Feriado enrustido de 21 de abril. Metade dos lugares funcionando, a outra metade fechada. Não sei se é mania de perseguição da minha parte, mas hoje, justo hoje, inventei de precisar dos serviços daquela metade que estava fechada. Do café aqui perto de casa a uma loja na Vila Madalena, onde eu precisava comprar um presente e dei com a cara na porta.
Sem pressa, resolvo caminhar por um parque perto da Doutor Arnaldo. Típica manhã paulistana: algumas crianças brincando na grama, passarinhos cantando nas árvores e labradores fazendo a festa nos postes e no pouco de terra batida que eles encontraram. De repente, um grito. Dali a pouco, o grito de novo - o mesmo grito. Não um grito de quem pede socorro, de quem está assustado ou foi surpreendido por um ladrão. Mas um grito dolorido, sincopado, sempre da mesma altura e com a mesma intensidade. Como o badalar de um relógio.
Havia um deficiente caminhando pelo parque, sozinho e não tão jovem. A cada dois ou três passos, era ele que emitia um grito. Um ruído seco que parecia fazer parte da sua anatomia, um gesto tão natural quanto balançar os braços enquanto se caminha. Talvez ele nem notasse mais os próprios gritos, como nós não notamos os nossos braços a balançar quando andamos. E então eu fiquei irritado - por mais horrível que seja confessar isso aqui, eu fiquei mesmo irritado. Aquele grito quebrava a harmonia de um pequeno mundo perfeito, verde e seguro: um mundo de crianças, passarinhos, labradores e adultos tomando água de coco. Um mundo de paisagem. E o grito, a cada vez que era emitido, corrompia esta nossa natureza morta.
Depois da irritação, a constatação: aquele grito era o diferente, era a voz do outro que me irritava por me lembrar que aquele mundo embrulhado para presente era tão dele quanto meu. E tive mais uma vez a certeza, embora sem surpresa, que conviver com o outro era aprender a ouvir e a aceitar seus gritos, ainda que eles venham a riscar o vinil das nossas vidas. Depois de mais algumas voltas, o grito parou. O deficiente tinha ido embora, provavelmente sozinho. O parque voltou a ficar em silêncio e eu também tomei o caminho de casa. Aquela quietude toda havia ficado sem graça.
sábado, abril 21, 2007
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