À exceção de alguns católicos mais fervorosos, acredito que a recente viagem do papa Bento 16 a São Paulo não interesse a mais ninguém. Por algum motivo qualquer, passei a tarde desta terça-feira pensando no papa. Não exatamente em algo para escrever aqui neste espaço, mas no papa mesmo, ou, quem sabe, na herança que sua viagem nos deixou. Depois de ler um certeiro comentário sobre o papa feito por Alberto Guzik em seu blog, vi que praticamente tudo havia sido dito ali: em tom jornalístico ele falou sobre os números da viagem, interpretou a cobertura das televisões, encerrou o assunto praticamente, deixando muito pouco a ser dito. Ainda assim, não parei de pensar em Bento 16, que a esta hora deve estar repousando tranquilo no Vaticano, talvez com uma reconfortante sensação de missão cumprida. Não deve ser fácil, para alguém de 80 anos, atravessar um oceano para reafirmar um tipo de crença que por aqui parece ter enfrentado uma certa resistência.
Durante o ano que passei no Exército, fui ensinado a respeitar não a pessoa dos tenentes e capitães, mas sim as insígnias que enfeitavam seus braços, as estrelas que brilhavam em seus ombros. Ainda que vocês não gostem de nós, diziam eles diante dos pelotões, vocês nos devem respeito, pois somos superiores. Eu nunca mais havia pensado neste tipo forçado de admiração e respeito até a chegada do papa. A mim, é esta a imagem que ele transmite: a de um líder religioso a quem devemos respeitar, mas não conseguimos verdadeiramente amar. Sua visita nos fez lembrar muito mais das privações da vida do que de seus eventuais prazeres - como se fosse um síndico a nos alertar, dentro de um elevador do qual não podemos fugir, que nosso condomínio está atrasado, que não comparecemos à última reunião e que seremos multados por ter ouvido música alta depois das dez da noite. Não me restou na memória um único gesto mais tocante do papa durante seus poucos dias na cidade, uma palavra mais calorosa que não soasse ensaiada, uma expressão um pouco menos dura em seu rosto já cansado, uma gafe que o humanizasse para além de suas vestes e seu anel. Talvez um católico mais competente que eu tenha enxergado tudo isso até em demasia, mas meus olhos poucos treinados para a autoridade religiosa viram muito pouco.
Confesso que eu nunca achei assim tão difícil a missão dos religiosos. Tudo que eles fazem, dizem e ensinam, na minha caolha opinião de leigo, poderia se resumir a um único e essencial mandamento: ame ao próximo como a si mesmo. E seria este seu único ensinamento, sua única pregação, a única lição que eles passariam a vida a repetir, até que nós, pecadores que somos, finalmente a aprendêssemos e a praticássemos. E tudo o mais seria abolido: os demais mandamentos, as ladainhas, os pecados...tudo seria queimado numa fogueira orgiástica que nada teria a ver com a fogueira na qual Roberto Carlos pretende jogar os exemplares do livro que conta sua vida e que ele por simples capricho abominou. O mundo só precisaria saber desta única lição, a de amar o próximo e não fazer com ele o que não gostaríamos de ver feito a nós mesmos. Todo o resto seria consequência deste amor. O uso da camisinha, a união entre pessoas do mesmo sexo, o sacerdócio feminino, o nosso diálogo direto com Deus sem a ajuda de atravessadores, o respeito às raças, a proteção às crianças, aos animais e ao planeta...do alto da sua janela, lá no Vaticano, o papa veria um mundo novo e, quem sabe, ficasse mais feliz em saber que ele, assim como cada um de nós, também estaria livre do fogo do inferno com o qual ele vive insistindo em nos chamuscar.
* Em homenagem ao amigo Gustavo Fioratti, que me deu o título de presente
terça-feira, maio 15, 2007
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Um comentário:
adorei essa tua viagem ao redor do papa. e o título do guga é tudo. que sacada!
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