domingo, fevereiro 22, 2009

Chega de aperitivo chato

O cinema sempre foi uma das minhas principais diversões em São Paulo. Às vezes, acho que o termo “diversão” nem é o mais apropriado para definir a nossa ida aos cinemas. Filmes como A Vida Dos Outros, Foi Apenas Um Sonho, Medos Privados em Lugares Públicos e Lemmon Tree, apenas para ficar em alguns títulos mais recentes, não são exatamente opções divertidas para um fim de semana: são, e talvez devamos ser gratos a isso, uma saudável vocação de parte da indústria cinematográfica de traduzir alguns dos nossos desejos, anseios e pesadelos mais recorrentes. Penso que não se pode classificar de diversão uma atividade que nos obriga a horas e horas de reflexão sobre as nossas próprias atitudes quando as luzes se acendem. Um certo tipo de cinema é, para mim, como também o é um certo tipo de teatro, algo que se aproxima da catarse, do nosso grande silêncio interior, de uma sessão de psicanálise ou de uma dessas conversas fundamentais que costumamos manter, às vezes, com nossos amigos mais íntimos e queridos enquanto a madrugada avança sobre um boteco qualquer da cidade. Neste sentido, a literatura talvez exerça um papel ainda mais preponderante – mas não é sobre isso que eu desejo falar.

O que eu desejo falar, na verdade, é sobre um certo tipo de punição que recai sobre quem costuma ir com alguma freqüência ao cinema. E também não vou falar aqui sobre as pessoas que atendem o celular ou conversam sem parar durante a projeção – pois disso eu também já falei. Eu quero falar sobre a irritante repetição de alguns trailers, que, antes de nos atrair, acabam por nos afastar das salas quando entram em cartaz os filmes a que eles se referiam. Há uns dois anos, mais ou menos, o trailer do filme Machuca foi tão martelado em nossos cinemas, e por tanto tempo, que quando eu o via em companhia de algum amigo tão cinéfilo quanto eu, a gente costumava repetir todas as falas daqueles garotinhos chilenos afetados pelo golpe militar que derrubou Allende.

Agora eu sinto que temos um concorrente à altura de Machuca: a comédia Divã, baseada na peça teatral que a atriz Lilia Cabral mostrou com muito sucesso no Teatro Faap. Em apenas uma semana eu já vi três vezes o trailer do filme que deve entrar em cartaz só em abril. Quando abril chegar, de tão cansado do aperitivo, eu seguramente fugirei do filme com todas as forças possíveis – até porque, pelo que foi mostrado até agora, Divã encaixa-se naquela mesma linha de Se eu Fosse Você e outros filminhos que batem recordes de bilheteria graças à presença de atores da Globo fazendo exatamente o que o público espera que eles façam – acho que isto é um assunto para outro post, mas Divã e Se eu Fosse Você talvez até sejam filmes bem-feitos, mas não passam de um capítulo de novela com duas horas de duração acompanhado de pipoca e cola-cola em embalagem gigante. Ou seja, arrastam as multidões para os cinemas apenas para lhes exibir tudo aquilo que elas já veem em casa, em embalagem um pouquinho diferente, mas com o requentado e inofensivo sabor dos folhetins.

Se eu seguramente não irei ver Divã, porque dois meses antes da estreia eu já estou com o trailer até o pescoço, lanço o seguinte desafio aqui: adivinhem se irei votar em Dilma Rousseff para presidente se hoje, em pleno domingo de carnaval e faltando um ano e meio para as eleições, ela aparece em seis fotos no jornal que eu assino. E a reportagem, é claro, versa sobre a famosa plástica a que a ministra se submeteu. O que me interessa se ela anda exibindo seu rostinho repuxado até na concentração das escolas do terceiro grupo do carnaval de Quixeramobim? Os marqueteiros, todos eles, do cinema e da política, deveriam aprender uma lição bem básica: por mais requintado que seja o menu, ninguém tem estômago para engolir por muito tempo a mesma coisa. O cansaço fecha a nossa garganta e embota os nossos ouvidos – com o tempo, nada mais desce.

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E como eu falei em estômago, uma dica para quem vai ficar por aqui no carnaval: liguem para o número 2951-3056 e peçam para a moça do caixa, que irá atender o telefone, explicar como se faz para chegar ao restaurante de comida nordestina Mocotó, na Vila Medeiros, zona norte da cidade. Foi o que eu fiz no sábado e estou sentindo que meu feriadão já valeu só por isso. Há muito tempo que eu queria conhecer este restaurante, apontado por toda imprensa como um dos melhores e mais baratos da cidade. Desta vez, a imprensa acertou bacana: as caipirinhas do lugar são maravilhosas, o torresmo faz a gente se esquecer de que existe colesterol no mundo,a comida é boa pra caramba e a torta de aipim com calda de coco queimado, a sobremesa mais pedida pelo pessoal animado que lota o lugar, é a prova de que existe vida antes da morte. Tudo sem frescura, sem estrangeirismos e com um preço para lá de justo – algo cada vez mais raro em São Paulo. O Mocotó só oferece um risco: é melhor não marcar nenhum compromisso para depois do almoço, pois a comida é tão farta e tão boa que você não vai querer absolutamente mais nada deste mundo a não ser cair na cama e dormir com a felicidade das jiboias diante de um ventilador ligado.

4 comentários:

Kiko Rieser disse...

Vi uma sessão especial dum dos últimos cortes de "Divã", a que fui convidado, e é realmente constrangedor, não apenas pelo roteiro e por algumas atuações, mas pelo amadorismo cinematográfico assustador de quem assina a direção.
Fui hoje ver Andaime. Depois conversamos!
Beijo.

Anônimo disse...

assino em baixo do texto. não vi ainda o trailer do 'divã', mas tem tanta coisa que encaixa na mesma. o que é essa publicidade da piauí, com o pinguim aparecendo em mil fotos com aquela musiquinha chata? agora, nada bate 'machuca'. acho que nós dois juntos vimos o trailer umas 20 vezes. e quanto a esse mocotó, hummm! bjão, guza

Anônimo disse...

Serginho, lembrar do "Machuca" foi sacanagem... rs... E o Guza foi na mosca: aquele pinguim da Piauí dá no saco. Aliás, as propagandas da Piauí são engraçadinhas só nas primeiras 15 vezes... depois, valha-me deus...
Só um reparo à sua coluna. "Se eu fosse você" tem qualidades de filme popular, sim, especialmente o 2, que me agradou mais que o primeiro. Tony Ramos tem duas ou três cenas MUITO LEGAIS. Ele jogando futebol e fazendo ginástica, possuído pela alma da mulher, é sensacional.
O Mocotó é um templo. O sorvete de rapadura é praticamente um decreto contra a existência do diabetes. E a chapa de carne de sol com pimenta biquinho?
bjs. Mário V.

Só no blog disse...

Mário, querido: você se lembra do Machuca, conhece o Mocotó e já provou do sorvete de rapadura! Você é um homem do século 21, sem dúvida!!!!
O sorvete eu ainda não conheço, mas já prometi que é uma questão de dias.