quarta-feira, setembro 30, 2009

Cleyde Yáconis

Tenho um amigo chamado André Fusko. Ele é ator e médico - exerce este segundo ofício com invejável profissionalismo, mas o conheço bastante bem para dizer aqui que seu sonho seria poder viver daquilo que o palco tem a nos oferecer. Em 2006, Fusko participou, ao lado das atrizes Cleyde Yáconis e Maria Manoella, da belíssima montagem de Cinema Éden, texto da francesa Marguerite Duras encenado por Emilio di Biasi no teatro do Centro Cultural Banco do Brasil.

Pois ontem à noite encontrei o Fusko na cerimônia em que o Teatro Cosipa, na estação Conceição do metrô, passou a se chamar Teatro Cleyde Yáconis. Tive a honra de ser convidado para escrever o roteiro da festa, mas não é sobre isso que quero falar. Quero falar que estavam presentes ao evento grandes amigos de Cleyde, atores e diretores que ela conhece de longa data. Após seu pequeno discurso no palco (Cleyde odeia este tipo de celebração), houve um coquetel no saguão do teatro, em que ela foi disputada por dezenas de fotógrafos, repórteres, cinegrafistas e fãs. Magra e elegante, ela se locomovia com dificuldade por entre tantos flashes. E então ela viu André Fusko no meio daquela gente toda.

Caminhou até ele, abriu os braços, sorriu e perguntou: "Oi, André, você se lembra de mim?"

Gostaria que todos os blogueiros, tuiteiros e jovens artistas que não fazem outra coisa na vida a não ser falar dos seus próprios umbigos tivessem testemunhado esta pequena prova de humildade e generosidade de uma atriz fantástica que, aos 86 anos e na noite dedicada a ela, pergunta a um jovem ator se ele se recordava de um dia ter trabalhado com ela. Que pena que vivemos num mundo de poucas Cleydes e muitas celebrities de última hora.

sexta-feira, setembro 25, 2009

À francesa

No intervalo de apenas seis dias tive o prazer de assistir a duas peças da escritora francesa Marguerite Duras em São Paulo. Demorei um pouco para escrever sobre isso porque fiquei pensando se haveria algo em comum entre os dois textos, escritos com um intervalo de vinte anos e, cada um ao seu modo, testemunhas de um mundo em transmutação.

La Douleur, de 1945, narra a terrível espera da escritora pela libertação de seu companheiro Robert D., levado pelos nazistas para o campo de concentração de Dachau, na Alemanha. O monólogo foi apresentado em São Paulo em apenas dois dias, 12 e 13 de setembro, diante de um público extasiado no Teatro do Sesc Anchieta. Mirrada e magnética como uma Edith Piaf, a atriz francesa Dominique Blanc, dirigida por Patrice Chéreau, fez de La Douleur uma pequena descida aos infernos sem previsão de retorno. Ao inferno da dor, já presente no título, mas também ao inferno da espera, da angústia, da separação e principalmente da proximidade da morte.

Conversei sobre este texto com um amigo médico, leitor voraz e eternamente insatisfeito. Ele me disse que foi apresentado a este livro de Duras por um professor de clínica médica, que um dia surpreendeu os jovens estudantes com a declaração de que se eles quisessem entender a dor humana, deveriam ler La Douleur e não os livros de medicina. “Nenhum autor médico conseguiu chegar tão perto da descrição da dor quanto ela”, disse o professor. “Leiam e vocês entenderão até onde pode chegar o sofrimento humano”. Ele leu – e me garantiu que o professor tinha razão.

Ainda sob o impacto de La Douleur, que deixou várias pessoas prostradas na poltrona quando o espetáculo terminou, fui ver La Musica, que Marguerite Duras escreveria bem mais tarde, em 1965, já superadas as dores da guerra e na antessala da chegada do feminismo. La Musica, em cartaz no Tuca Arena, fala de um casal que se reencontra três anos após a noite da separação apenas para assinar a documentação do divórcio. Conversam aproximadamente das seis da tarde às três da manhã – um diálogo interrompido por três telefonemas, dois da nova parceira do homem e um do novo parceiro da mulher. Sim, nestes três anos eles refizeram a vida, mas de uma maneira que o público chega a pensar que seria melhor se não tivessem refeito.

