Se eu já tinha achado uma missão espinhosa participar como jurado das eliminatórias do concurso de cenas cômicas promovido pelos Parlapatões nos dias 17, 18 e 24, desempenhar a mesma função na final de domingo, dia 25, foi ainda mais complicado. Dez cenas, girando em torno de 20 minutos de duração cada uma, foram apresentadas na seqüência para que, deste conjunto, apenas três fossem premiadas. Platéia abarrotada, torcidas organizadas, mais de 60 pessoas do lado de fora do teatro, à espera de que alguma cadeira por milagre fosse desocupada. Em meio a tudo isso, um surpreendente clima de organização nas coxias, na técnica e na organização do evento: os intervalos entre uma cena e outra não superavam os três minutos e todos os dez números passaram pelo crivo do júri e do público sem nenhum problema técnico mais grave.
O primeiro lugar, com um prêmio no valor de R$ 1 mil, coube à cena Pelo Cano, um comovente e impressionantemente bem-acabado número de clown feito por duas atrizes do Jogando no Quintal. Com uma economia de recursos e uma quase ausência de objetos cênicos, elas alcançaram um resultado de incrível beleza plástica. Em segundo lugar veio o humor contemporâneo e inteligente da dupla As Gêmeas - um texto implacável que metralhou tudo que havia pela frente: os sertanejos, a sociedade de espetáculos, o merchandising da televisão e as cantoras gays da MPB. É Nós na Xita, que combina número de malabares à mais saudosa tradição do teatro de rua, com um resultado que surpreende pelo refinamento da técnica aliado a uma deliciosa ingenuidade de cenários e canções, ficou em terceiro lugar.
Mais do que falar de um ou outro grupo, é importante ressaltar a importância deste evento promovido pelos Parlapatões que, acredito eu, tenha ido muito além das expectativas do público e dos próprios organizadores. Como qualquer concurso deste tipo, seja ele no campo das artes ou da engenharia e arquitetura, o resultado nunca é uniforme. Ao lado de companhias experientes, que exibiram cenas precisas lapidadas ao longo de anos na estrada, surgiram grupos novos, titubeantes no conteúdo de suas propostas e morosos em sua encenação, mas com um experimentalismo que já começa a apontar para alguma direção. Sucesso de público, o grupo de universitários que exibiu o quadro A Traição de Cristo mostrou, por exemplo, que sabe dominar com tranquilidade o universo das sátiras. O que eles fazem, a bem da verdade, não chega a ser exatamente novo: a turma do Casseta & Planeta e o pessoal do Pânico extraem sua matéria-prima da mesma fonte - a sátira aos programas de televisão. Mas ao realizar ao vivo o que os outros fazem amparados pelo conforto dos estúdios e da tecnologia, os rapazes provaram que são um grupo a quem todos os interessados em humor devem ficar atentos. Não ficaram entre os primeiros desta vez, mas com certeza darão o que falar em breve.
Como jurado, talvez não fosse muito ético falar aqui sobre todas as peculiaridades levadas em conta na hora da premiação. De um modo geral, posso apontar aqui alguns fatores que fizeram a diferença. Os mais importantes, e nisso parece ter havido um consenso entre o júri, foram o acabamento de cena, a atualidade do tema (o que envolve a contemporaneidade dos textos ou das situações propostas a partir de imagens), a fluidez do ritmo, o trabalho de ator, a originalidade do assunto, a ousadia a irreverência e a iconoclastia. E, talvez o mais importante de todos: a difícil manutenção no clima de humor ao longo de toda a apresentação. Este primeiro festival parece ter funcionado como uma precisa radiografia de como os grupos, experientes ou novatos, concebem o exercício do humor nestes tempos em que rir está se tornando um hábito cada vez mais escasso. E o resultado final - e só por isso as quatro tardes passadas com os parlapatões já valeram a pena - não teve o sabor de piada velha.
segunda-feira, março 26, 2007
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