Fumei uma única vez na vida, e deve ter sido algo tão marcante que até hoje me lembro das circunstâncias: foi num show da Angela Rô Rô, em 1988, em uma casa de espetáculos já extinta na rua Butantã. Tinha ido ao show com um amigo que, anos mais tarde, me venderia o apartamento em que eu vivo hoje, na Vila Madalena. Só agora me dou conta que, em 1988, ainda era possível assistir a um show com um cigarrinho entre os dedos. Naquela noite, como nas outras em que tive a chance de ver algum show de Angela Rô Rô, ela se mostrou novamente tomada por alguma entidade politicamente incorreta, pois ouvir alguns de seus comentários maliciosos sobre os companheiros da classe artística era tão prazeroso quanto viajar em sua voz rouca e dolorida por alguns clássicos da MPB. No meio do show, talvez por ver tanta gente fumando em pé ao meu lado, pedi ao meu amigo que me desse um cigarro e o fumei inteirinho. Minutos depois da última tragada, estava com uma dor de cabeça muito chata - e assim me despedi para sempre da nicotina, cinco minutos após ter sido apresentado a ela.
Mas sou, e quem me conhece sabe disso, completamente tranqüilo em relação a quem fuma. Meus amigos fumantes podem soltar suas baforadas em minha casa, no meu carro, na mesa do restaurante ou em qualquer outro lugar que eu não me incomodo mesmo. É claro que existe uma certa fumacinha pentelha, que parece sair do cinzeiro para se dirigir exatamente na direção do nariz de quem não fuma. Mas nunca, na minha vida inteira, pedi para que alguém deixasse de fumar ao meu lado. Eu acho que os fumantes, com razão, aliás, já são devidamente policiados em todos os lugares desta cidade - talvez eu me sentisse mal em engrossar esta patrulha.
Eu me lembro de ter presenciado dois episódios constrangedores envolvendo cigarro. Um sábado à tarde, muitos anos atrás, eu fui almoçar no restaurante Pequi, que acabava de ser aberto e ainda estava longe de se tornar um dos locais mais freq6uentados pela classe teatral de São Paulo. Além de mim, havia apenas um outro rapaz, também sozinho, almoçando em uma mesa perto da porta. Então entrou um casal e se acomodou no meio do salão. Aquele cara, quando terminou de almoçar, perguntou para o garçom se era permitido fumar ali. O garçom disse que não era, mas caso eu e o casal não nos incomodássemos, ele podia acender seu sagrado cigarrinho depois da refeição. Eu dei sinal verde, mas o casal, que estava pelo menos a uns oito metros daquele cara, não permitiu que ele fumasse, ainda que ele se encontrasse ao lado da porta. Ele pagou a conta e foi embora, fumar em pé lá na calçada.
O segundo episódio envolveu dois amigos, também numa tarde de sábado. Eu não os via fazia muito tempo, quando eles me ligaram me chamando para um almoço. Passaram em casa e, assim que entrei no carro, um deles acendeu um cigarro. O amigo que estava ao volante disse, então, que no carro dele ninguém fumava. Achamos que ele estivesse brincando, mas não. O amigo fumante ainda insistiu, dizendo que seguraria o cigarro do lado de fora da janela. Não houve acordo: ou ele apagava o cigarro ou teria de descer do carro. Ficou um climão tão chato que o resto do almoço não foi lá grande coisa também.
Mas, nos últimos tempos, eu comecei a me incomodar com os fumantes. E não por causa da fumaça, e sim em virtude das embalagens de cigarro. Não reclamar da fumaça, ainda que ela realmente incomode, é uma coisa. Agora, almoçar vendo a imagen de um rato morto estampada no maço de cigarro, uma gengiva carcomida pela nicotina, um bebê prematuro nascido de mãe fumante e alguém com uma doença pulmonar acoplado a um monte de tubos de respiração, putz, isso sim é foda. Então eu percebi que quem fuma não vai deixar de fazê-lo porque as embalagens de cigarro se tornaram monstruosas - sobrou mais uma vez para os não fumantes que, além do ar carregado da fumaça produzida pelos amigos, ainda são obrigados a ver um ratinho morto ao lado do couvert na hora do almoço...
E antes que alguém me pergunte por que eu não peço para que meus amigos não fumem perto de mim, eu já respondo: eu gosto muito deles, mesmo dos defumados. E eles já são perseguidos demais, no cinema, no trabalho, no avião, nos restaurantes e em todos os outros lugares imagináveis. Na minha casa eu os deixo em paz, com a janela sempre aberta e, de preferência, com o rato do maço de cigarro virado para baixo.
domingo, setembro 16, 2007
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4 comentários:
É engraçada essa coisa dos fumantes. Eu também não me incomodo, acho que por conta do meu pai que nunca vi sem um cigarro na mão. Mas aqui o engraçado é que as pessoas se preocupam em não incomodar os outros com a fumaça e a maior parte delas têm comprado os cigarros e jogado as embalagens fora. Sutil. Lembrei agora da entrevista da Lygia Fagundes Telles na Bravo!, que coloca esparadrapos em cima das imagens. Cada um sabe como dói.
Tem gente que realmente se encomoda. Eu não me conformo de não conseguir gostar de cigarro. Todos os meus amigos fumam, quando bebemos juntos então não param, volto pra casa e coloco a roupa direto pra lavar. Tentei gostar, álias, ainda hoje dou umas tragadas solitárias na esperança mas não tem jeito. Tenho que me contentarsomente com a bebida... abraços!
Orbital, meu caro, eu acho que é uma grande sorte sua não gostar de cigarro. Ainda bem. Como eu disse, eu também não me incomodo que fumem perto de mim, mas acho uma maravilha não ser fumante. A gente se preserva de um monte de doenças, no mínimo. Super abraço.
sérgio,
sua festa foi linda. inesquecível. um sonho para mim. obrigada e rosa. :)
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