domingo, junho 03, 2007

Me ensinem só o que eu já sei

Um dos meus passatempos no metrô é observar o que as pessoas andam lendo. Não resisto em entortar o pescoço, se for o caso, só para ver quais títulos são dignos de acompanhar seus donos para baixo e para cima. Acredito que as leituras no metrô são um termômetro do gosto popular mais confiável que as listas de best sellers publicadas pelos jornais e revistas. Se não são mais confiáveis, ao menos parecem mais divertidas. A primeira constatação é altamente otimista: as pessoas lêem muito sobre os trilhos. E desconfio que este hábito se estenderia também aos ônibus, não andassem eles tão apinhados. Difícil encontrar um vagão em que não haja ao menos um passageiro com os olhos entretidos nas páginas de um policial, um livro espírita, uma biografia, no jornalzinho distribuído gratuitamente na entrada das estações e, principalmente, num título de auto-ajuda. Durante o auge de O Código da Vinci cheguei a contar, no mesmo vagão, quatro passageiros muito mais obcecados em saber a localização do Santo Graal do que o nome da próxima estação. Parecia a cena de alguma gincana.

Mas esta semana, uma cena me deixou intrigado. Já era quase meia-noite quando peguei o metrô no sentido Vila Madalena. Dentro do vagão, um homem de terno e gravata, pouco mais de 30 anos, parecia travar uma árdua batalha contra o sono para avançar pelas páginas de um livro chamado Os 7 Hábitos Das Pessoas Altamente Eficazes, um desses títulos americanos que, acredito eu, prometem tornar mais fácil a escalada rumo ao topo do mundo dos negócios. Fiquei pensando muito no sujeito. Será que ele realmente encontrava algum prazer naquela leitura ou ela tinha sido recomendada por algum gerente de Recursos Humanos que acha chique conjugar os verbos no gerúndio? Será que no dia seguinte, na hora do almoço, ele comentaria com seus companheiros de trabalho quais lições havia tirado da leitura? Será que sua produção no emprego melhorava à medida que ele se aproximava do final do livro?

Não resisti e fui pesquisar o título na Internet. Entre os sete hábitos das tais pessoas altamente eficazes estão: ser produtivo (ué, mas se a gente já é produtivo, o que mais o livro pode nos ensinar?), renovar-se sempre, comunicar-se empaticamente e utilizar a criatividade. Quando cheguei a este último tópico, resolvi parar a pesquisa. Tudo me pareceu tão óbvio e tão completamente já introjetado em nossa noção de sociedade competitiva que não senti vontade de avançar. Outro dia, dentro de uma livraria, resolvi dar uma espiada num manual que ensinava os pais a lidar com os filhos adolescentes. O autor é um médico renomado, pediatra se não me engano, que deve andar fazendo fortuna com este tipo de literatura. Fui direto ao capítulo que mostrava como os pais deveriam proceder quando os adolescentes queriam dormir fora de casa. Primeiro mandamento, ensinava o autor: pergunte ao adolescente onde ele pretende dormir e, se possível, obtenha o telefone deste lugar. Santo Deus: será que alguém que já criou um fiilho até chegar à adolescência ainda não aprendeu isso? Os mandamentos seguintes pareciam de uma obviedade tamanha que, caso eu tivesse comprado o tal livro, bateria com a cabeça na parede como punição por ter sido tão estúpido.

E descobri, depois de dar uma olhadinha num título aqui, uma espiadinha num outro título ali, quais são os segredos para emplacar um sucesso neste nicho da literatura: jamais assuste o seu leitor. E não revele a ele nada que ele já não conheça ou não tenha descoberto sozinho. Diga tudo o que ele já sabe e o ensine a fazer tudo aquilo que ele já aprendeu. Quem compra livro de auto-ajuda, desconfio eu, não quer aprender absolutamente nada de novo e muito menos ser desafiado em suas crenças. Quer gastar 40 reais pelo prazer de poder dizer, do alto de sua sabedoria de vida, quando vencer o último parágrafo da obra: viu só como eu estava certo!

3 comentários:

Aimar disse...

E o pior é que tem muita peça em cartaz que segue a mesma receita: só entregar o que o público já tem. Será que podemos chamá-lo também de auto-ajuda?
abração,
Aimar

Maurício Alcântara disse...

Na Piauí deste mês saiu um texto excepcional falando sobre a literatura espírita, que juntamente com a literatura de auto-ajuda (ou seria auto-engano?), toma conta do quiosque dos mais vendidos das livrarias de shopping center... Inclusive, outro dia vi uma Nobel Express (ou será Siciliano?) em um posto de gasolina, e só vendia esse tipo de literatura, ao lado de revistas semanais e de fofocas... Bem triste... hehehe
Abraço!

Só no blog disse...

Aimar, queridão. Bem lembrado, viu. Eu não tinha pensado nisso. E olha que, pensando bem, é o que mais tem, né? Super abraço.