sábado, junho 26, 2010

Alberto Guzik

Conheci o Alberto Guzik no final dos anos 80. Ele já era um crítico de teatro respeitado e eu estava dando meus primeiros passos no jornalismo, como redator de cidades do Jornal da Tarde. Guzik trabalhava no caderno de Variedades, uma editoria que, na época, contava com muita gente de peso – o editor Edison Paes de Mello, o saudoso crítico de cinema Edmar Pereira, os repórteres Celso Fonseca, Isabela Boscov e Renata Lo Prete, a crítica de dança Helena Katz, o também crítico Rubens Ewald Filho e tantos outros que, com o tempo, foram abandonando o JT em busca de lugares em que seus talentos pudessem se expandir. Eu tinha um pouco de vergonha deste povo da Variedades, confesso. Enquanto eles cobriam a Mostra de Cinema, o Carlton Dance, o Free Jazz e entrevistavam artistas como Lou Reed e B.B.King, eu fazia matérias de acidentes de trânsito, buraco de rua e aumento do IPTU. Então, no finalzinho de 1989, eu recebi uma proposta de emprego da Fiat. Ia ganhar um pouco mais, trabalhar do lado de casa e ter todos os fins de semana livres – uma regalia que, ainda hoje, deve ser o sonho da maioria dos jornalistas.

Quando eu comuniquei à direção do Jornal da Tarde que havia recebido esta oferta de emprego, eles me fizeram uma contra-proposta irrecusável para o meu bolso e para o meu acanhado ego: aumento de salário e transferência imediata para o Caderno de Variedades, com uma mesinha e um computador bem ali, ao lado daquele time que me botava medo. Alberto Guzik foi um dos primeiros a vir falar comigo. “Você já decidiu se vai para a Fiat ou fica para trabalhar aqui com a gente?”, ele me perguntou. Achei estranho, pois eu nem imaginava que ele estivesse acompanhando esta negociação. Respondi que ainda estava analisando as propostas, mas que provavelmente eu ficaria no jornal. “Decide logo, a gente aqui está agoniado. Nem sei por que, mas a gente está agoniado. A gente quer que você fique”.

Este foi o primeiro diálogo dos milhões que eu teria com o querido amigo, o mestre, o incentivador e o pau pra toda obra Alberto Guzik, este profissional brilhante e desmesuradamente inteligente que acaba de nos deixar. É muito difícil, beira o impossível, falar sobre o Alberto Guzik quando a dor da perda ainda está fatiando o nosso peito. Mas penso que seria ainda mais difícil não falar nada. Eu acho que todos nós, aqueles que tivemos a chance e a honra de conviver com o Guzik, estamos nos sentindo como naquele momento em que a gente prende o dedo na porta do carro, mas ainda não doeu. A gente tem um segundo para olhar o dedo, já roxo, e se preparar para a dor abissal que nos atingirá no momento seguinte. A partida do Guzik nos prendeu a todos, nosso corpo, nossa alma, nossos corações na porta de um grande carro e daqui a pouco vai doer muito. Sei que ele não queria que doesse, sei que ele gostava de deixar a tragédia para os limites do palco que ele soube esquadrinhar como ninguém, mas como não sentir dor quando a gente, à deriva neste mar revolto que é a vida, olha para o lugar onde sempre esteve aquele farol e agora o farol apagou?

O Guzik não era um sujeito fácil, justiça seja feita. Era reclamão, ranzinza, impaciente, não gostava de ser aporrinhado e não fazia o mínimo esforço para demonstrar que gostava de alguém se na verdade não gostava. Com ele era tudo na lata: se ele não gostava muito de você, o melhor que você tinha a fazer era não forçar a barra, porque conquistar sua simpatia à força era uma tarefa impossível. Vi muita gente que tentou e se estrepou. Mas até nessas horas ele era divertido – às vezes, se comportava como aquela tia birrenta que existe em toda família, sempre disposta a dizer o que deve ser dito, mesmo que seja no almoço de Natal.

Mas, caso ele fosse com a sua cara, meu Deus, ele iria ficar do seu lado e te defender como um cão de guarda. Ia te incentivar, ia te elogiar, ia te comparar a gente infinitamente mais talentosa que você, ia fazer o seu cartaz para todo mundo que ele conhecesse, ia cuidar da sua auto-estima como um contador deveria cuidar das nossas finanças. E ia fazer tanto esforço para te convencer que você era bom que, depois de duas cervejas, você ia estufar o peito e se achar do caralho. Quem teve a chance de compartilhar da amizade e da convivência com o Guzik sabe que eu não estou exagerando. E até quem não o conheceu pessoalmente, mas acabou ficando íntimo dele por meio daquele blog já saudoso que ele atualizava todos os dias, por meio dos livros ou das críticas que ele escreveu, também vai poder atestar que não há exageros nas minhas palavras.

