Há algum tempo que venho pensando na terapia. Não na minha, especificamente - que faço há seis anos e que, por isso mesmo, acaba de se transformar na atividade mais longeva da minha vida depois do emprego no Jornal da Tarde. Nunca fiquei tanto tempo na mesma escola, na mesma academia de ginástica (este tópico chega a ser covardia, assumo) e nem com o mesmo carro. Seis anos que, vejo agora, passaram rápido demais e foram insuficientes para tentar explicar uma existência que se prolonga por muito mais tempo. A terapia, para o bem e para o mal, nunca vai alcançar a vida real. Um encontro casual na esquina, na saída do consultório, pode durar dois minutos e render no mínimo três sessões de análise ao final das quais continuaremos sem saber se o tal encontro, tão inocente, foi casual mesmo ou se nosso cérebro armou um plano diabólico durante o último ano para que, naquele exato momento, fôssemos obrigados a encarar alguém de quem preferíamos manter distância. Sei lá. Resolver alguma coisa na terapia é, para mim, um sonho tão impossível quanto o de conhecer a Superterra, o novo planeta que fica logo ali, a 20 anos-luz de distância deste nosso mundinho cada vez menos azul. E, ainda assim, há seis anos eu olho para o meu terapeuta com a esperança infantil de que ele encontre as soluções para problemas que nem dele são.
Depois de muito pensar sobre a terapia, cheguei à conclusão pessoal de que podem ser três os motivos que nos levam a pousar as costas sobre um divã: um trauma específico e localizado, o desejo de um aprimoramento pessoal também específico (uma espécie de upgrade que a gente costuma dar no computador de dois em dois anos desde que nossos arquivos pessoais sejam preservados), ou a tentativa de nos transformar em outra pessoa, definitivamente melhor do que esta que somos e da qual às vezes nos sentimos irremediavelmente cansados. Talvez eu tenha sido fisgado por esta terceira opção, a mais cruel, traiçoeira e ingrata entre elas. Mas acredito que, no fundo, é a que nos seduz a todos. Se vamos mexer em algumas de nossas estruturas, por que não colocar o edifício todo abaixo e reconstruí-lo com uma arquitetura mais moderna, funcional, cool, contemporânea, bela e isenta aos terremotos da vida? É um direito legítimo que temos, não é? Não fosse a nossa própria mente a primeira autoridade a embargar a nossa obra ainda tão incipiente, ainda tão no alicerce, ainda tão sujeita à menor das intempéries.
Não, não nos daremos o nosso próprio alvará para prosseguir com esta reforma tão radical. Não colocaremos nosso edifício abaixo, não implodiremos nossas estruturas e jamais construíremos um edifício mais belo no lugar deste que tantas vezes se revela capenga. No máximo, mudaremos um quadro de lugar, um detalhe na decoração, com muito esforço a cor da fachada, talvez. Mas sinto que cada um dos nossos cômodos continuará a ser do mesmo tamanho, nossos móveis prosseguirão obsoletos e cada vez mais difíceis de serem mudados de lugar, o capim continuará a crescer no nosso quintal, não teremos um jardim de inverno e nem carpas japonesas, continuaremos a riscar nosso carro nos limites estreitos da garagem da nossa alma, às vezes faltará água, às vezes o cobertor será curto, às vezes a geladeira estará vazia, às vezes as lâmpadas se queimarão no momento em que mais precisamos de luz. E ainda assim, quando tudo isso ocorrer, simultaneamente ou a intervalos mais suportáveis, continuaremos a abrir nossas janelas para que entre um pouco de sol e calor. E, no final da tarde, olharemos com certa ternura para esta nossa casa um pouco velha. E ficaremos felizes de saber que ela ainda é o melhor abrigo para a noite que se aproxima.
segunda-feira, abril 30, 2007
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4 comentários:
roveri, a blogosfera é um lugar incrível e encontramos gente que nem imaginávamos. bom, vc que é o mestre da terapia, saiba que eu nunca fiz. riso. na verdade, minha terapia é feita constantemente com o Dr.
PhD Mr. Chocolate.
É gostoso, dá prazer, mas sempre faz eu voltar ao divã. Tb tô dependente dele. Rs
Oi, Fran, valeu pela visita e pelos três comentários que você fez...E quem não é dependente de chocolate hoje em dia? Não há divã no mundo que me afaste de um bom sonho de valsa....
Roveri,
Cada vez que volto a seu blog, a primeira reação é sempre a mesma: Como ele escreve bem!!!!!
abração,
Aimar
Lindo demais... beijos, querido.
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