domingo, março 11, 2007

Uma lambida de despedida

Eu tinha três anos quando pedi meu primeiro cachorro. Alguém, acho que foi meu pai, tentou me ludibriar me dando um coelho. O bicho não conseguiu atrair minha atenção por mais de meia hora e só fez aumentar minha vontade de ter um cachorro. Meu avô, seu Silvério, um descendente de espanhol que tinha sido rígido com os filhos para mais tarde se tornar um velho amoroso, foi quem apareceu com o cãozinho em casa. Bob chegou fedido e sujo de cinzas. Ele tinha nascido, e vivido seu primeiro mês, ao lado de um fogão a lenha de uma família pobre de Jundiaí. Depois do banho Bob se revelou um vira-latinha branco e preto, magrinho e de rabo comprido. Eu não tenho certeza, mas, em troca de Bob, meu avô presenteou à família na qual ele nasceu com um quilo de linguiça. Durante os 17 anos que viveu conosco, Bob sempre foi magro e inacreditavelmente fiel. Ele vivia no fundo do quintal e odiava os vizinhos que tinham voz alta e estridente. Latia alto para todos eles. Nós morávamos em uma casa com um quintal imenso e Bob cresceu no meio de galinhas e dos coelhos que meu pai criava em viveiros de madeira. Às vezes, alguma lebre dava à luz filhotinhos tão miudinhos que eles escorregavam pelas táboas do viveiro e caíam no chão. Bob tomava conta deles, protegendo-os do ataque das galinhas até que alguém da família chegasse para devolvê-los à lebre desesperada. Bob morreu de diabetes, precisou ser sacrificado quando já estava praticamente cego e esquelético. No dia em que ele foi levado embora, minha mãe chorou e eu não tive coragem de aparecer para lhe dar um abraço de adeus.

Hoje, ao ler a matéria de capa da Revista da Folha, sobre cães e gatos que salvaram seus donos de algumas tragédias, ou que os acompanharam quando a tragédia já havia se instalado, me bateu uma saudade gigante do Bob. E passei o dia tentando me lembrar se ele já tinha me salvado de alguma coisa. Agora, no fim da noite, me dei conta de que Bob me salvou de ser uma pessoa que não sabe amar cães, gatos e outros bichos. Eu devia ter dado um grande abraço de despedida no Bob. O danado merecia.

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