Eu sempre tentei me disciplinar para acreditar que a gente vai embora desta vida quando chega a hora de a gente ir. Mas no caso de algumas pessoas, como o Alberto, a gente vai achar sempre que elas desrespeitaram esta regra e foram embora antes, muito antes do que deveriam. Ele tinha planos de escrever um novo livro (previamente batizado de “Eu e o meu Câncer”, no qual narraria sua experiência com a doença que o levou), queria fazer o novo espetáculo dos Satyros ao lado do Ivam Cabral e do Rodolfo Garcia Vasquez, dois dos representantes mais queridos da família que ele escolheu formar, e queria, acima de tudo, acompanhar o crescimento da SP Escola de Teatro, que ele batalhou tanto para ajudar a implantar e não teve a chance de ver nem o primeiro dia de aula. Ô, vida sacana!

Durante os vários anos em que trabalhamos juntos no Jornal da Tarde (período em que eu tive o privilégio quase único de ler suas críticas em primeira mão e, por meio delas, aprender o pouquinho de teatro que talvez eu saiba hoje), chegamos a marcar nossas férias para a mesma época e assim poder viajar um pouco. Me diverti e aprendi muito nestas viagens com o Guzik – sem ser pretensioso ou pernóstico, ele sempre tinha algo interessante e curioso a dizer a respeito dos lugares, das pessoas, dos museus, das igrejas. O Guzik era o judeu que mais entendia da vida dos santos, dos milagres, das penitências e da fé católica que eu conheço. Eu vivia dizendo que ele seria impedido de entrar na sinagoga se não parasse com esta mania de saber tanto sobre os mártires cristãos.

E então, eis que esta última viagem ele resolveu fazer sozinho. Mas foi tão generoso com todos os amigos e admiradores que passou os últimos quatro meses embarcando um pouquinho por dia, para a gente ir se acostumando com a ideia de que uma hora dessas o voo dele ia mesmo ser anunciado. Alguns amigos, ou outras pessoas queridas que nem próximas são, mas que a gente gostou delas a vida inteira,vão embora tão depressa que a gente leva um tempo imenso para acreditar que eles realmente se foram. Com o Guzik, não. Ele foi indo embora um pouquinho por dia para que a gente fosse se habituando a tocar a vida sem a presença dele.

Guzik foi um advogado que nunca exerceu a profissão, jornalista, crítico de teatro, professor, romancista, dramaturgo e, nos últimos anos, ator – o ofício que, desconfio, talvez lhe tenha dado mais prazer, orgulho e satisfação. Às portas de completar 60 anos, contrariando a prudência e o conselho dos amigos, abandonou a crítica e foi fazer teatro lá na Praça Roosevelt. Ficou pelado, se vestiu de mulher, aprendeu a cantar e deixou-se invadir por um salutar desbunde que sepultou a sisudez do respeitável mestre. Só então se permitiu uma maior proximidade (e amizade também) com a classe artística – uma categoria que, em seus tempos de crítico, ele admirava mais de longe, talvez para não embaralhar as coisas e manter límpido seu critério de avaliação

Vou procurar guardar como lembrança cada um desses talentos do Guzik. Porém, nestes últimos meses, ele revelou que, ao lado do homem cerebral, vivia um guerreiro, um cabra-macho que encarou a doença com uma coragem e uma força que mereceram até um elogio do Drauzio Varella, médico mais do que habituado a cuidar de pacientes com a mesma doença. Não desanimou, não deixou de acreditar em sua recuperação e permaneceu firme em campo até o último minuto da prorrogação. Mas uma hora o jogo tinha de acabar

Boa viagem, amigão. A gente vai ficar mais pobre, a gente vai ficar mais triste e a gente vai ficar mais burro por aqui. Mas vai, também, ficar mais teimoso para continuar acreditando que cada dia que temos aqui é um grande dia. Mesmo que seja um grande dia triste.

