Outro dia dei uma passada de olhos pelos últimos textos deste blog e fiquei com medo de estar me tornando uma pessoa chata que só escreve coisas chatas. Na hora, me veio à mente a imagem de um colunista da Folha que sempre escreve coisas chatas que eu normalmente não consigo ler. O problema é que, nos últimos tempos, acho difícil não se tornar um chato neste país. São tantas notícias chatas, é tanta gente chata fazendo coisas e gestos chatos que, aos poucos, esta chatice toda vai contaminando a gente. E fica complicado manter o bom humor e algum lirismo no meio de tanta coisa ruim. Esta semana briguei com uma pessoa que eu nem conheço e que vivia entupindo minha caixa postal com mensagens em que insistia em defender o governo do PT. Sempre fui petista e votei em Lula em todas as eleições das quais ele particiou. Mas hoje não consigo defendê-lo de nada. Um homem que não consegue repreender Marta Suplicy, Guido Mantega e Marco Aurélio Garcia depois de todas as barbaridades que eles falaram e fizeram durante o apagão aéreo, não merece mais o respeito de ninguém. Pedi para aquele cidadão que entupia minha caixa postal que me excluísse do seu mailing. Eu não envio para ninguém minhas impressões sobre o que quer que seja, mereço, no mínimo, o mesmo tratamento.
Li que acaba de ser lançado um livro sobre o eletricista brasileiro Jean Charles, morto pela polícia inglesa numa estação de metrô de Londres. Não li o livro e acredito até que seja bom. Mas ele é o reflexo, antes de tudo, da nossa grande hipocrisia. Brasileiros são mortos diariamente pela polícia brasileira e ninguém se preocupa com isso - as nossas vítimas locais merecem, quando muito, um notinha no rodapé das páginas policiaisl. Não me consta que alguém tenha se preocupado em escrever um livro sobre elas e nem que Caetano Veloso e grupos do pop inglês tenham dedicado shows e canções a estes anônimos. Jean Charles, como todo inocente que caiu vitimado pela ação desastrosa da polícia, merece nosso respeito e nosso pranto - não há dúvidas quanto a isso. Mas, sejamos sinceros e diretos: o que nos chocou realmente em sua morte? Foi o fato de ela ter sido produzida pela bem treinada, bem equipada e bem paga polícia inglesa. Só isso. Tivesse sido ele morto na periferia de alguma grande cidade brasileira e ninguém se lembraria sequer do seu nome. Ficamos chocados, sim, com o cenário da tragédia, e não com a morte em si. Ficamos chocados em saber que a polícia inglesa também mata inocentes - porque já estamos cansados de saber que a polícia brasileira faz isso diariamente. Será que alguém vai escrever algum livro sobre os mortos do início do mês no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro? Será que Caetano Veloso vai dedicar algum show àquelas pessoas que também foram baleadas pelas costas e quando já estavam em posição de rendição? Duvido. Por isso que eu acho que um livro dedicado a Jean Charles, ainda que ele mereça, é uma grande hipocrisia. Até na morte reafirmamos o nosso caráter provinciano e colonialista. No ano passado, um dentista negro foi morto pela polícia na zona norte da cidade quando voltava da casa da namorada. A cor da pele foi sua sentença de morte. O que fazia um negro tarde da noite num carro bacana? Ora, só pode ser assaltante, devem ter pensado os zelosos policiais. E metralharam o moço. Alguém se lembra desta história? Alguém escreveu algum livro sobre ela? Alguma embaixada se desculpou com a família do morto? Ele virou uma vítima pop? Ele era menos importante que Jean Charles? Claro que não. O problema é que o dentista foi morto em Santana - pô, que lugarzinho chato pra ser morto pela polícia, né!
Em seu artigo de sábado na Folha de S. Paulo o médico Drauzio Varella lembrou muito bem que nos Estados Unidos a indústria do cigarro paga milhões de dólares de indenização aos que morreram ou adoeceram vítimas do tabagismo. No Brasil, nunca ninguém conseguiu tirar nenhum centavo dos produtores de cigarro. A diocese de Los Angeles desembolsou US$ 600 milhões para indenizar as vítimas de abuso sexual cometido pelos religiosos - nossas crianças continuam sendo abusadas de graça pelos padres. "Será que é mais barato abusar das crianças brasileiras", perguntou Varella em seu artigo. Brilhante colocação. E daí fazemos homenagens a Jean Charles, escrevemos livros sobre ele, dedicamos canções à sua morte injusta - tudo porque ela ocorreu na glamourosa Londres. Enquanto isso, dezenas de brasileiros são mortos nas nossas periferias todos os dias e o que fazemos, todos nós, sem exceção? Viramos a página do jornal e damos graças a Deus de não ter sido conosco e nem com os nossos. Convenhamos: como não se tornar uma pessoa chata no meio de tudo isso?
domingo, julho 22, 2007
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5 comentários:
Difícil. Mais difícil é ouvir o assunto da semana: o acidente da TAM. Todos falam do acidente com uma propriedade digna de quem viveu a história.
É só engatar conversa e, se não tem o que dizer, diga do acidente, que houve rasante, que bateu no táxi, que o avião passou rápido na tela, que só tinha gente transformada em pó e que a Cultura gravou a menina estatelar a cara no chão.
Ou ligue a TV, que explora o assunto até o último grão de poeira e, lógico, consegue audiência.
Me peguei enunciando coisas que li sobre essa tragédia a um grupo de amigos algumas vezes nessa semana e pensei: "Baixo, muito baixo".
Granmde abraço, Roveri. Estou sempre por aqui.
Este texto é o mais chato de todos. Dos outros eu gosto...
Se ser chato é ter a sua capacidade de reflexão,entro pra fila dos malas.Beijos,querido.
concordo com a patrícia e discordo do anônimo. o texto é brilhante. bem construído o pensamento. e perfeita a colocação sobre o jean-charles e os mortos do alemão e o dentista executado. perfeito. beijão
Meus velhos, bons e queridos amigos: muito obrigado pela visita ao blog e pelos comentários. Toda vez que vocês escrevem eu fico estimulado a vencer a preguiça e postar mais alguma coisinha. Valeu mesmo.
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