E então eu entendi que os dois textos falam, acima de tudo, da separação, talvez mais do que da própria dor. No caso de La Douleur, a separação imposta por um mundo em guerra; em La Musica, a separação como consequência de pessoas motivadas por uma guerra mais particular, alimentada por pequenas traições, intransigências, fadiga, rotina e descaso. E, com suas palavras certeiras e impressionantemente precisas, Duras parece querer dizer que os bombardeios, sejam eles despejados dos aviões ou das bocas dos amantes, têm poderes igualmente letais.

La Douleur é um texto de sofrimento escancarado, imediato e reconhecível. La Musica, e agora isso me parece muito claro, traz a dor camuflada pela civilização cuja ausência permitiu justamente o nascimento do texto anterior. Talvez eles se complementem, talvez tragam um ponto de vista trágico e outro mais cotidiano sobre a dor da separação, sobre aquele hiato em que o amor num caso e a diplomacia no outro falharam. Talvez seja muito mais que isso. Ou talvez seja muito mais simples. É possível que os dois textos queiram mostrar apenas que viver sempre dói, em tempos de guerra ou de paz. E que não há receita possível para evitar isso, a não ser a nossa disposição de acreditar em alguma redenção possível.

quinta-feira, setembro 17, 2009

O último entre tantos adeus

Na manhã desta quinta-feira minha tia, única irmã da minha mãe, morreu aos 81 anos. A morte de hoje, ocorrida às 8h30, foi sua segunda morte. Ou sua morte oficial, aquela que constará nas certidões e atestados. Vítima de Alzheimer, ela já estava morrendo há pelo menos seis anos. Para seus filhos e netos, é bem provável que a morte tenha ocorrido inúmeras vezes ao longo dos dolorosos episódios em que ela foi apagando cada um deles da sua memória. A mulher idosa e macérrima que cerrou os olhos pela última vez na manhã de hoje já havia se convertido em uma espécie de fantasma em uma data que talvez ninguém se lembre exatamente qual – até porque foram tantas. Uma para cada pessoa que um dia escapou para sempre de suas lembranças.

Como vivíamos em cidades diferentes, não acompanhei de perto seu processo degenerativo. Mas aprendi que o Alzheimer é uma doença de inúmeras faces – algumas delas muito peculiares, até. Um doente de câncer é sempre um doente de câncer – e não parece haver nada de engraçado nisso. O Alzheimer, não. Antes de revelar sua faceta mais aterradora, é uma doença que transforma sua vítima, logo nos primeiros sintomas, em uma atração para a família. Confesso que era difícil ocultar o riso – ainda que fosse um riso piedoso – diante da visão da minha tia plantando e regando flores de plástico, aquecendo o telefone celular dos netos dentro do microondas até que eles explodissem ou tentando fazer um suco de laranja com o secador de cabelos. Até então, achávamos apenas que era uma pessoa com pouco mais de 70 anos compreensivelmente alheia a um mundo cheio de aparelhos tecnológicos. Como se fosse uma criança, talvez ela apenas não soubesse o que fazer diante de tantos aparelhos que a tecnologia, os filhos e netos haviam trazido para sua casa. Mas esta “infância” do Alzheimer dura pouco.

Depois da confusão com os objetos, veio uma fase, ainda mais inquietante, em que ela era invadida por ondas de intenso desejo sexual. Maquiava-se, tomava vários banhos por dia, recorria a velhos frascos de perfume para esperar pela chegada de um namorado misterioso, com quem ela iria “rosetar” a noite inteira. Recorri ao Aurélio. Rosetar: divertir-se às pampas com alguém do sexo oposto. A doença parece ter desenterrado nela um apetite sexual que seu marido, um pouco mais velho e já bastante doente, jamais seria capaz de dar conta. E então percebemos que não havia nenhuma contradição, física ou moral, em seu irrefreável desejo pelo sexo: dentre todas as pessoas próximas, o marido foi a primeira de quem ela se esqueceu. Uma tarde, ao sair do quarto arrumada e de batom nos lábios, ela viu o marido deitado no sofá. Olhou para os filhos e perguntou: quem é este velho que está dormindo na minha sala? É seu marido, responderam os filhos. Eu sou solteira, ela respondeu. E se tivesse de me casar, não seria com um homem tão velho e feio como este aí. Neste dia, se ainda havia alguma picardia na doença, ela foi embora.

