Durante minha vida toda, entendi o pronome outro apenas como o contrário de este. Sempre foi fácil compreendê-lo e empregá-lo no dia a dia nas suas mais variadas formas. Por exemplo: você está com um amigo no estacionamento do shopping e pergunta: hei, não é este o seu carro? E ele responde: não, é outro. Simples assim. Os tempos atuais, no entanto, encontraram um novo valor para o pronome outro. Hoje, o outro compreende tudo aquilo que não somos nós, que se afasta das nossas crenças e convicções. O outro agigantou-se e ganhou novos formatos e usos. Por consequência, tornou-se mais difícil agora compreender tudo aquilo que o outro nos tenta dizer.
O bom é que não precisamos estar necessariamente sozinhos neste novo aprendizado. Em nosso socorro, surgem três belos filmes em cartaz na cidade que resolveram abordar justamente o outro. Sobre o primeiro deles, Entre os Muros da Escola, eu já falei aqui semana passada. E fico feliz de saber que o filme tem provocado uma série de debates entre educadores e alunos. Não tive a chance de assistir a nenhum destes debates (alguns estão sendo até noticiados pela grande imprensa), mas torço para que estas discussões sejam capazes de apontar um caminho eficiente para a escola pública. Um caminho que preserve a dignidade de quem ensina e o prazer de quem aprende. Não me parece que seja uma equação tão difícil de ser solucionada.
Se Entre os Muros mostra a rotina cruel de uma escola multirracial na periferia de Paris, o segundo filme, O Visitante ,fala de um jovem imigrante sírio que tenta levar uma vida honesta e dedicada à música em um Estados Unidos ainda traumatizados pelo 11 de setembro. Completa a lista o último longa de Clint Eastwood, Gran Torino, sobre um americano idealista , ranzinza e reacionário que, após lutar na Guerra da Coréia e trabalhar durante 30 anos na linha de montagem da Ford, vê seus filhos comprando carros japoneses e seu outrora pacato bairro ser ocupado por imigrantes asiáticos – com os quais não pretende levar adiante nenhuma tentativa de diálogo.
Não são filmes felizes, longe disso. De uma maneira particular – e bastante eficaz nos três casos – os filmes falam, acima de tudo, daquele instante em que um elemento estranho passa a fazer parte da nossa realidade – com sua pronúncia cheia de sotaques, seus hábitos exóticos, sua culinária incompreensível e seus valores que pouco parecem ter a ver com os nossos. O choque é inevitável e de proporções muito severas às vezes. Se se limitassem apenas à descrição precisa deste momento inicial em que o mocinho branco e loiro estranha a presença do mocinho de olhos rasgados ou pele morena, os filmes não cumpririam uma função que eu acredito até terapêutica. Felizmente, eles vão além. E mostram de que maneira o outro, recebido a princípio com tanta hostilidade, pode preencher a nossa experiência de vida com algo que nem supúnhamos existir. Este lampejo de otimismo não fica tão claro no filme francês sobre a escola – talvez por ser quase um documentário mais preocupado em retratar uma instituição do que a sutileza das relações humanas.
Mas em O Visitante e Gran Torino chega a ser quase prazeroso deixar o cinema mesmo sem ter encontrado um final tipicamente feliz – ou ao menos aquele ideal de felicidade que o cinema está acostumado a nos oferecer. Percebo agora que não são filmes que nos acenam com a possibilidade de um mundo idílico. Ao contrário: eles escancaram o tanto de dor e injustiça que está logo ali do lado de fora. Mas nos asseguram, e isso vale o ingresso e o estacionamento, que, como um cão farejador, o ser humano ainda consegue encontrar uma brecha de amor, esperança e redenção antes que o “the end” desponte na tela.
terça-feira, março 24, 2009
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2 comentários:
Estou as lagrimas !
Mora ha 10 anos na Holanda e muita gente ainda me olha na diagonal.
Oi, Anita, que bom saber que o blog vai tão longe, né? Acho que você entende do que eu falei bem melhor do que eu, então. abração e sucesso aí.
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