segunda-feira, março 08, 2010

Variações sobre o mesmo tema

Toda semana tem a sua notícia trágica, ainda que não seja de grande impacto na mídia. A da semana passada, na minha opinião, veio do outro lado do mundo. Um casal de coreanos foi capturado pela polícia, após cinco meses de fuga, acusado de não alimentar a filha, um bebê de cinco meses, que morreu de inanição. Chocante, sim. Mas o que vem a seguir é pior: viciados em Internet, os dois passavam mais de 12 horas por dia em uma lan house, obcecados por um joguinho em que deveriam criar uma filha virtual. Enquanto se dedicavam ao bebê do computador, a filhinha de verdade, cujas fotos são estarrecedoras, morria de fome sobre um colchão na sala da casa.

Sem querer soar obsoleto, há algum tempo que a internet, a despeito de todas as suas vantagens e maravilhas, tem enlouquecido algumas pessoas. A Folha de S. Paulo publicou, neste domingo, reportagem mostrando uma série de jovens que, à mesa dos restaurantes, ficam checando e-mails em seus iPhones, deixando os interlocutores com caras de idiota. Já passei por isso e posso atestar que é uma sensação de desprezo irremediável: você ali, convidado que foi para jantar, fica observando seu anfitrião entretido com e-mails e notícias, sem ter nada mais a fazer além de contar as casquinhas de pão que caíram sobre a toalha do restaurante.

Na última sexta-feira, ludibriado pelos elogios da mídia, fui ver Direito de Amar, longa de estreia do estilista Tom Ford, um dos filmes mais bregas que já vi nos últimos tempos. Na sua tentativa de ser um esteta do cinema, quem sabe nos moldes de um Luchino Visconti, Ford nada mais fez do que colecionar imagens que ficariam bem num vídeo promocional de algum motel barato. Mas o povo da moda diz que Tom Ford é Deus e que seu filme tem uma beleza titânica...então, fiquemos assim: quem acreditar nisso, que corra para o cinema mais próximo.

Mas não é sobre o filme da tela que eu queria falar, e sim do filminho que rolou a duas poltronas da minha: assim que as luzes se apagaram, um sujeito relativamente conhecido do mundo cultural da cidade tirou seu iPhone do bolso e começou a checar os e-mails. Primeiro, os leu. Depois, passou a responder um a um. Feito isso, gastou o tempo restante da projeção a ler notícias e incomodar o público com a luzinha que escapava do seu aparelho. Fico pensando se não é mais barato fazer isso em casa. Mas talvez ele more sozinho, e então é mais legal ir ao cinema mostrar o quanto a gente é antenada com a tecnologia.

Eu ainda estava com este episódio na cabeça quando uma amiga me ligou, no início da tarde de ontem. Ela tinha combinado de almoçar com um amigo, mas nada do sujeito aparecer. Ela ligava na casa dele e ninguém atendia, no celular dava caixa postal. Já eram quase três horas quando ela, finalmente, conseguiu falar com o cara. Ele estava em outra cidade e ficou surpreso com o telefonema da minha amiga. “Como assim?”, ele perguntou. “Eu avisei você que não ia almoçar”. Indignada, minha amiga respondeu: “Avisou como? Não me ligou no celular, não me ligou em casa. Para mim, o almoço estava em pé”. E então ele explicou: “Eu avisei pelo facebook”. O que a gente faz com um sujeito desses? Ou seja, agora a gente combina algo com alguém e tem de ficar conectado no facebook, no Orkut e no twitter para saber se o compromisso continua em pé? É isso que o futuro nos reserva?

Já contei aqui que a primeira coisa que fiz neste ano foi sair do twitter. Poucas coisas me deram tanta alegria. Estou no facebook sei lá por qual motivo: nunca usei esta ferramenta para nada. Acho que nem foto eu tenho lá. O que eu preciso dizer, para os poucos e bons amigos que tenho, digo ao vivo ou pelo telefone. Ou por e-mail, que acho bacana também. Porque são formas discretas de comunicação. Digo o que interessa a mim e a eles, e não ao restante do povo que vive conectado. Saí do twitter quando me dei conta de que quase todo mundo usava aquele espaço para falar de si próprio, do sabor do miojo que tinha comido, do chocolate que tinha comprado para a filha e de quantos banhos havia tomado nos dias de calor. Eu vivia me perguntando por que raios eu tinha de saber de tudo isso? Fechei minha conta e fiquei bem feliz.

Hoje eu penso o seguinte: a gente usa o twitter não para dizer aos outros o que estamos fazendo. Usamos para convencer a nós mesmos de que estamos fazendo algo produtivo, de que nossos dias iguais têm uma pitadinha de excitação aqui e ali, de que nosso cotidiano massacrado pela rotina pode parecer interessante aos olhos dos outros. Pois não parece. Nem aos olhos dos outros e nem aos nossos próprios. Infelizmente esta é a nossa vida. Pode ser a nossa danação, ou a nossa delícia, dependendo de como encararmos o fato. Divulgamos o que fazemos na tentativa – saudável, eu acredito – de nos enganar, de nos dar uma importância que na realidade nem sempre temos. Afinal, levar o gato para tomar banho pode até nos fazer feliz. Mas eu pergunto: o mundo precisa saber disso?

4 comentários:

Kiko Rieser disse...

Engraçado... Antigamente eu nunca postava idiotices (ou ao menos nada que eu considerasse como tal) no twitter. De uns tempos pra cá, posto mais em quantidade e pior em qualidade. Acho que isso tem a ver com eu ter começado a morar sozinho. Me sitno sem interlocutores e preciso contar coisas boas ou desabafar sobre as ruins com alguém. Não acho que interesse ao resto do mundo nem que eu esteja certo, mas tem se tornado quase uma compulsão.

Só no blog disse...

Então, meu querido. Eu entendo perfeitamente. Não sei se a gente anda mais sozinho, sem interlocutores, com medo de encarar as pessoas, sei lá. O que eu senti é esta necessidade grande de dizer alguma coisa. Eu também, quando estava no twitter, chegava a me cobrar por não ter nada legal pra dizer, veja só. ERa como uma obrigação: ter algo bacana para contar. Então resolvi me cobrar menos e cair fora.... beijão

Unknown disse...

Mais um texto sensacional. Adorei. Abração.

Só no blog disse...

Valeu, queridão. Muito obrigado.