quarta-feira, julho 11, 2007

Cala a boca, meliante.

Há pouco mais de um mês, passei por uma experiência interessante. Resolvi entrevistar um grupo de adolescentes pobres e outro inegavelmente rico para colher subsídios à adaptação teatral do livro Cidadão de Papel, do jornalista Gilberto Dimenstein. A adaptação está praticamente concluída e o espetáculo, dirigido por Ivam Cabral, estréia no dia 10 de agosto em um novo espaço cultural da Vila Madalena.

Minha primeira conversa foi com os adolescentes ricos. Perguntei a eles qual era o maior medo de suas vidas. A resposta, confesso, me surpreendeu. Eles se sentiam apavorados diante das batidas policiais. Mesmo sendo brancos, ricos, bem-vestidos e donos de carro do ano, tremiam nas bases a cada vez que um policial surgia em sua frente pedindo para que parassem o carro e descessem com a mão na cabeça. Na semana seguinte, tive a mesma conversa com os jovens pobres do Jardim Pantanal, em São Miguel Paulista. Novamente, a polícia também representava o maior pavor da vida deles. Uma garota me contou que era muito comum um policial entrar na casa dela, revirar tudo, jogar móveis e colchões no chão e depois partir como quem não quer nada. Uma outra disse que o pai havia sido parado por um policial que ordenou o seguinte: abandone o veículo que eu vou revistar tudo. O veículo era um bicicleta velha. Percebi que, quem diria, na falta de justiça social neste país, cabia à polícia diminuir a distância entre pobres e ricos.

Esta semana, indo para Paraty, também tive meu carro parado na rodovia para uma "inspeção de rotina". Desta vez, foi rápida. O jovem policial olhou os documentos do carro, os pneus e me liberou. Um amigo, que estava ao meu lado, traduziu brilhantemente a sensação: por que a polícia tem este dom de fazer a gente se sentir culpado por existir? É como se estivéssemos carregando 20 quilos de cocaína debaixo do banco. Nas outras duas vezes em que a polícia me parou, o constrangimento foi infinitamente maior. A primeira delas foi na Rua Heitor Penteado, a 200 metros da minha casa. Era uma madrugada e tive de ficar com as mãos na nuca e um revólver apontado para a cabeça até que, ao examinar meus documentos, o policial encontrou minha credencial de jornalista do Estadão. Daí os policiais se converteram em lordes ingleses, a me desejar boa sorte e dizer que contavam com minha compreensão. Afinal, diziam, estavam cumprindo o dever deles.

Na segunda vez em que fui parado, estava na Rua Frei Caneca, indo ao cinema com um amigo repórter da Folha. Novamente a mesma exposição pública virulenta e absurda: tivemos de ficar, os dois, num sábado à noite, expostos como marginais em um dos trechos mais movimentados da cidade, até que eles concluíssem a inspeção do carro e descobrissem que, novamente, estavam diante de dois jornalistas. Mais pedidos de desculpa. Foi um episódio tão deprimente que eu e meu amigo não trocamos mais nenhuma palavra naquela noite e, ao término da sessão, cada um foi pra sua casa com um gosto de velório na boca.

Fico pensando em como se sentem aqueles que não têm nada para exibir aos policiais: uma carteira de trabalho, um crachá funcional, ou mesmo a habilidade de argumentar tendo as mãos na cabeça e um revólver apontado pra cara. Embora vivamos num dos países mais violentos do mundo, será que a polícia não dispões de uma maneira um pouco mais civilizada de proceder a estas abordagens?. Não quero dizer aqui que nós, brancos, universitários, com carros relativamente novos e pelo menos mais de 20 dentes na boca, deveríamos contar com algum privilégio também nesta hora. O que eu quero dizer é que, quando a polícia nos pára, seria ótimo se nos sentíssemos protegidos e não apavorados como se estivéssemos nas mãos de bandidos.

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