sábado, julho 28, 2007

Cansei. E não é de ser sexy.

Confesso que, a princípio, estou vendo com uma certa simpatia e boa-vontade este tal de movimento do “Cansei”. Li sobre ele há alguns dias e meu primeiro impulso foi o de procurar seus organizadores e dizer que gostaria de participar, que estaria disposto a vestir uma camiseta com a palavra cansei cruzando o peito de fora a fora com o objetivo inicial de manifestar simplesmente aquilo que a palavra diz – que estamos cansados. Cansados da corrupção, cansados de promessas não cumpridas, cansados da impunidade, cansados dos maus exemplos, cansados de ver os poderosos rindo nas nossas caras e, por fim, em certo grau, cansados de nós mesmos. Resolvi ler um pouco mais sobre o movimento e descobri que hoje ele já recebeu as primeiras críticas, sendo que a mais forte delas deve dar motivo para uma discussão bacana: o movimento está sendo acusado de representar a voz da indignação da classe média e por isso não deve gerar um clamor popular.

Duas perguntas: Qual é o problema de um movimento representar a classe média? E o que somos nós, afinal? O que é você, meu querido amigo, que está perdendo cinco minutos do seu precioso tempo lendo estes rabiscos, diante de um computador conectado à Internet banda larga, se não um digno representante da classe média? Sabem uma coisa que eu ando percebendo? Que nós sentimos um misto de vergonha e culpa por pertencermos à classe média. Estou falando das pessoas que, como eu, estão na faixa dos 40 e poucos anos (ou acima disso) e ainda guardam o resquício de um ideal mais socialista, de uma forma mais justa de distribuição de riquezas e de convivência entre os homens. Como o modelo falhou e a partir dos anos 80 passamos a viver a era do salve-se quem puder dentro de um capitalismo feroz que gerou um neoliberalismo mais feroz ainda, parece que nos culpamos pelo pouco que temos e, sempre que surge este fantasma da classe média ou burguesia, fugimos destes termos como fugiríamos de um convite para integrar os quadros da opus dei. Classe média e burgueses são os outros – nós não! Imagine. E a nossa consciência de classe, onde ficaria? E as intermináveis noites passadas nos diretórios acadêmicos das faculdades e na sede dos partidos políticos de oposição em que desenhávamos um novo formato para o mundo? E a velha camiseta vermelha escrita oPTei, que usamos até desbotar antes que ela virasse pano de chão? E o quadro do Che Guevara na parede? Realmente é difícil encontrar um lugar para acomodar termos como classe média e burguesia no meio de tantos ideais, mas sinto informar que sim, somos classe média e burgueses – e podem me apedrejar por isso com seus e-mails, seus torpedos e suas mensagens pelo MSN. E que atire o primeiro I-pod aquele que continua vivendo com as esperanças e a ingenuidade que tínhamos no fim dos anos 70.
É por isso que não vejo problema algum se o Cansei nasceu no meio da classe média. Ele nasceu no meio de nós. A coceirinha, acredito, está sendo causada pelo fato de o movimento estar sendo administrado pela OAB. Aqui não vai nenhuma crítica, mas simplesmente perguntas: a OAB está punindo de maneira exemplar os advogados que aproveitam as visitas aos presídios de segurança máxima para entregar celulares aos presos? A OAB expulsou de seus quadros os advogados que comprovadamente trabalhavam para o PCC? Juro que são perguntas mesmo – talvez eu não tenha acompanhado com mais cuidado o noticiário e não saiba que todas estas providências já foram tomadas. E outra coisa: embora todo acusado, sem exceção, tenha direito a defesa, não fica um pouco chato justamente o presidente da OAB ter aceitado defender a bispa Sonia e o bispo Hernandez, presos nos Estados Unidos entrando com dinheiro não declarado? Claro que a bispa e seu marido têm direito a advogados. Mas eles foram mostrados com o dinheiro escondido na bíblia, confessaram o crime, foi um delito de repercussão internacional. Repito: eles merecem e têm direito à defesa. Mas precisava ser justamente o presidente da OAB a encampar este caso? Sei que não é antiético, mas me soa extremamente antipático e oportunista. Como já diziam: a mulher de César não basta apenas ser ética, ela precisa demonstrar... Não sei se a expressão é exatamente esta, mas o recado está dado.

5 comentários:

Elton disse...

Sinto-me como advogado bem à vontade para me alistar aos teus questionamentos Roveri. Entidades de classes são sempre incompetentes para fiscalizar seus integrantes. Todas às vezes que penso em abandonar o direito, e não são poucas ultimamente, a questão central é o direito a serviço do poder econômico, maculando a justiça. Tirando a cor dos Aston Martins do Bond, que são prata, teus textos seguem irretocáveis. Abraço.

Só no blog disse...

Elfo, meu caro. Muito obrigado pela mensagem e por dizer a verdadeira cor do carro do James Bond...Juro que eu pensava que ele fosse vermelho. Prometo ficar mais atento no próximo filme. Grande abraço pra você

Alberico da Mota Silveira Filho disse...

Sobre a " mulher de Cesar , ela teria que tb PARECER ser ética " . Só que (também) essa questão de PARECER muda tanto de olhar para olhar e cada um RESOLVE ter ou aceitar a opinião que mais lhe convém . Sinto-me muito como vc e também estou CANSADO DE TUDO , das mentiras , da vergonha de me sentir burguês decadente , de tudo isso ...
ADORO SEUS TEXTOS !!! Não CANSO NUNCA DE PASSAR AQUI !!! Abraços !

Unknown disse...

Oi,amore.Tenho me metido demais nos seus comentários,eu sei.Mas eles são brilhantes e me provocam,que posso fazer...rs.Eu não conheço bem esse movimento,mas pelo que vc descreve,acho que eu teria problema em me identificar com ele não por ele ser de classe média,ou por ser encampado pela OAB,mas porque não gosto,particularmente,de nenhum movimento que seja puramente combativo e não propositivo.É minha rixa com o Hip-hop também.Ficar cansado é um luxo que nós não podemos nos dar.Tem um ditado nordestino que diz:"Ajoelhou?Urubu come.".Assim é a vida,eu acho.Saudades de vc.Beijos.

Barbara disse...

Massa, eu também questionei esse movimento no início, nâo por ter nascido da classe média, porque isso nós somos, mas pelos seus criadores que me parecem ser um pouco discutíveis para debaterem a ética. Enfim, pelo menos é um começo, a sociedade civil precisa começar a dar um basta nisso. E se for com essa bandeira, que seja.
Quanto à mulher de Cesar, acho que ela tinha de ser e parecer honesta sim(e ética, afinal, é tudo igual). Ao contrário de alguns governantes e a maioria dos políticos que nem são e nem parecem ser nada disso.