E então começaram a vir os episódios mais tristes. Em meio às suas constantes crises de choro, ela dizia sempre que queria voltar para casa. Não adiantava dizer que aquela era a casa dela. Chorando e diante dos portões já com cadeados, para evitar sua fuga, ela procurava pela sua casa de infância. Tinha no rosto a impressão de uma criança perdida. E então, um a um, ela foi apagando os cinco filhos e cada um dos tantos netos. Foi falando cada vez menos, o olhar foi se tornando mais estranho e inquisidor, as pessoas ao seu redor já não lhe diziam mais respeito.

Até então, não tinha visto minha mãe chorar por causa da minha tia – talvez porque minha mãe fosse a única pessoa de quem ela ainda se lembrava. Mas, numa tarde de domingo, minha tia olhou bem para minha mãe e disse: Já está na hora de você se casar e ter filhos. Você não pensa em arrumar um marido?”. Minha mãe respondeu que já era casada, tinha dois filhos e uma neta. E fez a pergunta que finalmente trouxe as lágrimas aos seus olhos: Você não sabe quem eu sou? Minha tia olhou para ela e respondeu simplesmente: Não.

Nos meses e anos seguintes, ela foi mergulhando em um silêncio cada vez mais impenetrável. Já não andava mais, apresentava várias escaras pelo corpo e na segunda-feira à noite parou de comer. Morreu nas mãos dos enfermeiros enquanto estava sendo ligada a sondas e outros aparelhos totalmente inúteis. O adeus que lhe deram nesta manhã cinzenta de Jundiaí ainda foi o mais dolorido. Mas para todos aqueles que acompanharam o seu descomunal sofrimento, estava longe de ser o único.

segunda-feira, setembro 14, 2009

Data de vencimento

Há alguns dias eu compartilhava uma mesa de bar com dois amigos. Um deles estava bem, como pareceu estar sempre bem ao longo de todos estes anos que a gente se conhece. O outro estava um caco. Tinha acabado um namoro de quase um ano, chorava na nossa frente e dizia ter certeza de que aquela mulher de quem ele começava agora a se afastar era a mulher da vida dele. Eu nunca sei bem o que dizer diante de alguém que chora. É como se as lágrimas brotassem de algum lugar aonde as palavras não chegam. Eu prestava muita atenção ao que o amigo dizia, tentava compreender sua dor e, por algum motivo qualquer, achava que ele tinha razão. Naquele momento – e ainda que aquele momento não viesse a durar para sempre – a mulher por quem ele chorava era mesmo a mulher da vida dele.

O outro amigo, cuja praticidade eu sempre invejei, ouvia tudo calado como eu, movimentando apenas o braço direito, que levava o copo de chope até a boca. Então, quando o desabafo do nosso amigo triste parecia ter chegado ao fim, ele pediu a palavra para dar seu surpreendente diagnóstico – que depois eu cheguei a me perguntar se seria sempre este o diagnóstico masculino.

- Chore mesmo – disse o amigo prático. - Chore e esperneie tudo o que você tem de espernear. Sofra, pragueje, vá ao fundo da sua dor. Mas calcule um tempo exato para este sofrimento: um mês, a contar de hoje. Daqui a um mês você deve se levantar, olhar para o espelho e dizer: agora acabou. Vou partir para outra porque esta dor ficou antiga. Chega de sofrer por isso.

Eu, que já estava quieto, resolvi me calar ainda mais, na tentativa de acreditar que fosse possível estipular um prazo para o fim da dor. Depois pensei muito no que tem sido a vida deste amigo prático durante todos esses anos que o conheço. E tive de admitir que ele sempre seguiu à risca seu próprio conselho. Não importava o tamanho do amor ou do luto, do prazer ou da dor: uma manhã qualquer ele levantava e decretava o fim daquilo que sentia.

Nunca acreditei que nossa supremacia sobre os sentimentos pudesse chegar a este nível. Reagir à dor é possível – mas que possível, talvez seja saudável. Quanto a dizer em que momento ela deve terminar, isso eu já não sei. Se pudéssemos controlar a dor com tanta aritmética, talvez pudéssemos fazer o mesmo em relação ao amor, à saudade e a tudo aquilo que faz de nós ser o que somos. Depois pensei se haveria teatro, literatura, cinema e música se a dor tivesse prazo de validade. Pensei em todas as peças, filmes e livros que só nasceram porque a dor e o amor fugiram totalmente do controle de algum autor. Talvez nós estejamos aqui porque um dia o amor e o desejo fugiram ao controle dos nossos pais.

