quinta-feira, abril 05, 2007

Você tem fome de quê?

A coluna do psicanalista Contardo Galligaris, publicada semanalmente na Folha, é uma das primeiras coisas que leio nas manhãs de quinta-feira. O que não quer dizer que eu concorde integralmente com suas opiniões, mas não consigo deixar de admirar suaa capacidade de apresentar argumentos muito convincentes na defesa, ou apenas na apresentação, de suas teses. Hoje ele escreveu sobre o rabino Henry Sobel, acusado de roubar quatro gravatas de grife em Palm Beach, na Flórida. Foi um artigo revelador por me chamar a atenção sobre uma coisa absolutamente óbvia, mas na qual eu não havia pensado: Sobel não precisa roubar gravatas, pois sua situação financeira deve ser confortável o bastante para que ele adquira mais gravatas do que seu pescoço seja capaz de suportar. Da mesma maneira que a atriz Winona Ryder, e da mesma maneira que o estilista Ronaldo Ésper, flagrado roubando vasos de concreto de um cemitério em São Paulo. Todos podiam pagar por aquilo que estavam roubando, explicou o psicanalista. Então, por que roubam? Porque querem, e sobre isso os psicanalistas adoram chafurdar, prejudicar a si próprios, sofrer, arranhar sua reputação até se revelarem, acima de tudo, como simples mortais.

Estas explicações cumprem um papel muito interessante. À medida que atraem a atenção da ciência os furtos migram do terreno da contravenção para o da psicanálise. Assim, quem pratica o roubo deixa de ser simplesmente um ladrão e passa a ser uma pessoa acometida de algum problema emocional normalmente grave. Não tenho nada contra essa explicação. Digo mais: acredito até que qualquer um de nós estejamos sujeitos a mais esta desordem emocional.

Mas, ao terminar de ler a coluna, não pude deixar de pensar em uma jovem mãe paupérrima que foi condenada a oito meses de prisão por roubar uma lata de manteiga Aviação na cidade de Jundiaí. Uma latinha de manteiga que, se não me engano, não custava mais do que R$ 3. Ao ser presa, ela alegou que seu filho, de dois anos, tinha amanhecido naquele dia com vontade de comer pão com manteiga. Só isso, pão com manteiga. Ele não queria passear no shopping, não ansiava por um novo brinquedo eletrônico, um play station, nada disso. Seu desejo, naquela triste manhã, era de ver sua boquinha lambusada em uma fatia de pão com manteiga. E por isso a mãe roubou a latinha, para aplacar a fome do filho, que na cabeça dela devia ser muito mais alarmante do que qualquer tese psicanalítica sobre o roubo. Ela terminou presa em flagrante e, depois de oito meses de cadeia, não havia aparecido colunista algum, psicanalista algum, cientista social algum para tentar explicar à sociedade o gesto desesperado daquele mãe. A ciência não está interessada em presentear com explicações aqueles que roubam por que têm fome. Talvez não seja um coisa tão glamourosa de lermos logo de manhã, enquanto tomamos café com pão com manteiga.

3 comentários:

Alberico da Mota Silveira Filho disse...

Adorei o que vc escreveu sobre esse tal "fenômeno" Henry Sobel. Sempre tive um enorme respeito pelos escritos do Contardo, mas é que a PSICANÁLISE só explica e privilegia as condutas dos ricos . INFELIZMENTE ...
Abraços Albérico !

Anônimo disse...

e se fosse só este discurso o falído mas como já disse num mini-conto no desafio literario lá da unisinos;descursos falídos são exercícios do dia a dia:independência ou morte !
muito bom seu blog,bloguemos então...www.punctumstudium.blogspot.com

Só no blog disse...

Meus caros Anônimo e Alberico:
Em primeiro lugar, fiquei muito feliz com a visita de vocês ao meu blog. Espero que tenham curtido. E mais feliz ainda com os comentários que vocês fizeram. Espero que sejam os primeiros de uma longa série.
Um grande abraço
Roveri