A exposição sobre Darwin, no Masp, até o momento parece não ter despertado no público o mesmo interesse de outras mostras recentes que passaram pela cidade, ou que ainda estão por aqui, como a das gravuras de Goya, a das imagens do corpo humano, na Oca, ou mesmo o sertão de Guimarães Rosa mapeado até o mês passado no Museu da Língua Portuguesa. Talvez porque os objetos expostos no Masp não despertem mesmo um interesse tão imediato: grande parte do acervo da mostra é composta por manuscritos, reproduções de pouco apelo visual e alguns animais vivos que surpreendem mais pelo aparente desconforto de suas pequenas jaulas ou aquários.
O impacto da mostra de Darwin não é visual, já que, ao contrário de Rodin, Michelangelo ou Renoir, ele não passou a vida empenhado em criar formas sublimes. Seu olhar sempre se voltou para os besouros, os ratos, caramujos e iguanas, criaturas sobre cuja aparência a estética nunca se debruçou. Assim, os sintomas de uma visita à mostra de Darwin surgem com efeito retardado: quando se abandona o Masp, às vezes mais tarde, às vezes no dia seguinte, é que se percebe que o que vimos ali foi o nosso atestado de antecedentes. Darwin nos presenteia com o nosso próprio passado e, por tabela, nos obriga a rever todos os nossos valores sobre ética, amor próprio, senso de responsabilidade e luta pela sobrevivência.
Antes de Darwin, ou melhor, antes de sua viagem de cinco anos ao redor do planeta a bordo do pequeno Beagle, a história do nosso surgimento repousava confortável nas páginas da Bíblia: a Terra tinha apenas seis mil anos e o homem havia sido criado à imagem e semelhança de Deus para reinar sobre todas as outras espécies. Ao publicar o seu livro mais impactante, A Origem das Espécies, Darwin comprovou que nós, humanos, éramos parentes de todas as demais espécies e que, como elas, havíamos evoluído a partir de um ancestral comum. Ao explicar a nossa origem, Darwin retirou o sopro divino de nossas vidas e, talvez sem querer, revelou que estávamos irremediavelmente sozinhos neste planeta, a menos que reconhecêssemos nos gorilas, chimpanzés e orangotangos os nossos parentes mais próximos.
A seção mais comovente da exposição é aquela dedicada à vida familiar de Darwin. Em particular, a passagem que registra a morte de sua filha Annie, provavelmente vítima de tuberculose, aos 10 anos de idade. A morte da menina talvez tenha sido o mais duro dos golpes que o naturalista e sua mulher, Emma, tiveram na vida. Mas, revelam os biógrafos, a dor de Darwin pode ter sido ainda maior que a da sua esposa, já que ela, mulher religiosa, acreditava que a menina descansava no céu. Ele, o grande Darwin, nem com isso podia contar: o homem que descobrira que nós e os macacos descendíamos da mesma linhagem não podia mais se dar ao luxo de acreditar no céu. Sua filha havia simplesmente desaparecido para sempre, como desaparecem os representantes de qualquer outra espécie. E este foi, seguramente, o mais amargo e irônico dos resultados a que sua vida de pesquisa poderia chegar.
quarta-feira, maio 23, 2007
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Um comentário:
belo texto, massa, e bela reflexão. vai me custar, esse texto. vou neste fim de semana ao masp, pra ver isso por mim mesmo. obrigado, grande beijo. inté.
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