Fim de semana teatral, como têm sido quase todos os outros, para ser sincero. Mas neste houve algo de especial, que talvez mereça registro: a distância estética entre os espetáculos vistos. No sábado, O Manifesto, no Teatro Renaissance; no domingo, O Perfeito Cozinheiro das Almas Deste Mundo, no Sesc Avenida Paulista, duas peças separadas por quilômetros de ousadias, propostas, encenações e perfomance do elenco.
O Manifesto é um brinde ao convencionalismo. Tudo funciona de uma maneira tão milimetricamente já testada que é difícil conseguir algum arrebatamento na história de um casal que passa quase duas horas discutindo suas desavenças políticas e suas picuinhas amorosas tendo como pano de fundo a invasão americana no Iraque e uma doença terminal que afeta a personagem Margareth, vivida com a costumeira elegância e competência por Eva Wilma. A atriz encontra em Othon Bastos um parceiro à altura, mas a peça não vai muito além disso: é uma bela partida de tênis entre dois grandes atores que não deixam a bolinha tocar o solo. O texto, escrito pelo inglês Brian Clark há mais de 20 anos, foi atualizado por ele mesmo especialmente para esta montagem. No original, a peça fazia referência à Guerra do Vietnã. No meio do espetáculo, me lembrei de uma pergunta feita há algumas semanas pelo dramaturgo Mário Viana: será que todo espetáculo de dois atores está eternamente condenado ao velho esquema pergunta-resposta, indagou ele. Não sei se está, mas O Manifesto leva esta equação às alturas. Do cenário à trilha sonora, tudo é de um deja-vu indisfarçável. Flávio Marinho, que não ousou em nenhum segundo do espetáculo, atinge o auge do previsível quando, a poucos minutos do fim, presenteia a platéia com uma chuva de folhas secas que avisam que está chegando a hora de ir para casa.
O Perfeito Cozinheiro das Almas Deste Mundo segue uma trilha completamente oposta. Ali tudo tem gosto de surpresa e frescor, do cenário deslumbrante à narrativa fragmentada, da interpretação naturalista do elenco à projeção de vídeos que ilustram as cenas. A peça é dirigida pelo carioca Jefferson de Miranda, que há três anos mostrou o estupendo Deve Haver Algum Sentido em Mim que Basta, no Sesc Belenzinho, considerado pela APCA, merecidamente, como o melhor espetáculo do ano. O Perfeito Cozinheiro retoma a fórmula vitoriosa de Deve Haver, mas não chega tão longe quanto a matriz. Esteticamente é um espetáculo deslumbrante, mas a dramaturgia de Nina Crintzs não fornece um alicerce tão seguro para as ousadias da encenação. A história de amor de final infeliz entre uma normalista e Oswald de Andrade, que tinha como cenário uma garçonnière mantida pelo escritor no centro de São Paulo, nunca chega realmente a decolar e a ambientação da trama em três épocas diferentes precisaria de alguma costura um pouco mais consistente. A passagem ambientada no futuro, por exemplo, soa deslocada do resto do espetáculo e parece ter sido criada apenas para nos mostrar que, daqui a algumas décadas, as pessoas vão se vestir muito mal.
segunda-feira, maio 28, 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Prezado Sérgio:
Aqui é Gabriel, repórter da revista IMPRENSA: preciso do seu contato para uma entrevista. É possível fornecê-lo? Se sim, encaminhe-o para gabrielkwak@portalimprensa.com.br
Obrigadíssimo.
Postar um comentário