segunda-feira, julho 09, 2007

Ounvindo Coetzee da calçada

Tirei alguns dias de descanso deste blog e percebi o seguinte: este espacinho maroto é igual academia de ginástica. Se você não se disciplina e não se dedica a ele com alguma seriedade, a vontade de escrever se dispersa, suas idéias vão se tornando flácidas, suas opiniões sobre os fatos, sejam eles quais forem, parecem perder completamente a importância e o significado. Até que este exercício, que eu me propus diário sem nunca ter atingido esta meta, também seja ejetado na direção daquele grupo de promessas jamais cumpridas: perder peso, parar de comer doce, dormir mais cedo para poder levantar também mais cedo, ler ao menos um livro por semana, encontrar tempo para ver todos os amigos, evitar os filmes e as peças que já sabemos ser ruins, fazer algum trabalho voluntário, encontrar graça nos pequenos prazeres da vida, ir realmente atrás dos sonhos e acreditar que, como dizem os amigos mais devotos, o universo realmente conspira a nosso favor.

O motivo da ausência é explicado a seguir. Como milhares de pessoas, neste fim de semana eu tentei encontrar alguns centímetros quadrados nas calçadas de Paraty para pousar a bunda e ouvir alguns trechos de Diário de Um Ano Ruim, próximo livro do escritor sul-africano J.M.Coetzee, que só deve ser lançado no Brasil no fim do ano. Depois de Desonra, prometi para mim mesmo nunca mais ler nada saído da mente deste escritor. Desonra me desconcertou por tanto tempo que eu achei que fosse preciso ver toda a coleção do Woody Allen para reencontrar graça na vida. Mas como ficar livre de um autor que escreve como se estivesse protagonizando uma sessão de necropsia, retirando camada por camada dos seus personagens até localizar a dureza e a solidão que vitimaram o coração deles? Após Desonra, mergulhei em Elizabeth Costello e agora estou devorando O Homem Lento - sendo que após este já existe um outro Coetzee na fila. Pois bem, sentei-me no chão para ouvir Coetzee ler, no penúltimo dia da Flip, alguns trechos de Diário de Um Ano Ruim com sua voz liberta de qualquer entonação e sentimentalismo. Como se estivesse a anunciar que há três saídas de emergência à direita do palco e que na falta de energia elétrica geradores acender-se-ão automaticamente.... O primeiro trecho falava de um homem que acabara de morrer e ainda era capaz de ver seu corpo inerte e o segundo, ah, meu Deus, o segundo, mostrava como os bois eram mortos nos frigoríficos da Austrália. ERa de arrancar lágrimas do carnívoro mais convicto.

Mas como a Flip não é feita apenas de Coetzees, Amos Oz, Lawrece Wright e Nadine Gordimer, é bom que se diga aqui que a leitura da peça Beijo no Asfalto a cargo de autores brasileiros (alguns deles excelentes, por sinal) deve ter feito Nelson Rodrigues virar no túmulo feito o tatuzão que escava os buracos do metrô. Na boca de Jorge Mautner e seus outros amigos das letras, a leitura foi um dos episódios mais constrangedores não apenas da Flip, mas da minha vida inteira. Para evitar as gargalhadas diante de tamanho amadorismo e falta de bom-senso, muitas pessoas se retiraram da platéia, silenciosamente, para liberar o riso e a indignação lá fora. Posso dizer que foram os 20 reais mais mal aproveitados dos últimos tempos. Na rua, encontrei um amigo que havia abandonado a sessão como eu. E ele me disse um frase que não sai da minha cabeça. "Este pessoal da Flip é tão preparado e não se deu conta de uma coisa tão óbvia: os escritores são bons para escrever. Mas quem disse que eles sabem ler?" Caramba! Acho que nunca mais vou me esquecer disso.

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