P.S. No início da noite do sábado, quando deixávamos o Crematório de Vila Alpina, havia uma lua cheia tão linda, mas tão linda no céu, que eu desconfiei que era o nosso grande amigo nos dando de presente o seu último truque de artista: por uma fração de segundo, ele fez a beleza ser maior que a dor.

terça-feira, junho 22, 2010

Urna

Antes que as pessoas desistam de ler este post já na segunda linha, adianto que não vou fazer aqui uma defesa da candidatura tucana à presidência da República. Só quero contar que, na noite de segunda-feira, enquanto o povo do CQC bombava na África do Sul e a Globo exibia um filme de ação com o Antonio Banderas, eu vi a entrevista do José Serra no programa Roda Viva, da Tevê Cultura.

Que Serra não é um candidato simpático, não há dúvida. Que ele se mostra impaciente com os jornalistas, isso também não é segredo. Que ele não está preocupado em agradar à custa de demagogia, também é de domínio público. Como também não deve ser segredo o fato de que seu conhecimento do Brasil é enciclopédico. Fiquei abestalhado com a quantidade e diversidade de dados, números, históricos e minúcias que ele apresentou para justificar cada uma de suas respostas. Nem o Google consegue ser mais rápido que o raciocínio do Serra na hora de lançar mão de estatísticas, pesquisas e estudos para ilustrar ou endossar suas teses.

Se eu fosse a Dilma Rousseff, também estaria com medo de participar de debates, sabatinas e grandes programas de entrevista, principalmente depois deste passeio do Serra pela bancada do Roda Vida. Mesmo com todo o apoio e carisma do Lula, deve ser difícil para ele entrar sozinha na jaula dos leões e mostrar a que realmente ela veio.

Repito: não estou fazendo propaganda serrista, não defini meu voto e não tenho absolutamente nada contra a Dilma – aliás, estou fazendo um esforço considerável para ter alguma coisa a favor, mas está difícil. Só sinto que, depois de uma hora e meia ouvindo José Serra, fica muito difícil não admitir o óbvio: tecnicamente ele é o candidato mais preparado nesta corrida presidencial. Tecnicamente, repito. Mas eu sei que as eleições devem ter um quê de Copa do Mundo: nem sempre o mais preparado tecnicamente é o que chega lá. No caminho da vitória ou do gol há paixões, torcidas, conchavos, bolões e até vuvuzelas dispostas a fazer muito barulho para confundir a cabeça do eleitor.

segunda-feira, junho 21, 2010

Aprendiz de feiticeiro

Finalmente as pessoas se deram conta de que está nascendo um novo Galvão Bueno. Ele se chama Tadeu Schmidt, está ganhando um espaço absurdo na cobertura da Copa do Mundo e reúne todas as condições para, em pouquíssimo tempo, superar o seu mestre. Acredito que, para as milhões de pessoas que estão vendo os jogos da copa, foi uma alegria muito grande, quase uma vingança, saber que nesta segunda-feira o bordão "Cala a Boca, Tadeu Schmidt" foi o campeão de postagens no Twitter, chegando a superar o histórico Cala a Boca, Galvão. Espero que sirva de alerta para o jovem profissional, que ainda não se decidiu se é repórter, humorista, poeta, cronista ou bufão. Se ele continuar no ritmo em que está, e com o prestígio que vem recebendo da emissora em que trabalha, daqui a alguns meses sentiremos muita saudade do Galvão Bueno. E a postagem campeã do twitter provavelmente será: Volta, Galvão Bueno.

O problema é que o mundo está tão de cabeça para baixo, com os valores tão invertidos, que provavelmente ao ser informado de que virou a estrela do twitter nesta segunda, ainda que por motivos tortos, o jornalista vai respirar feliz e convicto de que está no caminho certo. Na próxima vez em que aparecer na televisão, com certeza hoje à noite, ele terá uma nova crônica tão, mas tão chata, que passaremos a acreditar que Pedro Bial é Carlos Drummond de Andrade.

sexta-feira, junho 18, 2010

Minha dívida com Saramago

Fui informado por um amigo, na hora do almoço, que o escritor português José Saramago tinha morrido. Fiquei surpreso, um pouco triste, mas daí, como sempre acontece em casos do tipo, a gente comenta a última coisa que soube, ou leu, a respeito desta pessoa que acabou de partir e retoma a nossa vida no mesmo instante. Desta vez, como eu tinha um compromisso profissional na hora seguinte, retomar a vida exigiu pouco esforço.

Resolvi agora escrever algumas linhas sobre o Saramago porque eu tenho uma dívida pessoal com ele. Não, eu nunca o conheci e nem o vi pessoalmente. Não, ele nunca soube da minha existência. Mas isso não impediu que eu tivesse uma grande dívida com ele, uma dívida que eu estou tentando pagar há quase dez anos, mas os juros parecem se agigantar mais rapidamente do que minha possibilidade de recuperação financeira e moral.

