Tenho acompanhado, como milhões de brasileiros curiosos, os desdobramentos do caso da advogada pernambucana Paula Oliveira, que acaba de ser indiciada pelo governo suíço depois que sua versão de ter sido atacada por três neonazistas que lhe retalharam o corpo aparentemente desmoronou. Segundo a promotoria suíça, Paula, que em nenhum momento esteve grávida de gêmeas, teria ela mesma provocado os ferimentos que chocaram não só o Brasil, mas grande parte do mundo. As investigações prosseguem, mas eu creio que não é mais necessário ouvir médicos legistas e nem sair em busca de prováveis testemunhas do atentado que nunca houve: basta acompanhar as reações do pai de Paula, o advogado Paulo Oliveira, para que se tenha a certeza de que sua filha se meteu em uma grande enrascada. Da qual, espera-se, não consiga se safar com tanta facilidade.
O advogado chegou à Suíça dois dias depois do atentado. Seu rosto era a síntese de toda a dor e indignação que cada um de nós, brasileiros, compartilhava naquele momento. Confesso que fiquei arrasado quando ele se referiu às gêmeas que Paula teria perdido como sendo “as minhas netinhas que eu não cheguei a ter”. O advogado revelava, diante das câmeras de tevê, sua angústia e preocupação com o estado de saúde da filha, e afirmava, como faria qualquer pai, que pensaria nas medidas legais em um segundo momento, quando a jovem já estivesse recuperada. E então começou a ocorrer o impensável: a cada dia, o advogado ia se mostrando mais titubeante na frente dos repórteres, suas respostas demoravam a brotar, a certeza começava a abandonar o seu rosto perplexo. Segundo os jornais, ele caminhava atônito pelos corredores do hospital em que a filha estava internada e já era evidente, em seu comportamento, que uma grande reviravolta havia lhe quebrado as pernas e toda a convicção sobre a inocência da garota. A madrasta de Paula, que passou vários dias alegando que esfregaria na cara de quem quisesse os exames que comprovavam a gravidez da jovem, também mudou de estratégia: sumiu dos noticiários e passou a se esconder da imprensa como se estivesse sendo, ela própria, acusada de alguma coisa.
Neste instante, na minha opinião, já não se fazia mais necessário o depoimento de médicos e policiais: o ato de Paula estava doloridamente mapeado no rosto de seu pai e na omissão de sua madrasta. Os últimos fatos só parecem comprovar isso: a jovem advogada, bem-sucedida e vivendo em situação legal naquele país, teria armado toda aquela encenação para abocanhar uma indenização que pode chegar aos 100 mil dólares. O que me espantou neste caso, além da desfaçatez de Paula, foi o estranho mea-culpa de alguns jornalistas conceituados que haviam comprado a versão da garota em primeira mão. Quando a farsa de Paula começou a vir a público, eles não tiveram a decência de dizer que haviam sido precipitados em seu julgamento. Não haveria mal algum nisso: as fotos do corpo retalhado da jovem e seu relato da agressão eram tão revoltantes que não nos cabia outra escolha a não ser confiar nela – e partilhar de sua dor. Pois os tais jornalistas, diante da farsa e do engodo do qual foram vítimas, preferiram publicar o seguinte: “Tudo bem, não aconteceu nada com Paula, mas poderia ter acontecido, pois a pobre jovem vive num país xenófobo”.
Calma, lá: como assim? Parece muito a desculpa do ex-presidente George Bush, que após invadir o Iraque e não encontrar nenhuma arma de destruição em massa, veio a público afirmar o seguinte: realmente não havia armas, mas a invasão se justifica porque poderia haver.... Será que as pessoas lúcidas não têm noção do tamanho da barbaridade que uma desculpa assim fajuta representa? Do tamanho do precedente que se abre para justificar qualquer mentira? E mesmo a questão da xenofobia tem de ser tratada com muito mais cerimônia. A Suíça tem a maior população de imigrantes de toda a Europa: 25%. Ou seja, de cada quatro habitantes do País, um não é suíço. É um dado relevante que deve ser analisado com muita calma, ainda que o país atravesse uma assustadora guinada à extrema direita.
Mas como agiríamos se houvesse no Brasil 50 milhões de imigrantes, quem sabe interessados em nossos empregos? É algo em que devemos pensar com muito cuidado. Será que nós, brasileiros, também não exibimos, ainda que de forma mais indolor, algum sintoma de xenofobia? Estendemos tapetes vermelhos para americanos, franceses e alemães que encontramos passeando pelas ruas dos Jardins ou almoçando em restaurantes badalados da cidade – e ainda pagamos o maior mico na tentativa de nos comunicar na língua deles, para que se sintam bem-vindos, protegidos e familiarizados. E então eu pergunto: dedicamos o mesmo carinho e atenção com os bolivianos que entopem as ruas do Brás? Ou com os coreanos que vivem no Bom Retiro? E, se é para colocar o dedo na ferida, então vamos fundo: tratamos com o mesmo respeito e dignidade os brasileiros do Norte e Nordeste que estão à nossa volta, fazendo os trabalhos que não nos imaginamos fazendo? É bom que a gente pense nisso com muito cuidado antes de usarmos a xenofobia como desculpa para todos os atuais males do mundo.
Tudo indica que a jovem advogada fez uma cagada homérica, pela qual milhares de brasileiros no exterior vão ser penalizados todas as vezes em que comunicarem alguma injustiça VERDADEIRA do qual tenham sido vítimas. Caímos todos na história do carneirinho que berrava que havia um lobo no caminho. Não houve nenhum lobo no caminho de Paula, mas estaremos perdidos quando o lobo aparecer de verdade na nossa frente e ninguém mais nos levar a sério. O Itamaraty está tratando Paula como se ela fosse uma princesinha desamparada numa terra inóspita – uma terra que a recebeu com um namorado nativo e vencimentos em euros. E onde estava o mesmo Itamaraty quando o compositor Guinga, este sim um orgulho nacional, já gravado por Elis Regina e gente de calibre semelhante, foi espancado por um policial no aeroporto de Madri, teve o dinheiro roubado e perdeu dois dentes na agressão? Guinga é menos cidadão brasileiro que Paula Oliveira? Muito estranho este critério, muito estranho.
Se a polícia suíça comprovar que a advogada brasileira realmente mentiu – e tudo parece caminhar nesta diração – eu torço, de verdade, para que ela passe alguns anos mofando na cadeia e não se safe com o pagamento de uma multa. O dano que ela causou para os brasileiros merece ser corrigido – e exemplarmente. Mas, caso venha a ser presa, há algo no que ela pode se apegar: seu zeloso pai, aparentemente tão ludibriado como todos nós, com certeza irá presenteá-la com os melhores chocolates do mundo nos dias de visita. Comprados logo ali, na esquina ao lado do xilindró....
quinta-feira, fevereiro 19, 2009
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2 comentários:
Historinha mal contada, essa. Lupus? E por acaso uma pessoa fora de si escreve de ponta-cabeça? Essa moça só aumenta a fama de pilantra que brasileiro tem lá fora. Estive na Suiça agora, em dezembro, e fui muito bem tratado, sem nenhum problema. Qualquer justificativa, mas LUPUS? Faça-me o favor...
Pois é, meu caro. Eu acho que o grande problema desta história é o precedente que esta moça abriu. A gente percebe que as coisas não andam fáceis para os brasileiros, em nenhum lugar do mundo, e então ela vem e joga mais lenha nesta fogueira. Tenho certeza de que, ao menos na Suíça, qualquer problema relatado por brasileiros residentes lá ou turistas não será mais levado a sérgio.
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