domingo, maio 20, 2007

O skatista solitário


Se não é uma das mais belas da cidade, a praça Horário Sabino seguramente é, ao menos, uma das mais ecléticas. Situada no trecho mais classudo da Rua João Moura, quando o bairro do Sumaré começa a se transformar lentamente na Vila Madalena, a praça parece se adaptar a uma série infinita de perfis. Mamães com filhos de colo dividem o espaço com cachorros, alunos de auto-escola, adestradores de cães, praticantes de ioga, estudantes da Escola Estadual Antonio Alves Cruz, equilibristas em pernas de pau e grupos de jovens maconheiros que emprestam à praça aquele irresistível aroma que a gente conhece de longe - estes últimos a polícia não deixa em paz, não tem jeito. Eu deveria frequentar muito mais aquela praça, já que moro a apenas três quadras dali. Mas alguém pode me apontar um morador de prédio com piscina que realmente desça de vez em quando para dar umas braçadas? A gente parece nunca saber usar o que está à mão.

A praça sempre me atraiu pela beleza e por esta multiplicidade de usos. Outro dia, os moradores se reuniram e mandaram celebrar uma missa em louvor sabe de quem? Da saúde dos cães e gatos que frequentam o local. Isso mesmo: era uma missa em ação de graças pela saúde e bem-estar dos animais. Foi um dos mais belos e tocantes exemplos de cidadania que eu vi no bairro. E, antes que alguém já surja com críticas engajadas, eles também mandam celebrar missas em louvor dos humanos, sim. E estas são bem mais numerosas.

Mas o que mais chama a atenção na praça, durante os fins de semana, é a presença dos skatistas. Eles descobriram que a ladeira que circunda a praça, a qual passaram a chamar de Ladeira do Alves, era perfeita para a prática do esporte, com sua inclinação suave, seu asfalto lisinho e o pouco trânsito de automóveis. Aos sábados e domingos, eles começam a chegar por volta do meio-dia e, às quatro da tarde, o movimento está no pico. A Ladeira do Alves começa na escola e desce sinuosa por uns 150 metros até terminar na João Moura. Ali, depois de manobras e contorcionismos invejáveis, os skatistas pedem carona aos motoristas para chegar ao topo de novo. Perdi a conta de quantas vezes levei grupos de skatistas agarrados à janela e ao pára-choque do carro. Com medo de algum acidente, sempre subi em primeira marcha, lento demais. Eles não gostam tanto. Batem no vidro e dizem: pode acelerar, tio. Ou mano, sei lá, algo do tipo. Acho que de tio não me chamaram, não. Ao menos, espero que não.

Até que, na semana passada, ao passar pela praça, vi um grande grupo de funcionários da prefeitura, divididos em três frentes, destruindo o asfalto da Ladeira do Alves - aquele pequeno paraíso tinha ficado com cara de Bagdá. Parei o carro e perguntei o que eles estavam fazendo. "Vamos colocar paralelepípedos para os skatistas não descerem tão depressa". Não acreditei no que ouvi. Desde quando skatista gosta de paralelepípedo? Desde quando qualquer praticante de esporte radical precisa que o poder público coloque freios em suas atividades? Segurança do esportista é uma coisa, mas acabar com o prazer é outra. Na hora vi que a prefeitura estava pondo um fim ao lazer gratuito de uma galera que parecia vir da cidade inteira para se divertir ali. E não deu outra: hoje, um belíssimo e ensolarado domingo de outono, resolvo passear na praça, exatamente às 16h, e a visão foi de uma tristeza só: toda a ladeira esburacada e um único skatista, somente um mesmo, sentado ao lado do skate, de boné e cara de abandono. Provavelmente ele nem se arriscaria a descer, provavelmente não acreditava no que estava vendo: seus fins de semana destruídos a golpes de picareta. É triste ver que a mesma prefeitura que promoveu a virada cultural e levou 3 milhões de pessoas às ruas, agora mande um grupo de funcionários acabar com o único sobe e desce aventureiro que aqueles jovens encontravam na hoje bem menos bela praça Horácio Sabino.

3 comentários:

Anônimo disse...

Pois é, eu além de skatista sou jornalista, e justamente o que mais dói é saber que este espaço, onde jovens de todas as classes sociais conviviam em paz, e onde existia realmente uma interação social, está sendo destruído sem aviso , sem alarde e num lugar que não precisa de reparos, enquanto tantas ruas em Sp permanecem esburacadas. A prefeitura tira mais um espaço de lazer e convivência, que ainda conservava a democracia das "peladas" na rua de antigamente.

Só no blog disse...

Concordo com você, cara. Todo hora que eu passo lá - e olha que passo lá direto - me dá a maior tristeza de ver a praça vazia, só com buracos, faixas e cones para desviar o trânsito. Realmente não entendi esta medida, é muito deprimente mesmo

Anônimo disse...

Cara, isso é um absurdo! Como você falou, a prefeitura acabou com a diversão gratuita e programa de finais de semana de algumas centenas de pessoas! O que eles querem, que as pessoas fiquem trancadas em casa assistindo TV? É muito triste e revoltante! Alguém sabe o e-mail do Turco Loco, o cara que sempre foi skatista e pediu os nossos votos pra se eleger? Ele podia fazer alguma coisa pra tentar ajudar o pessoal!
Mais um detalhe: essa cidade não tem espaços pra andar de skate. No exterior, existem milhões de praças, pátios e lugares concretados pra andar de graça. Eles podiam chamar uns arquitetos e remodelar algumas praças pra colocar concreto e criar novos points de skate. Por exemplo, na praça Charles Muller (em frente ao Estádio do Pacaembu), pega um pedaço pequeno daquele estacionamento gigante e concreta e põe umas rampas, obstáculos, etc... É muito barato fazer isso, e ia gerar diversão e passatempo pra muita gente!