São raras as notícias de jornais que eu não consigo ler. Por falta de coragem ou por saber, antecipadamente, que elas vão me fazer mal, viro a página rapidamente. Sei que se eu continuar com essas manias, e do jeito que as coisas vão, dentro de pouco tempo talvez eu não tenha estômago para ler mais nada. Hoje, por exemplo, topei com uma dessas notícias cuja leitura eu tive de interromper ainda no título: Revoltado, dono espanca e põe fogo em pitbull. Poucas vezes vi um grau de violência tão concentrado em tão poucas palavras. Além de não ter conseguido ler a notícia, encontro ainda mais dificuldade em tentar imaginar a cena.
Deve haver algo errado nesta minha maneira de compreender o mundo, pois percebo, escrevendo aqui agora, que fui capaz de ler todas as notícias sobre os diversos ataques de pitbulls ocorridos nas últimas semanas - e resolvo amarelar justamente agora, quando o cão se transforma em vítima. A bem da verdade, acredito que em todos os casos de ataques os cães são tão vítimas quanto suas presas indefesas: vítimas de donos cruéis e inescrupulosos, vítimas de veterinários que aceitaram mutilar suas orelhas e caudas, vítimas de maus tratos e treinamentos irresponsáveis que só fizeram aumentar uma provável vocação para a violência com que a natureza já dotou esta raça, vítimas de provocações, de correntes amarradas em seus pescoços, de cubículos em que eles não conseguem exercitar o mais básico de seus instintos, vítimas, enfim, de um certo destino que conspirou para dotá-los de uma incompreensível bestialidade.
Ao ler a notícia de hoje, entendi que um dono de pitbull que tenha tido a coragem de espancá-lo e depois queimá-lo, seguramente também teve a vocação anterior de treiná-lo para ser um monstro capaz de saltar na jugular de uma criança de três anos. Não tenho nenhuma experiência sobre comportamento animal, mas acredito que os bichos, principalmente os cães, são, ou se transformam, naquilo que queremos e esperamos deles. Outro dia, andando pela Vila Madalena, vi uma senhora carregando um pitbull maravilhoso no colo. Era um filhotão cinza claro, de olhos verdes absolutamente fascinantes e bondosos. Ela estava saindo do veterinário e, como o animal não havia ainda tomado todas as vacinas, decidiu protegê-lo da sujeira das ruas, carregando-o nos braços. Fui brincar com o bicho e ele festejou minha presença como se fosse o mais paciente dos labradores. Duvido que este cão, aparentemente acostumado a receber um amor incondicional de sua dona, e por isso mesmo sedento para externar este amor diante de qualquer estranjo, venha a ser capaz algum dia de travar suas poderosas mandíbulas sobre uma simples barata.
Não satisfeitos com a nossa violência atávica, capaz de queimar e espancar índios até a morte, arrastar crianças e enfermeiras nas rodas de nossos carros e chutar empregadas domésticas nos pontos de ônibus, estamos nos especializando também em transformar nossos cães em feras. E, quando por algum motivo eles não cumprem exatamente o que esperamos deles, optamos por espancá-los e queimá-los...como se eles fossem humanos!!!. Por isso eu não consegui ler a notícia até o fim: ao espancar e queimar o animal, aquele dono insandecido deve ter enxergado nele um status de ser humano - já que, até agora, somente pessoas são queimadas ou espancadas até a morte. Talvez tenha sido um upgrade para o cachorro: agora eles também podem ter o mesmo fim destinado a nós, humanos. É um mundo assustador este nosso.
quinta-feira, setembro 20, 2007
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2 comentários:
E tanta violência abre uma cadeia..porque agora eu é que fiquei com vontade de espancar esse dono.E se ele estivesse na minha frente agora,eu o espancaria até os ossos virarem pó.É uma loucura tudo isso...
Oi querido... lendo seu comentário me lembrei daquela história linda do seu cachorro comendo ovos quebrados na porta da geladeira...(vc quebrava os ovos para salvá-lo). bjs do Alê pelo aniversário...
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