E se eu soubesse que o que eu sinto agora poderia ser controlado daqui a um mês, acho que eu não seria nada e nem ninguém. Talvez um boleto bancário, talvez um calendário preso na parede, no máximo um aviso colado na porta da geladeira. Eu acho que a gente é bem mais do que isso porque a nossa dor e o nosso amor vão sobreviver mais do que um mês. Vão sobreviver a nós mesmos.

segunda-feira, setembro 07, 2009

Gurus

Leio hoje que o psicanalista e escritor Augusto Cury, autor de inúmeros best sellers, entre eles O Código da Inteligência, atualmente em terceiro lugar na lista dos mais vendidos na categoria "Autoajuda e Esoterismo" é o guru da senadora Marina Silva, provável candidata do PV à presidência da República. Confesso que nunca li um livro inteiro do Augusto Cury - um dia, enquanto esperava por um voo no aeroporto de Congonhas, entrei numa livraria e fiquei lendo capítulos esparsos de um de seus incontáveis títulos, agora não me recordo qual.

Pelo que me lembro da leitura, esta notícia me deu uma tristezinha. Sempre achei esta história de guru meio babaca. Eu penso que se a gente devesse seguir algum guru da área da literatura, esse alguém deveria ser um Philip Roth, um Ian McEwan, um Coetzee (isso para ficar entre os vivos, pois guru vivo deve funcionar melhor), um Paul Auster ou um Milton Hatoum, se fosse o caso de prestigiar um guru nacional. O problema é que eles talvez não aceitassem ser guru de ninguém - descrentes que parecem ser deste ramo de atividade....

Enfim. Se o assunto é religião, futebol e agora guru, a gente tem de respeitar todo mundo, né? Desde que a gente não precise ler nada dos gurus alheios, aí já seria pedir demais.

domingo, setembro 06, 2009

Aconteceu na casa ao lado

Fui almoçar com meus pais há alguns dias. As conversas entre aqueles que não se veem com tanta frequência, ainda que sejam pais e filhos, levam um certo tempo para engatar. Primeiro é preciso dar conta de questões corriqueiras como o trabalho, a rotina, o que cada um de nós fez desde a última vez em que nos vimos, para só então entrarmos naquilo que realmente nos toca mais. E, deste último encontro, sei que não poderia ter saído mais tocado.

Minha mãe contou, com alguns detalhes que não se fazem necessários aqui, de um verdadeiro drama enfrentado por um casal de vizinhos, pais de um garotão de 16 anos que no domingo tentou o suicídio ingerindo cerca de 70 comprimidos de vários gêneros de medicamentos. Quando a mãe entrou no quarto, ele já estava desfalecido. Chegou ao hospital em estado grave, passou por uma série de procedimentos de desintoxicação e ressurreição (desconheço os termos exatos) e precisou ser levado para a UTI, onde permaneceu por dois dias. Quando eu soube desta história, ele já estava em recuperação no quarto do hospital. O pai permanecia ao lado dele havia 72 horas ininterruptas, dividido entre a guarda e o desespero.

“Ele sempre foi um menino tão diferente dos outros”, disse a minha mãe. “Ele sempre teve paciência e atenção com os mais velhos. Eu saio na rua e os meninos desta idade mal me olham. Ele, não. Toda vez que me via, parava para perguntar como eu estava e se tudo corria bem aqui em casa”.

Mais que o relato da tentativa do suicídio, o que me pegou de jeito foi justamente esta observação da minha mãe... um menino tão diferente dos outros. Diferente em quê, fiquei pensando. Na atenção, na delicadeza, na aparente importância com o próximo, na sensibilidade e na preocupação com o bem-estar alheio? Em pequenos gestos e sentimentos que talvez não encontrem muito mais lugar no mundo? Se eu o conhecesse, talvez a única coisa que lhe dissesse seria esta: calma, porque por mais que pareça, você não está sozinho. Ainda há, felizmente neste mundo, muitas pessoas que cultivam e dão valor a tudo aquilo que torna você diferente aos olhos dos outros. Se é que este seja realmente o problema. Se é que alguém algum dia vai detectar e entender o problema. Se é que o problema poderá vir a ser solucionado. Se é que o problema ao menos exista.

Ah, e ele gosta muito de livros. Vinha, uma vez por semana, emprestar algum livro do meu irmão – a quem chamava também de senhor. Na semana seguinte, devolvia o já lido e perguntava se havia algo de novo que ele pudesse levar.

