Dois séculos após o nascimento de Charles Darwin e a maioria dos ingleses, seus conterrâneos, ainda não acredita na teoria da evolução. Até aí, tudo bem: pelas matérias publicadas neste domingo (o Caderno Mais, da Folha de S. Paulo, e 20 páginas na revista Veja) parece que os ingleses não estão sozinhos nesta desconfiança. Cresce a cada dia, ao redor do mundo, a legião daqueles que preferem crer no sopro divino da criação – um boneco de barro chamado Adão, de quem Deus tirou uma costela para fazer Eva, a companheira intempestiva que pôs tudo a perder quando resolveu morder a maçã. Como mitologia, sempre achei esta história um pouco pobre e sem graça. Os gregos criaram enredos muito mais saborosos e interessantes para compreender o nascimento dos seus deuses. Adão, Eva, Noé e sua arca, ainda que simplórios, são a mitologia que nos cabe e é nela que a Bíblia nos ensina a acreditar, ainda que os passos da ciência moderna comprovem o quanto Darwin foi preciso e certeiro ao descrever a nossa origem.
Fiquei pensando e cheguei à conclusão – talvez tão simplória quanto a existência de Adão e Eva – de que a grande aversão às teorias de Darwin é consequência não do fato de ele nos ter dito de onde viemos, mas de não nos ter ensinado para onde vamos. Este é o grande dilema do darwinismo: ele mapeou o nosso passado mas, ao reduzir a importância de Deus no nosso currículo, nos deixou espetacularmente sozinhos no mundo. Se somos realmente produto de uma caprichada teoria evolutiva, que levou milhões de anos para forjar um polegar em nossas mãos e um cérebro avantajado em nossas cabeças, capaz de compor sinfonias e produzir naves espaciais, para onde irá tudo isso após a nossa morte? O que nos espera se não existe um Deus para nos receber de braços abertos quando se der o nosso último suspiro – afinal, se Deus não foi um elemento assim tão presente em nosso surgimento, quem nos garante que ele se revelará em toda sua glória diante de nós quando chegar o nosso fim?
Com todas as evidências científicas hoje disponíveis, a única justificativa convincente para que milhões de pessoas ainda acreditem no criacionismo é o medo do grande nada. É esta estranha sensação que faz de nós apenas mais um item nesta grande diversidade natural que forma o planeta – nem de longe o mais importante e insubstituível dos itens e nem de longe o que mais se aproxima em forma e conteúdo da figura do criador. Para a natureza, talvez a espécie humana, apesar de todas as suas incontáveis habilidades, seja apenas um macaco elegante que trocou as árvores e cavernas por condomínios fechados. E é com isso que não conseguimos conviver. Acredito que o ritmo espantoso da nossa evolução nos afastou além do que seria desejável das demais espécies e realmente é doloroso acreditar num homem que comprovou, há 150 anos, que na primeira ramificação da nossa árvore genealógica só existiam grunhidos, mordidas, dentes à mostra e pelos, muitos pelos... E nenhum resquício de uma alma imortal.
Pelo pouco que sei de Darwin, ele nunca negou a existência de Deus. E se houve alguém que sofreu demais com sua teoria, este alguém foi ele mesmo. Seu grande pecado foi ter revelado que tivemos todos uma origem comum – e, por isso mesmo, é absolutamente esperado que venhamos a ter também um fim comum. Compartilharemos todos da grande vala comum do universo, ainda que tenhamos a suprema chance, naquele intervalo do berço ao túmulo, de deixar a nossa marca neste planeta. E é isso que talvez o ser humano não consiga aceitar – a idéia de que nós, eretos, poliglotas, asseados, bem-feitinhos e altamente tecnológicos iremos para o mesmo lugar destinado ao gorila cheio de piolhos que é morto na África. Realmente é um final melancólico para a nossa soberba. Realmente seria muito mais confortável destruir todas as idéias de Darwin, se não fossem por dois detalhes: 1) a culpa de a vida ser assim não é dele; 2) infelizmente, o velhinho parecia estar certo. Ai de nós e de nossa solidão.
domingo, fevereiro 08, 2009
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2 comentários:
E, convenhamos, esse macaquinho-nós nem é lá tão elegante assim, vai! E, aliás, não faz falta nenhuma por aqui. Sim, é angustiante, às vezes. E, sim, é roubar no jogo ficar se achando a grande criação de Deus só pra encontrar um sentido pra vida. Aliás, tem um moço que fala bem disso de um sentido pra vida humana, ó: http://www.youtube.com/watch?v=X_Di4Hh7rK0.
Beijos.
Juli =)
Oi, Juli, que legal compartilhar do seu ponto de vista. Vou ao youtube ver este vídeo que você me recomendou. beijão, sérgio
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