E então, numa manhã qualquer, você acorda mais ou menos no horário de todas as outras manhãs. A noite não foi assim tão boa. Você observou os números luminosos do rádio-relógio que tingiam de verde claro o teto do quarto, estava acordado ainda quando a luminosidade da manhã se infiltrou por aquele pedacinho aberto da cortina, que você prometeu fechar antes de se deitar, mas acabou esquecendo. Você se levanta, caminha até o banheiro, olha no espelho e ainda se julga um pouco íntimo daquela figura que o espelho lhe devolve. Escova os dentes, lembra-se de que seu dentista recomendou movimentos mais suaves com a escova, mas naquela manhã você não está nada preocupado com as suas gengivas – se alguma parte do seu corpo vai sangrar um pouco naquele dia, que sejam elas.
Você apanha o jornal no corredor e se ajeita em um canto do sofá em que ainda bate um pouco de sol. Como em todas as outras manhãs da sua vida, você vai ler o jornal de trás para a frente, como se nunca estivesse suficientemente pronto para o impacto de alguma notícia que só poderia ocupar a primeira página. Quando você finalmente chega àquele ponto do jornal do qual todas as outras pessoas provavelmente partiram, você já está um pouco cansado de ler e nada parece ser muito importante mesmo.
É uma manhã exatamente igual a todas as outras, mas você sente que no fundo talvez não seja. Só que você resolve não pensar a respeito, não naquela hora.
E seu dia, então, vagarosamente começa. Dali a pouco o telefone vai tocar, você vai ligar o computador e ver que sua caixa de correspondência está repleta de e-mails que não merecem respostas, o telefone vai tocar de novo, e desta vez você torce que seja para você, o dia avança, você sabe que logo vai precisar sair à rua, talvez tomar um banho antes, ou não, em pouco tempo vai precisar procurar alguma coisa para comer e quando pensa no quê nada lhe vem à cabeça, a não ser aquela sensação de que você está fazendo tudo como sempre fez, mas ainda há algo estranho naquele dia tão rotineiro.
Você almoça, toma duas xícaras de café como sempre, volta para casa caminhando devagar, e percebe que está na hora de trabalhar. Trabalha e é até possível que sinta-se feliz com o que acabou de produzir. Talvez nesta hora enfim chegue um e-mail que mereça resposta, o telefone toca de novo e desta vez é mesmo para você, você conversa, combina alguma coisa para a noite já prevendo que dali a pouco vai desmarcar porque os dias são cheios de imprevistos, liga a televisão porque os noticiários da noite estão começando e ainda que você já tenha visto tudo pela internet, é sempre bom conferir. E finalmente, ainda que você não queira, é preciso pensar um pouco naquele incômodo que o acompanhou durante aquele dia que ainda continua rotineiro.
E então você vê que era apenas um encanto que se quebrou, uma coisinha de nada, uma chama que se apagou tão devagarzinho como se ela não se sentisse no direito de incomodar você. Como se ela nem mesmo fizesse parte de você. Era isso, então, você diz. E era tão pouco. E era quase um nada. E se acabou. No dia seguinte, você vai acordar mais ou menos no horário em que acorda em quase todas as manhãs. E no mesmo instante vai saber que sem aquele encanto, aquela coisinha de nada, aquela chama que nem produziu assim tanto calor, a vida nunca mais será a mesma. Vai ser um dia igual a todos os outros, você sabe disso. E o mais vazio de todos os que você já enfrentou. E você sabe disso também. E contra tudo e contra todos, e contra você mesmo, você se levanta.
domingo, julho 20, 2008
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8 comentários:
entendi
Não é para entender. É para dizer assim: nossa, que bonito. No que será que o Roveri tava pensando...
Hehehehe, nossa que lindo, no que será que o Roveri tava pensando. Brincadeirinha, li um livro tempos atrás de um escritor que gosto muito e ontem, 20, domingo, enquanto voce escrevia "Só mais um dia" eu me lembrei de voce, lembrei do que aquela crítica escreveu sobre a "Coleira de Bória", estava no interior e pensei muito em voce. Quando cheguei em São Paulo fui lá no livro e copiei e postei no meu blog. É dedicado a voce. "Quem procura a essência de um conto no espaço que fica entre a obra e o seu autor comete um erro: é muito melhor procurar não no terreno que fica entre o escritor e sua obra, mas justamente no terreno que fica entre o texto e o seu leitor.
Não que não haja o que procurar entre o texto e seu autor, há lugar para a pesquisa bibliográfica e há lugar para o mexerico, e é possível que haja mesmo determinado "valor mexerical agregado" quando se pesquisa a influência autobiográfica na concepção de diversas obras. Talvez não se deva menosprezar o valor da fofoca - a fofoca é a prima pobre da grande literatura. É verdade que a literatura culta geralmente nem se digna a cumprimentá-la na rua,mas não se deve ignorar a semelhança de família que existe entre elas, que é justo aquele impulso eterno e universal de espiar os segredos dos outros.
Se existe alguém que nunca se deleitou com os prazeres do mexerico, que atire a primeira pedra. Mas os prazeres do mexerico não passam de um enorme algodão-doce-cor-de-rosa empapado de montanhas de açucar. O prazer do mexerico estão tão longe daquele de ler um bom livro quanto um refresco aromatizado e colorido por uma porção de aditivos artificais está longe dá água pura e do bom vinho."
"De amor e trevas", Amós Oz, Companhia das Letras- 2005 - com dedicatória do autor.
Beijo grande e perdoe se o comentário é muito longo.Rachel Rocha
Rachel, querida. Eu sempre fico emocionado com a sua manifestação de carinho, com a sua preocupação em dar um retorno sobre aqueles assuntos que a tocam, em esclarecer e explicar o que você viu e entendeu - e até o que intuiu. É tão raro isso nos dias de hoje, né? Beijão pra você
ai é que está a questão, Roveri. As pessoas ficam preocupadas em entender ou explicar isso ou aquilo e se esquecem de sentir.beijos Rachel
Eu entendi. E vai dizer que eu estou enganado? Claro que não estou...
Claro que não está enganado rimoreno. E desculpe, não tive a menor intenção de critica-lo. Quem sou eu, não é mesmo?Estava pensando num outro post do blog do Sérgio,e ele sabe. Sou leitora deste blog, assim como voce, e devo respeitar a opinião dos leitores do Sérgio.Desculpe.Rachel
Eu sabia, eu sabia. Eu sei, eu sei. Mas não vou falar, tá bem, Roveri, sacoleira de bóris.
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