Esta semana morreu o Pekin, o gatinho de olhos azuis do amigo Alberto Guzik. Pekin estava com 20 anos, o que fazia dele uma espécie de Oscar Niemeyer entre os felinos. Não sei qual critério os veterinários adotam para estabelecer a equivalência entre a idade de cães e gatos e a idade dos humanos. Mas, se tais critérios forem realmente válidos, Pekin já era um respeitado senhor de 98 anos, um velhinho serelepe que até semana passada conseguia dar alguns saltos ainda graciosos. Guzik comunicou a morte do Pekin por meio de um post emocionado, uma declaração de amor que nem todo mundo é capaz de entender. Ele terminava o post agradecendo ao gato pelos 20 anos de amor e companhia. Se Pekin pudesse ler o post, talvez tivesse, com a cauda em riste, respondido algo do tipo: “Que é isso, Alberto! Eu sim é que tenho de agradecer por um século de carinho e bons tratos. O débito é meu”.
Resolvi falar do Guzik e de sua relação com o já saudoso Pekin (que eu conheci durante mais da metade da sua vida) porque foi por meio deles que eu finalmente criei coragem para trazer um gato para dentro da minha casa, o Chiquinho, um persa de pelos amarelados e extremamente ciumento. Sei que eu não deveria atribuir aos animais sentimentos típicos dos seres humanos, como o ciúme, mas quem tem bicho em casa vive se esquecendo de que talvez a cabecinha deles funcione a partir de outros valores. Eu sempre gostei de animais, desde que me dei por gente. O primeiro presente que pedi ao meu pai, presente mesmo, foi um cachorro. Eu tinha três anos. Como meu pai demorasse a atender o pedido, meu avô intercedeu por mim e um dia apareceu em casa com um filhotinho vira-lata, magro e pulguento, a quem eu batizei com o óbvio nome de Bob – e Bob conviveria com a gente pelos próximos 17 anos. Durante este longo reinado de Bob em nossa família, tivemos muitos gatos também – mas os gatos sempre foram amores passageiros. Um belo dia, eles saíam para caçar ou namorar e nunca mais voltavam. Eles não se viam exatamente como bichos de estimação – cheios de si e orgulhosos de sua autonomia, eles eram no máximo visitantes de luxo que um dia arrumariam as malas para sempre.
Por isso, quando me mudei para São Paulo o que eu queria mesmo era a fidelidade de um cachorro. Por sorte, abandonei esta idéia ao perceber o quanto o bicho ficaria sozinho em minhas longas ausências para trabalhar. Eu ficaria feliz por ter um cachorro, mas nenhum cachorro seria feliz por ter a mim como dono. Então foi observando Pekin que eu descobri que os gatos podiam ser bichos bacanas também. E num sábado de carnaval eu decidi comprar o Chiquinho em um pet shop de Moema. Ele mais parecia um bibelô – eram dois olhinhos amarelos espremidos numa cara sem focinho. E pelos, muitos e longos pelos. Chiquinho precisou de menos de uma semana para mostrar que tudo que eu pensava sobre os gatos era mentira. Gatos não são carinhosos? Mentira. Não se apegam ao dono? Faz-me rir. São interesseiros e calculistas? Bobagem pura. Chiquinho se adaptou totalmente aos meus horários: se eu passava a noite em claro, lá estava ele ronronando ao meu lado; se eu levantava cedo, ele também pulava cedo do sofá; se eu demorasse meia hora no banho, ele ficava meia hora com o focinho colado ao boxe do banheiro. Um grude total.
Um dia eu falei sobre isso com o Guzik. Reclamei, vejam só que idiotice, que o Chiquinho gostava demais de mim e não largava do meu pé. Logo eu, que achava que tinha comprado um bicho independente. Guzik então me respondeu (e talvez nem se lembre mais da resposta) o seguinte: você é a única referência de vida que ele tem. Se ele não gostar de você, vai gostar de quem? Daquele dia em diante, passei a me sentir muito mais responsável pelo Chiquinho. E, na medida do possível, tentei retribuir tanto carinho e atenção, mas até hoje desconfio de que não fui capaz.
O tempo passou, Chiquinho virou um lindo macho adulto e gordo e eu precisei passar umas semanas fora. Levei o gato para Jundiaí, na casa dos meus pais, onde ele descobriu uma série de prazeres que iam muito além da minha pessoa: o quintal, a grama, o sol no fim da tarde, a terra sob as patinhas, o capim preso no pelo, as borboletas, os pardais, a companhia de uma gata safada e a amizade improvável de Naná, uma fêmea de pastor alemão em cujo colo ele aprendeu a dormir – e ela gentilmente permitia. Se ele pudesse dizer alguma coisa naqueles dias, seguramente diria que era o gato mais feliz do mundo.
Até que numa manhã de terça-feira Chiquinho foi encontrado em um terreno baldio, no fundo da casa dos meus pais, ferido de morte: ninguém sabe se foi uma pedrada, uma paulada ou mesmo o ataque de um cachorro que tinha partido ao meio sua coluna. Ele morreu na hora do almoço, no colo da minha mãe, sem dar um único miado de dor. Um lorde até o fim. Tinha seis anos de gato e uns 40 anos de gente, se os veterinários estiverem mesmo certos. Só uma coisa, um detalhe talvez bobo, me deixa um pouco triste quando eu me recordo desta história: é desconfiar que apesar de toda a independência e egoísmo que costumam erroneamente atribuir aos gatos, Chiquinho dedicou mais amor a mim do que eu a ele. Mas eu aprendi a lição.
quarta-feira, março 25, 2009
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9 comentários:
To abalada !
Publica o conjunto dos seus posts num livro, vai !
o que dizer, não é?Feliz daquele que ama e é amado por um animal.beijos, Rachel
Me emocionei e estou indo agora abraçar e curtir a minha cachorra que está com 14 anos de cachorro e 98 de gente.
Uau, que ótimo, Ana. Abração, Sérgio
Anita e Rachel, brigadão pelo carinho de sempre. Fico muito feliz com a visita de vocês. beijos
Sergio, é a primeira vez que acesso seu blog...linda a estória que vc descreveu...só consegui enxergar amor em tudo que lí, não estou certa de que podemos quantificar o amor ou se ele é a quantia certa do que doamos...
muito lindo este post.
[[]]abraços,
Glorinha_b
você é incrível, Sérgio! incrível mesmo. um beijo carinhoso e algumas lagriminhas
você é incrível, Sérgio! incrível mesmo. um beijo carinhoso e algumas lagriminhas
Cléo, querida, e Glorinha, bem-vinda: muito obrigado novamente pelo carinho de vocês. beijo grande.
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