Acabo de ler um pequeno grande livro, Profanações, do filósofo italiano Giorgio Agamben. Pequeno porque Agamben disse o que tinha a dizer, pelo menos até o momento, em apenas 83 páginas. Grande porque Profanações, em sua aparente simplicidade, revela-se uma daquelas obras que não vão nos deixar em paz tão cedo - talvez nunca. Sei que, mais tarde, em outros momentos da minha vida, quando meus olhos seguramente estarão vendo o mundo já de outra forma, terei de voltar a alguns trechos do livro, aos capítulos em que ele discorre sobre o desejo, sobre a magia e felicidade e, principalmente, sobre o papel do autor diante da obra. Quando se der este retorno, espero estar preparado para compreender um pouco mais do que compreendi até agora.
Profanações parece se adaptar bem a vários tipos de definição: você pode chegar ao livro com os olhos de alguém interessado em filosofia, ou com a curiosidade de ver em ação um dos ensaístas mais afiados do momento, ou ainda com a inocência de quem enxerga no livro algo como cem gramas de chocolate Godiva - que você saboreia aos poucos, disciplinando-se para que ele não termine tão cedo. Talvez esta comporação deixasse qualquer autor irado, é compreensível. Mas acho que ser comparado a um chocolate fino, tanto pelo prazer que ele nos oferece no momento quanto por aquele que nos reserva no futuro, deve ser o sonho de qualquer livro.
No capítulo sobre Magia e Felicidade, por exemplo, Agamben diz que "é provável que a invencível tristeza que às vezes toma conta das crianças nasça precisamente da consciência de que elas não são capazes da magia". Li e reli esta frase diversas vezes, até que ela, prosaicamente talvez, me trouxe à lembrança um destes episódios da infância que eu já julgava perdido. Quando eu tinha uns cinco anos, eu assisti encantado a um episódio do desenho Popeye na televisão. Tudo me parecia muito esquisito: aquele cachimbo que nunca abandonava a boca prognata do marinheiro, a magreza da Olivia Palito, a disputa de Popeye e Brutus por uma mocinha tão desengonçada e de voz tão estridente... Até que, no meio de uma briga qualquer, Popeye recorre a sua lata de espinafre para se transformar num herói cheio de bíceps, coragem e determinação. Aquilo sim foi magia.
Corri até a cozinha e pedi para que minha mãe abrisse uma lata de espinafre. Ela me disse que nunca tinha ouvido falar em espinafre em lata. De tanto que eu insisti, ela abriu uma lata de palmitos e me deu o mais encorpado e macio. Comi o palmito rapidamente, amarrei uma toalha de banho nas costas, subi no muro que separava minha casa do vizinho Paulinho e, sem pensar duas vezes, pulei de uma altura de quase dois metros, confiando nos meus poderes recém-adquiridos de super-herói. Torci o pé e voltei para a sala mancando, com uma tristeza e uma frustração que, décadas depois, o livro Profanações fez a gentileza de ressuscitar.
* Não descobri Giorgio Agamben sozinho. O mérito do livro Profanações ter chegado às minhas mãos vai todo para um amigo mais que querido, que também nunca tinha ouvido falar em espinafre em lata.
Profanações parece se adaptar bem a vários tipos de definição: você pode chegar ao livro com os olhos de alguém interessado em filosofia, ou com a curiosidade de ver em ação um dos ensaístas mais afiados do momento, ou ainda com a inocência de quem enxerga no livro algo como cem gramas de chocolate Godiva - que você saboreia aos poucos, disciplinando-se para que ele não termine tão cedo. Talvez esta comporação deixasse qualquer autor irado, é compreensível. Mas acho que ser comparado a um chocolate fino, tanto pelo prazer que ele nos oferece no momento quanto por aquele que nos reserva no futuro, deve ser o sonho de qualquer livro.
No capítulo sobre Magia e Felicidade, por exemplo, Agamben diz que "é provável que a invencível tristeza que às vezes toma conta das crianças nasça precisamente da consciência de que elas não são capazes da magia". Li e reli esta frase diversas vezes, até que ela, prosaicamente talvez, me trouxe à lembrança um destes episódios da infância que eu já julgava perdido. Quando eu tinha uns cinco anos, eu assisti encantado a um episódio do desenho Popeye na televisão. Tudo me parecia muito esquisito: aquele cachimbo que nunca abandonava a boca prognata do marinheiro, a magreza da Olivia Palito, a disputa de Popeye e Brutus por uma mocinha tão desengonçada e de voz tão estridente... Até que, no meio de uma briga qualquer, Popeye recorre a sua lata de espinafre para se transformar num herói cheio de bíceps, coragem e determinação. Aquilo sim foi magia.
Corri até a cozinha e pedi para que minha mãe abrisse uma lata de espinafre. Ela me disse que nunca tinha ouvido falar em espinafre em lata. De tanto que eu insisti, ela abriu uma lata de palmitos e me deu o mais encorpado e macio. Comi o palmito rapidamente, amarrei uma toalha de banho nas costas, subi no muro que separava minha casa do vizinho Paulinho e, sem pensar duas vezes, pulei de uma altura de quase dois metros, confiando nos meus poderes recém-adquiridos de super-herói. Torci o pé e voltei para a sala mancando, com uma tristeza e uma frustração que, décadas depois, o livro Profanações fez a gentileza de ressuscitar.
* Não descobri Giorgio Agamben sozinho. O mérito do livro Profanações ter chegado às minhas mãos vai todo para um amigo mais que querido, que também nunca tinha ouvido falar em espinafre em lata.
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