Há várias semanas que uma idéia não me sai da cabeça. Sinto uma imensa vontade de convidar, para uma mesa de bar, gente como Aimar Labaki, Alcides Nogueira, Gero Camilo, Ivam Cabral, Alberto Guzik, Marta Góes, Marici Salomão e tantos outros amigos queridos que passam, como eu, grande parte da vida tentando encontrar explicações, justificativas e arremates lógicos para as histórias que criam. Então, quando todos estivessem devidamente acomodados e bem servidos de cervejas geladas, seria lançada a seguinte questão: e se, a partir de agora, nossas peças, cenas, novelas, artigos e crônicas não precisassem mais fazer sentido nenhum? E se nossa escrita se aproximasse de uma maneira tão assustadora da realidade que não seria mais necessário escolher entre vilões e mocinhos, entre o bem e o mal, entre a lógica e o absurdo, entre o previsível e a estupefação? E se, quando o garçom trouxesse a conta, passássemos a nos sentir liberados de qualquer responsabilidade de sermos - ou ao menos tentarmos ser - justos e inteligíveis em nossa produção?
Esta idéia me persegue porque, a cada dia que se passa neste País, a vida e a ordem parecem fazer menos sentido. Então, como já aprendemos a aceitar este descalabro que tomou conta da realidade, vamos buscar todo e qualquer sentido na ficção - já que a vida real nos presenteia com uma banana diária. Nos nossos filmes, nas nossas peças e romances, nos nossos curtas e nos nossos artigos, cada personagem deve ser um exemplo de coerência e bom senso, cada frase deve ser milimetricamente dissecada em nome do entendimento, cada situação tem de ser arquitetonicamente estável para que a estrutura inteira não venha abaixo. E, nos momentos finais, tudo deve ser absolutamente claro e transparente: a ficção tem de amarrar habilidosamente cada fio solto, ou sairemos do teatro dizendo que não vimos coisa com coisa, quer perdemos o nosso tempo e o nosso dinheiro. Que o autor foi incapaz de colocar ordem em seu pequeno mundo - e isso nos desagradou profundamente. Saímos tão irritados de uma obra que não se mostrou conclusiva que nos esquecemos que, na manhã seguinte, os jornais vão nos trazer dezenas de histórias injustas e anárquicas - mas a vida pode se dar ao luxo de ser caótica e revoltante; a nossa ficção, não. Temos de passar a nossa existência produtiva atrás de soluções para os enigmas que nós próprios criamos - e não nos damos conta de que a vida não está nem aí para as nossas questões. E muito menos tem a obrigação de se mostrar justa - ainda que todos os culpados já tenham sido descobertos e revelados.
Antes de deixarmos esta hipopética mesa de bar, todos seríamos informados de que haveria um dever de casa a ser feito: seríamos obrigados a criar uma história que tem como cenário um país imaginário, governado por um presidente que nunca soube de nada, nem que seus filhos e seu irmão mais velho possam estar envolvidos em operações pouco éticas. O presidente do Senado deste país imaginário teria suas contas pagas por empreiteiros, os aeroportos deste país viveriam num caos, e as estradas não seriam melhores, pois nelas haveria o risco de tiros, assaltos e bloqueios. Seria difícil criar uma trama doméstica para este presidente, pois o País nunca ouviu a voz de sua mulher - e existem dúvidas se ela realmente continua viva, ou se um dia foi. Este país estaria entre os dez mais ricos do mundo, mas suas crianças viveriam esmolando e esfomeadas pelas ruas das grandes cidades. Uma grande floresta neste país, que poderia ser a maior do mundo, sumiria um pouco a cada dia, pois até os índios deste país ajudariam os madeireiros ilegais que jamais seriam presos. Este país teria a maior carga tributária do mundo, mas não oferecia hospitais e escolas decentes para a população. Neste país, presidentes da OAB e ex-ministros não encontrariam nenhum impedimento ético de defender quem quer que fosse - afinal todos os moradores deste país imaginário teriam direito a uma defesa- que seria proporcional aos seus rendimentos. Neste país...neste país...neste país...
Aimar, Tide, Ivam, Guzik, Gero, Marta e Marici: se vocês aceitarem o desafio, por favor, criem um final feliz para esta história, vai. A gente tá precisando tanto. Lembram de quando a gente se sentia feliz e vingado no capítulo final da novela - quando os vilões eram presos ou mortos e todos os personagens do bem acabavam numa grande festa de casamento? Então, a gente adoraria um final assim.
sexta-feira, junho 22, 2007
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6 comentários:
parabéns por essa urgente e candente reflexão, querido. é um desafio, e a gente vai ter de encontrar uma resposta para ele. como disse o ivam, ecoando geralad thomas, 'eu quero mudar o mundo para sempre'. com todas as implicações disso.
Grande reflexão, Sérgio. Tenho pensado demais nestas questões, ultimamente. Grande beijo.
Nunca consegui me resolver quanto a algumas destas questões. Arte é comunicação, mas manda quem paga o ingresso? A única coisa que sei é que não perderia essa mesa de bar por nada. Nem que fosse para estar na mesa ao lado, escutando tudo.
Beijo, Sérgio.
Ivam e Vanessa: sabem que adorei a idéia de levar adiante esta mesa de bar mesmo... O local, claro, seria o Satyros, né?
"If you want a happy ending, that depends, of course, on where you stop your story"
(Orson Welles)
Mas, com um prólogo desses, eu duvido que essa história termine... que dirá bem.
Eu e o pessoal da Bacante estamos estamos dentro e faremos uma cobertura suficientemente sem busca de sentidos.
A altura.
É só chamar.
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