Em 1997, Saramago publicou um livro chamado Todos os Nomes. Não acredito que este livro tenha passado em branco, mas seguramente não alcançou o mesmo êxito de títulos como O Evangelho Segundo Jesus Cristo ou Ensaio Sobre a Cegueira. Todos os Nomes narra a história angustiante de um personagem chamado José, funcionário do Registro Civil de Lisboa, que leva uma vida assustadoramente medíocre e insuportavelmente monótona. Ele está muito próximo de ser um ninguém, um nada, um ser humano que, depois de 40 anos de vida, não deve ter encontrado uma única razão que justificasse o seu nascimento. O seu José sempre me pareceu uma versão um pouco mais moderna, embora tão insignificante quanto, do senhor Akaki do conto O Capote, de Nicolai Gogol – dois sujeitos tão insípidos que, se um dia suas mães os encontrassem na rua, seriam capazes de dizer: engraçado, parece que eu conheço este homem, mas não me lembro de onde.

Quando terminei de ler Todos os Nomes, eu estava assustado. Muito assustado. Porque, mais do que um personagem de ficção, o seu José se erguia como a imagem do nosso descuido. Era como se ele me dissesse, ou nos dissesse, para suavizar um pouco a ameaça, que se não tomássemos as rédeas de nossas vidas e fizéssemos delas algo interessante e prazeroso, era ele, o seu José, que a gente iria encontrar logo mais adiante.

Dois anos depois de ler o livro, algumas circunstâncias me empurraram para a terapia. Talvez fosse mais elegante dizer que as circunstâncias me conduziram para a terapia, mas, no meu caso, o que valeu foi mesmo um empurrão – da vida e de dois ou três amigos. Então, na primeira sessão, uma sexta-feira fria e chuvosa, em que eu cheguei ao consultório antes do psiquiatra e tive de esperá-lo no corredor, começou minha dívida com o Saramago. O médico me perguntou o que tinha me levado até lá. Contei algumas coisas provavelmente normais de se contar numa situação dessas, falei de uma tristeza aqui, de uma decepção ali, de um vazio cá, lá e acolá, e finalmente fiz o meu estranho pedido de paciente novato. “Por favor – pedi ao psicanalista – não deixe que eu me transforme no seu José”. Ele perguntou quem era o seu José. Como o livro estivesse ainda muito quente na minha memória, tentei ser o mais fiel possível na hora de descrever aquele homem que eu queria eliminar do meu futuro.

Já se foram quase dez anos daquela sexta-feira chuvosa e, se alguém me perguntasse, ainda hoje, o que eu fiz de mais relevante neste tempo todo, eu responderia, sem medo de soar piegas: eu continuo fugindo do seu José. E, como nos pesadelos, evito olhar para trás. Tenho um sincero e justificado medo de que, por mais que eu tenha me esforçado para me distanciar dele, seu hálito continua roçando o meu ombro.

terça-feira, junho 08, 2010

Feliz aniversário, Guzik

O amigo Alberto Guzik faz aniversário nesta quarta-feira, dia 9. Vai passar a data na UTI do Hospital Santa Helena, onde foi internado há mais de cem dias para uma cirurgia delicada, é verdade, mas que teve todas as complicações possíveis. É muito triste. Mas eu – e acredito que tantos outros amigos que estão acompanhando esta luta diária do Guzik – faço um esforço danado para não me entregar à tristeza. Penso que, se ficarmos tristes, estaremos de alguma forma traindo toda a força, garra e mesmo a alegria que o Guzik tem demonstrado durante este grande período de internação, em que ele já venceu uma pancreatite e está bravamente nocauteando uma infecção hospitalar.

Eu acho que os nossos inimigos deviam ser bem grandes, para que a gente pudesse encará-los na luta ou fugir deles se fosse mais prudente. Mas estes inimigos invisíveis de tão pequeninos são os piores – eles parecem saber a hora exata em que a gente se tranqüilizou e baixou a guarda para planejar um novo ataque. Mais que um paciente, estou começando a acreditar que o Guzik é um general de guerra, um herói com quatro estrelas no ombro que já aprendeu que o inimigo não dá tréguas. Ele sempre soube que a guerra seria dura – talvez não tanto quando está sendo, é verdade -, por isso nunca permitiu que o desânimo chegasse perto. Nas várias vezes em que estive no hospital, encontrei o Guzik ora feliz, ora irritado, muitas vezes querendo pular daquela cama, desligar todos os fiozinhos e entrar correndo no primeiro teatro de portas abertas que encontrasse pela frente. Mas desanimado, isso nunca.