Durante a semana, liguei para minha mãe apenas para saber do garoto. Ele tinha tido alta, os pais já estavam procurando a ajuda de um psicólogo ou psiquiatra. Minha mãe contou que havia se encontrado com o avô dele no dia anterior. O homem estava invadido pela dor e pela insegurança; é seu único neto. “Ninguém entendeu ainda o que aconteceu”, disse o homem. “Ele fez uma festa de aniversário para comemorar os 16 anos e, dois dias depois, isso. Agora nós temos tanto medo, a gente vai ter medo para sempre porque a gente nunca mais vai saber o que fazer”, completou...

A gente nunca mais vai saber o que fazer....

sexta-feira, setembro 04, 2009

Isso não pode, filhinha. Mas eu queroooooooooooooooo

Todo mundo já deve ter se deparado com uma criança voluntariosa que faz questão de ter absolutamente tudo. Talvez nós tenhamos sido uma criança assim, talvez tenhamos abrigado uma criança assim em nossa família, talvez uma criança assim tenha crescido muito perto de nós, sem conhecer limite algum, incansável em sua meta de obter aquilo que ela julga essencial para satisfazer o seu desejo. Ainda que o objeto deste desejo não tenha importância alguma, a tal criança briga pela posse, esperneia no supermercado, faz escândalo na loja, empaca na rua como se fosse um pequeno animal teimoso. Por mais que os pais tentem explicar que para tudo nesta vida existem certos limites, que a satisfação do desejo infantil, ainda que legítimo, deve obedecer a algum padrão, ou ético ou econômico ou utilitário, a criança não ouve. Ela quer porque quer, simplesmente assim.

Nada pode obstruir o caminho entre ela, a criança, e o objeto do seu desejo. Se ela não consegue pelas vias normais do pedido ou da necessidade, então ela grita, então ela berra, então ela adoece, então ela chantageia, então ela faz conchavos inacreditáveis para a pureza de uma alma infantil, então ela implora para os tios, então ele roga para os avós, então ela joga os pais contra tios e avós, então ela se alia ao irmãozinho de quem sempre manteve distância, então ela quebra o cofrinho das moedas, então ela falta na escola, então ela vomita, então ela pisa no rabo do gato e dá vassouradas no cachorro, então ela se torna impossível. Aí, após desafiar todos os conceitos da integridade, é possível que ela consiga o que tanto queria. É possível que os pais, por fim incapazes de controlar aquele pequeno furacão que um dia eles geraram, joguem a toalha; a criança, vitoriosa, do alto de sua caminha poderá então ver o mundo de cima, como sempre quis.

Talvez Dilma Rousseff tenha sido uma criança assim. Ao ver hoje, na Folha de S. Paulo, a foto da ministra de mãos dadas com o apóstolo Estevam e a bispa Sônia, que até ontem mesmo estavam presos nos Estados Unidos, acusados de tentar entrar no país com uma bolada de dólares escondidos na bíblia e no corpo do netinho, eu fiquei com ainda mais medo do tamanho da ambição desta mulher. Como a criança imaginária dos dois parágrafos anteriores, ela não conhece obstáculo capaz de afastá-la da cadeira que hoje é de Lula. O problema, nesta história toda, é que Dilma já é bem crescidinha e, pelo visto, não existe mais ninguém por perto para lhe dizer: que coisa feia, senhorita, isso não se faz porque não é certo e o papai não gosta. No caso de Dilma, o “papai” gosta e faz coisa ainda pior.

terça-feira, setembro 01, 2009

Twitter

Adoro o Twitter. Estou viciado no Twitter. Não por que esta nova ferramenta da Internet contribua de forma valiosa para aprimorar a nossa cultura geral – creio que 90% do que escrevemos ali poderiam ir diretamente para o grande lixo do cosmos sem prejuízo algum para a humanidade. Eu adoro o Twitter porque ele me proporciona os mais singelos momentos de prazer que eu já experimentei desde o advento da Internet: bloquear alguém é quase tão gostoso quanto desligar o rádio quando a Ana Carolina ou a Zélia Duncan começam a cantar. O problema é que se trata de um prazer tão legítimo que vicia. Se eu passar um dia inteiro sem bloquear alguém no Twitter, começo a suar frio, a boca seca, a pressão cai e sou acometido por náuseas incontroláveis. Então, tenho de parar o que estou fazendo e correr ao Twitter para bloquear alguém que tenha postado, por exemplo, que naquele dia a mãe faz aniversário. Bloquear este usuário deve ser tão gostoso quanto o cigarro depois do cafezinho – no mundo em que ainda era possível fumar, é claro.

