domingo, março 22, 2009

Além do horizonte

Penso na minha vida e na dos meus amigos mais próximos e chego à conclusão otimista de que as coisas vão bem. Não que elas aparentemente estejam bem, mas vão bem de verdade. A crise não tirou o emprego de nenhum de nós, ao contrário, vejo que todos temos projetos em demasia até; a saúde, se não formos tão rigorosos e concordemos em deixar de fora a insônia comum a quase todos nós, também não oferece grandes preocupações; alguns estão amando, outros estão sendo amados e nem se dão conta disso; nenhum de nós, por fim, parece carregar grandes cicatrizes. Dito isso, era de se esperar que a vida fosse uma grande e diária celebração, mas eu sinto que não é. Nossa contabilidade emocional parece estar no azul, mas ainda assim nos queixamos. E nos queixamos muito até. Nos queixamos todos os dias, sozinhos e acompanhados. E isso me faz pensar muito sobre o que estaria na raiz da nossa insatisfação. É como se a queixa nos credenciasse a participar de uma sociedade imperfeita. Ora, talvez pensemos, se o mundo anda tão complicado e se nós fazemos parte dele, então é normal que nos sintamos complicados também. Mas é possível que não haja muita lógica neste pensamento.

Os anos de vida e as centenas de horas gastas na terapia já me ensinaram que nunca conseguiremos mesmo encontrar a tampa para este poço. O menor dos nossos desejos irrealizados parece se tornar mais urgente do que o grande número das nossas conquistas. É como se estivéssemos condenados a sofrer sempre pela ausência de alguma coisa que nos parece essencial, ainda que não saibamos, na maior parte do tempo, que coisa realmente seja esta. Então eu penso se, num absurdo exercício de egoísmo (como se isso fosse possível) nós deveríamos virar as costas para tudo aquilo que acontece de chato no mundo, ainda que por enquanto não nos afete diretamente. O planeta está se aquecendo? Eu compro um ar condicionado. A pedofilia cresce de maneira assustadora? Eu não tenho filhos. O tráfico faz cada vez mais vítimas nos morros cariocas? Eu moro bem longe. Um terço da população da Terra passa fome? Minha geladeira está bem suprida. Existe cada vez mais corrupção na política? Eu deixo de ler os noticiários políticos.

Toda esta improvável alienação nos faria diferentes do que somos hoje? Nos deixaria mais blindados, mais seguros, mais estranhamente felizes? Eliminaria os sobressaltos dos nossos sonhos? Espantaria os ataques de melancolia que nos visitam até no meio de uma balada? Não sei a resposta. Da mesma forma que meus amigos, a quem a vida ainda está mostrando seu perfil mais sorridente, também não devem saber.

Às vezes eu penso que viver, no fundo de tudo, seja mesmo esta busca interminável por alguma coisa que nunca vamos saber o que é. O nosso Santo Graal particular. Eu torço para que, ao longo deste caminho obsessivo que começamos a percorrer no momento em que nascemos, a gente não feche os olhos para as pequenas pérolas e os inúmeros brindes que vão surgir aqui e ali. Já que a arca com o tesouro completo, que acreditamos haver lá no final, é bem provável que ela nem sequer exista. Mas seguir determinados em sua busca, me parece, é o que nos mantém vivos. Ainda bem.

2 comentários:

Anita disse...

Uhuu ! Primeirona nos comentarios !
"Se es feliz com sua ignorancia, sera tolice tornar-se sabio". Quem fica lendo muito e procurando sentido pras coisas acaba pirado ! Tem que se viver como uma ameba para ser feliz !

Anônimo disse...

serginho, que texto lindo. e que bom que foi pra mim ler isso agora. mais uma vez você foi certeiro. e irônico. e cético. e eu gosto que gosto de ler tuas reflexões. beijo grande do seu hoje triste amigo. guza.