A última vez em que estive com ele foi na quarta-feira, 26 de maio, faltando três dias para ele enfrentar uma nova cirurgia – prevista para ser a penúltima. Mas nem sempre nas guerras as coisas saem conforme o planejado. Tamanha era a disposição do Guzik que, se eu fechasse os olhos, seria capaz de jurar que aquela conversa estava sendo levada num boteco, numa praia, numa pracinha ensolarada – jamais num hospital. Eu e o ator Chico Ribas ficamos com ele por mais de uma hora, tempo suficiente para que ele falasse mal das novelas que era obrigado a ver – a tevê do quarto dele só sintonizava os canais abertos – e perguntasse tudo sobre as peças e filmes que estávamos vendo, às festas a que estávamos indo, os projetos, os anseios, a vida que continuava a correr normalmente para além das paredes daquele quarto.

Pouco antes de irmos embora, ele disse que estava absolutamente confiante no resultado da cirurgia que faria no sábado. Talvez eu não me lembre de cor, mas são grandes as chances de ele ter usado estas palavras: “Eu não consigo deixar de ser otimista. E olha que eu até tento, mas não consigo. Na minha cabeça, tudo vai dar certo e eu vou poder ver os últimos jogos da Copa na minha casa. É só nisso que penso e acredito. Às vezes, aparecem uns pensamentos ruins, é verdade. Mas eles não duram nada. Aparecem e já vão embora”.

Eu nunca fui muito bom para acreditar nestes lances de energia e pensamento positivo. Mas agora é um bom momento para mudar de opinião. Tô mandando um abraço imenso, um beijão e os votos de melhor aniversário do mundo pro Guzik. Neste mesmo dia do ano que vem, se Deus quiser, a gente vai poder fazer tudo isso pessoalmente.

sábado, junho 05, 2010

Papel carbono

...e então a gente se dá conta de que aconteceu com a gente também.

Não se trata aqui de falar de algo específico, mas de um conjunto de coisas, um grande conjunto de coisas. A gente olha apressadamente para o espelho e poderia jurar que viu a imagem do nosso pai refletida ali;

se trai na hora de fazer algum comentário e percebe que a sua mãe poderia ter dito aquilo – e você a chamaria de uma velha careta e conservadora;

se esquece de que algumas coisas que anda fazendo são justamente aquelas coisas que algum tempo atrás você criticava e tinha a certeza, uma certeza arrogante, de que jamais as faria, não você;

se surpreende ao notar que já está, agora, na metade de um caminho que até algum tempo atrás você tinha certeza de que não iria trilhar;

se entristece a notar que sua fé está bem menor, e o tamanho da sua fé, em si e no resto da humanidade, era algo que o enchia de orgulho;

não ri mais das coisas que costumava rir, por prudência, recato, medo de parecer idiota ou por que não acha nada mais daquilo engraçado, o que vem a ser a pior das hipóteses;

dá uma olhada na agenda, na de papel, e não sabe onde foram parar alguns amigos, logo aqueles que era difícil imaginar a vida sem eles, e você não apenas imagina a vida sem eles, agora você toca a sua vida sem eles;

você abre o armário e tem vontade de jogar fora tantas coisas que já não dizem mais nada e você nem se lembra mais por que as guardou mesmo;

escondido do mundo e de si próprio, você se lembra de uma época em que ficava abismado ao ver algumas pessoas escondidas do mundo e de si próprias;

reserva para o mundo um olhar triste e desesperançoso, o olhar de um médico diante de um paciente precocemente condenado, e se recorda do tamanho do medo – e da piedade – que sentia quando flagrava um olhar como este que agora é o seu;

pensa em voltar e começar uma nova estrada, mas vê que o combustível está acabando, que não se lembra mais de onde as estradas começam e decide seguir pois, dos males o menor, você já está na metade do caminho mesmo;

é acometido por aquela sensação desconfortável e pretensiosa de que já viu quase tudo, de que tudo foi, é ou está condenado a ser igual, quando seu despreparo diante da vida é a prova mais evidente de que ainda não viu quase nada;

e o cansaço, e o cansaço, e o cansaço...

...e então a gente se dá conta de que aconteceu com a gente também.