Devo contar para vocês em que circunstâncias o vício me dominou. Eu passei a fazer parte do Twitter depois que minha amiga Bárbara Oliveira, jornalista da área de informática, me apresentou a esta ferramenta. Eu não tinha a mínima ideia de como o Twitter funcionava e a que ele se prestava, mas fiz minha inscrição. No final daquele dia, eu já tinha cinco seguidores. Achei um luxo. Duvido que a bispa Sônia tenha convencido cinco evangélicos a segui-la logo em seu primeiro dia. A Bárbara então me explicou que, para que meu número de seguidores aumentasse (como se isso tivesse algum valor na vida da gente!), eu deveria começar a seguir muitas pessoas. Foi o que eu fiz. Passei uma tarde fuçando nas páginas dos meus amigos em busca de gente bacana para seguir. Eu não sabia que, naquele momento, estava abrindo minha casa para o inimigo. Em poucos minutos os comediantes do CQC começaram a dominar meu computador com informações tão úteis como a relação das cidade em que eles estavam levando seus shows de stand-up comedy à cor da camisa do motorista de táxi que os havia apanhado no aeroporto. Então pensei: mas é para isso que serve o Twitter?

Vindo em meu socorro, um amigo me explicou que era possível me livrar para sempre desta legião de chatos: bastaria que eu os bloqueasse. Senti um misto de alívio e culpa. Bloquear um usuário, naquele momento, me parecia tão deselegante quanto convidar alguém a se retirar da sua casa. Então resolvi fazer um teste: bloqueei o mais chato entre todos os apresentadores do CQC (escolha difícil). Depois de despachá-lo para o cemitério dos exibidos, voltei para minha página do Twitter e senti então um gozo indescritível: não é que suas mensagens nunca mais iriam aborrecer o meu dia, muito melhor que isso – tudo que ele havia escrito tinha miraculosamente sumido da minha tela. Foi uma sensação tão boa que resolvi dar um segundo gole nesta cachaça – e mandei outro comediante sem graça do CQC fazer companhia ao seu chefe. E depois eu mandei um terceiro, um quarto até que, quando vi, não restava mais nenhum deles na minha grade de programação caseira.

Então me vi diante de um dilema. Bloquear desconhecidos chatos é fácil e indolor. Mas como reagir diante da possibilidade de fazer o mesmo com alguém que você conhece, que sabe o número do seu telefone e freqüenta sua casa? Passei dias batendo a cabeça pelas paredes, como um noia em processo de abstinência. Então um outro amigo me socorreu. Eram 16h quando ele escreveu assim no Twitter: “Hum, são 16 horas e estou com uma fominha....Agora são 16h10 e acho que vou fazer uma comidinha. Que delícia esta comidinha que estou comendo às 16h30. Puxa, são 16h40 e minha fominha passou. Acho que vou tirar um soninho”. Mal sabia ele, coitado, que no meu Twitter ele acabava de ingressar no sono eterno. Ele foi embora mais silenciosamente do que nasceu. E então comecei a dar o mesmo destino aos que dizem que vão cortar a unha, aos que vão levar o gato tomar banho no veterinário, aos que vão abrir a geladeira para tomar um todinho, aos que só sabem fazer auto-promoção e, principalmente, aos que postam mais de dez comentários por dia – um mais irrelevante que o outro. Bloquear estas pessoas é como eletrocutar mosquitos naquelas raquetes elétricas.Tshhhhhhhhhhhh – e lá se foi mais um chato, sem deixar rastros de fumaça. Como o Twitter é higiênico.

Sei que este pode parecer um post antipático, paciência. E sei, também, que eliminar os chatos do mundo virtual serve apenas como paliativo para quem não consegue apagar as chatices do mundo real. Mas o que seria de nós sem os paliativos? Acima de tudo sei que, ao ler este post, é bem provável que alguns dos meus seguidores corram ao Twitter para me deletar. A eles, gostaria de dar o seguinte recado: se, ao ser deletado eu puder fornecer a vocês o mesmo prazer que eu sinto quando deleto outros chatos, meu dia já terá valido a pena. Fiquem à vontade e vejam o quanto é bom!