segunda-feira, março 16, 2009

Quadro negro

Eu havia prometido a mim mesmo que não iria assistir aos documentários Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore, A Última Hora, produzido e narrado por Leonardo DiCaprio, e O Planeta Branco, sobre a vida (ou o término dela) no pólo norte. Acabei vendo os três. Estes filmes que anunciam o fim do mundo me deixam seriamente deprimido, porque eu acredito neles. Não que eu pense que o mundo vá terminar como um todo, mas sinto que este mundo, tal como a gente o conhece, parece estar mesmo com os dias contados. Sinto que esta é a nossa verdadeira ameaça, e não a crise, os conflitos políticos e as guerras religiosas. A batalha para recuperar o planeta – que muitos já anunciam perdida – promete ser mais traumática do que todas as guerras que já enfrentamos.

Mas eis que ontem entro no cinema para ver Entre os Muros da Escola – sem saber que estava diante de um verdadeiro filme-catástrofe. Nem Al Gore e suas previsões fatalistas foram capazes de me provocar tamanho mal-estar quanto este filme francês. A realidade daquele professor de francês em uma escola pública de Paris, às voltas com uma turma de adolescentes em que o mais bonzinho não pensaria duas vezes caso tivesse de matar a própria mãe, quase me fez sair do cinema. E eu ficava me perguntando, a todo momento, o que é que estava me incomodando tanto. Percebi que mais do que geleiras derretendo ou ursos brancos sem território para caçar e viver, Entre os Muros já nos revela um mundo que acabou bem antes do pólo norte. E este mundo que acabou era o mundo em que, bem ou mal, fomos criados com alguma noção de respeito, civilidade e convivência. Entre os Muros nos assegura que a guerra já começou e só não se dá conta disso quem não quiser.

O filme, no meu entendimento que ainda está se processando, parece ser uma miniatura cruel da época de intolerâncias que estamos atravessando e que não se limita às salas de aulas. Não fiquei assustado por tudo aquilo estar ocorrendo na França, país notório por sua diplomacia e seu apego ao diálogo e à razão. Fiquei assustado porque aquilo deve estar ocorrendo no mundo inteiro. Fiquei me lembrando dos meus tempos de ginásio, também em escola pública, e vi que o que mantinha a nossa disciplina e o nosso interesse nas salas de aula não era o medo dos castigos e da reprovação no fim do ano. Éramos disciplinados, ordeiros e até certo ponto submissos porque acreditávamos não exatamente na autoridade do professor, mas na sua capacidade de transmitir conhecimento. Nós os respeitávamos, acredito eu, porque tínhamos a certeza de que não estávamos perdendo tempo ali, e que ele, o professor, era alguém acima de tudo útil em nossas vidas, alguém que tinha algo de muito valioso a nos ofertar. Em troca do conhecimento dele, entrávamos com nossa dedicação, nosso silêncio e nosso respeito. Era uma troca que, de novo sob o meu ponto de vista muito particular, era vantajosa para os dois lados. A nossa colaboração em troca de conhecimento.

Entre os Muros mostra a derrocada deste sistema – sem que tenha surgido algo melhor para entrar em seu lugar. É ruína e só. O mais assustador do filme é a certeza expressa por todos aqueles alunos de que a escola não tem absolutamente mais nada a lhes ensinar – e talvez não tenha mesmo. E então a gente se lembra de todos aqueles professores que tiraram nota zero e vão continuar lecionando aqui em São Paulo e é nesta hora que o filme se torna visionário. Se acabou a escola – aquela extensão da nossa casa onde vamos aprender realmente o que interessa naquela idade – o que é que restou?

Hoje, ao conversar com um amigo que também viu o filme, ele me recomendou pensar melhor em tudo isso. “Calma”, ele me disse. “Não é a França que vai salvar aqueles alunos aparentemente desordeiros. São aqueles alunos que vão salvar a França e o resto do mundo. Temos de prestar atenção no que eles têm a dizer. Eles são a nossa única salvação possível”. Sinceramente não sei. Meu primeiro impulso foi sentir uma raiva tão danada daquela pirralhada toda que não sei se quero ser salvo por eles....

2 comentários:

Anônimo disse...

saí do filme exatamente como você. e também não acredito que desses jovens possa vir alguma solução. só se por solução entendermos o caos. você conseguiu pôr em palavras o que eu não consegui. fiquei de voltar a escrever sobre o filme e não quero. que vom que você o fez desse jeito. abração e saudades. guza

Só no blog disse...

Guza, eu confesso que este filme me deu medo porque despertou um lado reacionário em mim. Não sei se o termo é exatamente este, mas um lado em mim que ainda acredita que deva haver autoridade e hierarquia em algumas relações sociais. Será que é antiquado pensar assim? Só sei que aquele mundo do filme me deixou em pânico, sério.