Os sites e as emissoras de tevê afirmam, neste final de noite de domingo, que a Parada do Orgulho Gay bateu um novo recorde: 3,5 milhões de pessoas teriam passado pela Paulista. E algumas delas ainda continuavam por lá, por volta da meia-noite, aprisionadas ou pelo excesso de álcool ou por uma singela tentativa de prolongar por mais alguns instantes aquela misteriosa euforia que invade uma avenida que na maior parte do ano se mostra cinza e sisuda. Se os cálculos dos organizadores e da Polícia Militar estiverem corretos, a parada acaba de bater um novo recorde de público, o que já não é mais novidade.
Embora os números sejam essenciais para desenhar as proporções gigantescas que a parada vem assumindo ano após ano, mais importante que eles, sem dúvida, é esta espécie de democracia social, racial e sexual que a parada parece promover. Dizem que no Rio a praia iguala os pobres e ricos. Aqui, ao que parece, esta nobre missão cabe à Parada do Orgulho Gay. Por uma única tarde durante o ano, o mais importante corredor financeiro do País se converte em um cenário de fábula de gente grande, um território onde aparentemente cabe quase tudo: dança, música, porre, beijo na boca, fantasias, carros de som que no lugar de anúncio de greves pulverizam a avenida com batidas eletrônicas, namoricos, paqueras, aplausos, vaias, sorrisos e uma infinidade de outras manifestações que em nada lembram o cotidiano de uma região movida por números, cifras e senhas. É como se a avenida tirasse férias de si mesma por um dia e fosse ela, a própria Paulista, a foliã mais animada entre os seus 3,5 milhões de convivas.
O grande barato da Parada é seu poder de implodir a tirania de um padrão estético que domina o mundo gay no resto do ano - um mundo em que só têm vez aqueles que não chegaram aos 30 anos e que exibem, nas etiquetas das roupas e na circunferência da barriguinha sarada, uma espécie de atestado de que seu tempo foi meticulosamente dividido entre as academias e as lojas da Oscar Freire. A parada é o momento em que as muitas gordurinhas de fora sacodem alegremente ao som de It's raining man, é o lugar em que as cuecas não precisam ser Calvin Klein, em que os dorsos masculinos não precisam lembrar cascos de tartaruga, em que os bonés podem ter sido financiados por um candidato a deputado estadual na eleição passada, em que pode haver falhas entre os dentes, em que ninguém precisa se comportar como se estivesse diante das lentes de uma Anne Leibovitz, em que, acima de tudo, cada um pode revelar, à luz do sol, tudo aquilo que a escuridão das casas noturnas insiste em ocultar o restante do ano.
Neste domingo, assim que o primeiro carro da parada começou a descer a Rua da Consolação, um sujeito obeso, fantasiado de índio, rodopiava solitário em um trecho ainda vazio na frente do Cine Belas Artes. Lembrava uma dança da chuva, ou uma pajelança... ou talvez um ritual que exorcizava, pelo menos por uma tarde, toda aquela pose que nos aprisiona o resto do ano. A dança do índio solitário surtiu efeito: os milhões que vieram atrás dele já estavam absolutamente libertos da aparência. Pelo menos até a manhã desta segunda-feira.
segunda-feira, junho 11, 2007
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Um comentário:
você escreveu o que eu queria ter escrito. lindo lindo lindo. luv. sempre
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