Entrevistei Eva Wilma por quase meia hora sobre a estréia da peça O Manifesto, que entra em cartaz nesta sexta-feira no Teatro Renaissance. Encontrei um atriz animada, falante, disposta - muito diferente da mesma Eva Wilma com quem falei alguns meses após a morte de seu companheiro Carlos Zara. Na época, ainda bastante abalada com a perda, ela sentia a necessidade de falar muito mais dele do que do próprio trabalho que estava prestes a estrear, o monólogo Primeira Pessoa, espetáculo confessional, repleto de recordações e saudades. Agora, em O Manifesto, ela vive a esposa de um general interpretado por Othon Bastos, que um dia decide assinar uma petição contra a Guerra do Iraque. Esta assinatura representa, de algum modo, o grito de liberdade de uma mulher que se manteve ligada ao mesmo marido por quase 50 anos. Quando o general resolve questioná-la sobre o manifesto contra a guerra, surge em cena uma série de revelações sufocadas pelo cotidiano. Entre elas, a notícia de que a mulher está seriamente doente. É por isso que O Manifesto, na opinião de Eva Wilma, é uma peça que trata, acima de tudo, da finitude da vida. Fiquei pensando muito neste termo, a finitude da vida...
Há algumas semanas, meus pais resolveram ampliar um muro que existe no fundo do quintal da casa deles, em Jundiaí. Para isso, foi preciso cortar uma árvore que dificultava a reforma, uma pitangueira, se não me engano. Assim que terminou de cortar a árvore, o pedreiro chamou meu pai para mostrar que havia, num dos galhos mais altos, um ninho de passarinho, felizmente sem ovo algum. No final daquela mesma tarde, um casal de rolinhas apareceu. O ninho era deles. Quando não viram mais a árvore, os bichinhos ficaram perdidos, voando baixo, em busca da casa que havia sido destruída. E, então, pousaram no chão mesmo. Meu pai tem uma gata, chamada Mafalda, exímia caçadora de borboletas, moscas, lagartixas e passarinhos, ainda que todos na família insistam em, diariamente, reprimir seus instintos naturais, dando quantidades extras de ração para que ela não saia por aí caçando feito uma desesperada. Mas é inútil. Ao ver as rolinhas no chão, Mafalda deu um golpe certeiro, ali, na frente de todo mundo, e abocanhou uma delas. A outra voou assustada. Naquela noite, a rolinha sobrevivente não tinha mais casa nem parceiro. Até o dia anterior, provavelmente ela deve ter sido um pássaro mais feliz. Tinha onde dormir, tinha um parceiro e o ninho estava ali, à espera dos ovos, como prova da continuidade da vida. De uma hora para outra, ela perdeu tudo. Aquela triste rolinha passou a ser, para mim, o exemplo mais acabado de que a finitude da vida não era um privilégio de nós, humanos. Claro que não tive coragem de contar esta história para a Eva Wilma. Mas ela não me saía da cabeça enquanto a atriz, com elegância e voz trabalhada, me falava calmamente sobre o que era a finitude da vida. Será que Eva Wilma ficaria brava se eu dissesse que sua personagem na peça O Manifesto tinha muito a ver com aquela rolinha solitária lá de Jundiaí? Acho que não, acho que ela até entenderia...
quinta-feira, maio 10, 2007
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2 comentários:
Estou profundamente emocioanda com esse texto. A vida não se limita apenas aos homens mas a um Universo maior. Para nós artistas a morte sempre acontece uns instantes antes de entrar no palco, morremos um pouco para a personagem nascer e então, a personagem morre para seguirmos nossas vidas a espera de uma nova personagem a ser vivida, e morremos novamente mais um pouco. Vida e morte estão interligadas, uma depende da outra para a existência-evolução seguir seu caminho.
Abraços e parabéns mais uma vez pelo blog!
Nossa, Sergio, que texto lindo!
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