal com a areia limpa é sempre o dela. Eles só deixam de ser assim britânicos quando entra uma mosca ou borboleta pela janela do 13º andar do prédio em que vivo. Quando isso ocorre, não tem para ninguém. O que sobrou do instinto deles parece transformá-los em dois tigrinhos que se mostram impiedosos diante de sua caça. Depois que dominam o bichinho, não sabem o que fazer com ele.

E assim os dias deles vão passando: duas horas dormindo aqui, outras duas ali, comida, xixi, um ronronar, um colo e eventualmente um mosquito. E é exatamente isso que me deixa triste: será que eles têm noção de que existe um mundo lá fora, com cestos de lixo a serem revirados, telhados de casas a serem usados como motel, pardais, ratos e lagartixas aptos a se converterem em um luxuoso banquete, o perigo dos faróis dos carros, o frio e a chuva das madrugadas, os garotos que atiram pedras, o coraçãozinho batendo mais forte e as pernas tendo de levá-los cadaz vez mais depressa para longe dos perigos? Eles nunca viram nada disso: nasceram num pet shop, de lá entraram no meu carro e vieram parar aqui em casa, onde estão há cinco e quatro anos, respectivamente. E é tudo isso que eles sabem do mundo. Para adaptá-los ainda mais ao nosso convívio higiênico e seguro, ao menos dentro das casas, eles foram castrados quando tinham menos de um ano. "É a melhor coisa que podemos fazer por eles", me convenceu o veterinário. "Eles sofrem muito quando não são castrados".

E desta forma, protegidos das ameaças externas e privados de seus sexos, Pirulito e Ritinha compartilham da minha casa e são, até o momento, a única familiazinha que eu tive competência para criar, manter e administrar. Para mim, parece que está tudo bem. Mas tenho medo de que, caso um dia pudessem falar, eles me encarariam e se sairiam com essa: "Com que direito, seu Sérgio, com que direito? Nós não temos culpa se você nasceu humano, mas nós somos gatos. Por favor, não queira nos igualar. Isso nos ofende muito. Esta vida que você tem a nos oferecer é vida de gente".

Antes do Pirulito e da Ritinha, eu tive o Chiquinho, um gatinho persa maravilhoso. Uma prima vivia dizendo: mas isso não é um gato, é um príncipe. Um dia, eu o levei para Jundiaí. Ao conhecer um quintal, a grama, o cheiro do vento, as gotas de chuva, a delícia dos muros altos e o sol a aquecer diretamente seus pêlos longos e dourados, Chiquinho não quis mais voltar para São Paulo. Agarrou-se nas saias da minha mãe e não entrou no carro de jeito nenhum. Virou um gato do interiou, vivia sujo, com terra nas patinhas e capim preso na pelagem. Chiquinho experimentou por pouco tempo o gosto da liberdade. Um dia, pulou na casa do vizinho e, dizem, levou uma paulada que lhe rompeu a coluna e provocou uma morte lenta. Quando penso no Chiquinho, sinto uma saudade danada dele. Mas algo me consola: Chiquinho, aqui no meu apartamento, não viveu como um gato. Mas morreu como um, lá em Jundiaí. Uma vozinha lá no fundo me diz que, ao dar seu último suspiro, Chiquinho estava feliz por, finalmente, ter honrado sua natureza de gato.

* Este post é meu presente de aniversário para o Ruy Cortez, amigo querido, diretor talentoso e, acima de tudo, um gato.

terça-feira, março 04, 2008

I've never been in love before

Para escrever a matéria de estréia de West Side Story, ouvi quase todas as músicas disponíveis no youtube (já que perdi o vinil duplo com a trilha sonora da peça, conduzida brilhantemente por Leonard Bernstein) e ainda aluguei o filme de Robert Wise, de 1961, que traz uma Natalie Wood deslumbrante, mesmo sem ser sequer uma dançarina mediana e muito menos uma boa cantora. Se não me engano, ela foi dublada no filme. Mas tudo isso é irrelevante. O filme é uma gracinha (este termo é podre, eu sei, mas o tempo faz com que várias coisas muito impactantes em sua época se tornem simplesmente gracinha depois, e ninguém tem culpa disso) e é um prazer sem tamanho ouvir novamente clássicos como Maria, Tonight e Somewhere. Adoro West Side Story, acho contemporâneo, pulsante e, acima de tudo, real. Muito melhor que fantasmas que vivem nos subterrâneos de um teatro. Mas este banho de West Side Story serviu, acima de tudo, para que eu tivesse mais certeza que a minha canção predileta dos musicais, de todas que já foram feitas, continua sendo I've never been in love before (Eu nunca me apaixonei antes), de Guys and Dolls, que acho que nunca foi visto por aqui. É simples, pueril e de uma inocência que leva às lágrimas. O mais comovente nesta música é que, se a ouvirmos aos dez, vinte, trinta ou aos 80 anos de nossa vida, ela dirá sempre a mesma coisa e com o mesmo impacto: eu nunca me apaixonei antes. Pode ser, sim, uma grande mentira. Mas quem é capaz de dizer que a cada vez que nos apaixonamos, não fazemos tudo de novo, como se fosse sempre a primeira vez...
Eu ficaria muito feliz, mas muito feliz de verdade, se o Alberto Guzik, dono de um inglês mais refinado que o meu para tais ocasiões, arranjasse cinco minutinhos para traduzir, aqui ou no blog dele, esta pequena pérola que é a trilha sonora de cada um dos nossos novos amores. Tão poderosa que deixa para trás os amores passados e, tão tristemente profética, a indicar que os novos amores um dia também serão poeira...
Guza, agora é com você, meu lindo...


I'VE NEVER BEEN IN LOVE BEFORE, DO MUSICAL GUYS AND DOLLS

I've never been in love before
Now all at once it's you
It's you forever more.
I've never been in love before
I thought my heart was safe
I thought I knew the score
But this is wine that's all too strange and strong
I'm full of foolish song
And out my song must pour
So please forgive
this helpless haze I'm in
I've never really been
In love before.