Os rumos da justiça brasileira (ou a falta deles) parecem estar um pouco além da compreensão do cidadão comum. Tavez tenha causado surpresa a muita gente, a mim realmente causou, a decisão do promotor Ricardo Manuel Castro, que denunciou por homicídio culposo o biólogo Ricardo César Garcia, o jovem pai que numa manhã do último mês de abril esqueceu seu filho Gustavo, de pouco mais de um ano, trancado no interior de seu carro, na cidade de Guarulhos. Segundo notícias publicadas na época, ao se dar conta do que havia feito, o biólogo correu enlouquecido em direção ao veículo, gritando pelo nome do filho. Quando chegou, era tarde demais. O garotinho, já desfalecido, morreria a caminho do hospital. Agora, com a decisão do promotor, o biólogo irá a júri popular - o que significa dizer que terá de reviver várias vezes, e em público, o horror daquela manhã. Se é que ele tenha sido capaz de se esquecer dela, por um segundo sequer.
Não tenho filhos, o que não me impediu de enxergar a dimensão exata daquela tragédia familiar. Todas as notícias publicadas à época davam conta de que Ricardo era um pai mais que zeloso e extremamente responsável. O que teria, então, acontecido com ele naquela manhã? Uma quebra inesperada na sua rotina de trabalho? Problemas financeiros? Preocupações com o emprego? Uma briga com a mulher? Contas atrasadas? Tudo isso junto ou nada disso? Acredito que, desde aquela manhã, Ricardo esteja se fazendo estas e tantas outras perguntas milhares de vezes ao dia. Mais: continuará se autoflagelando e lutando pelo perdão do filho ausente até o último dos seus suspiros. Naquele dia achei, e continuo achando, que não pode haver castigo maior para um ser humano do que sentir-se responsável pela morte de alguém. Quando este alguém, por uma dessas armadilhas do destino, trata-se do próprio filho, o volume da culpa deve transformar a mais terrível das tragédias gregas em adocicada fábula infantil.
Quando eu tinha 15 anos e vivia em Jundiaí, um vizinho, chamado Milton, atropelou e matou o filho caçula quando saía com seu caminhão de marcha-à-ré da garagem de sua casa. O garoto, dois ou três anos não me lembro, havia se metido entre as rodas e não foi visto pelo pai ou pela mãe. Depois do acidente, Milton vendeu o caminhão, que era seu instrumento de trabalho, e passou os nove meses seguintes sentado calado, na mesa do bar ao lado da casa, com o olhar perdido em algum lugar. No fim do nono mês, morreu. Não houve terapia, medicamento ou reza brava que o resgatassem da depressão abissal na qual ele mergulhara.
Desejo, de todo o coração e com a mais profunda das minhas poucas orações, que o destino reserve um outro final para o pai Ricardo César Garcia. Que em algum momento dos seus dias ele encontre paz e, principalmente, algum tipo de resposta que, ao menos para ele, esclareça o que ocorreu naquela manhã. Que ele sinceramente se perdoe e que reserve muito do seu amor para os futuros filhos que a vida ainda há de lhe dar.
E que os promotores brasileiros prestem mais atenção nos corruptos, nos senadores que têm suas contas pagas por empreiteiros, nos devassos, nos criminosos do colarinho branco, nos que manipulam a fé do povo e constróem impérios a partir de dízimos pagos por miseráveis, nos que roubam merenda escolar e com isso causam, propositadamente, a morte não de uma, mas de inúmeras crianças País afora, nos juros dos bancos, nas escolas sucateadas, na polícia violenta, nos traficantes, nas balas perdidas, nos envolvidos em todas as operações de nome bonito deflagradas pela Polícia Federal, nos mensaleiros e nos nossos políticos. E que deixem o biólogo Ricardo César Garcia em paz. Não há justiça dos homens mais implacável do que aquela que ele vem enfrentando desde o momento em que o pequeno Gustavo morreu em seus braços.
quarta-feira, maio 30, 2007
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2 comentários:
Concordo Sergio, achei essa sentença muito injusta, para dizer o mínimo. Cruel o destino desse pai que terá de viver com a culpa de ter matado involuntariamente o que ele mais amava no mundo e ainda pagar por isso na justiça. Cruéis sao os promotores e juízes deste país quecondenam Ricardo e soltam Farah Jorge Farah...
Parabéns , vc merece pois este absurdado deste promotor , creio eu , não conhece Leis e não tem sentimentos! Iara , amiga e ex vizinha do casal Ricardo e Magna!
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