sexta-feira, agosto 29, 2008

Vidinha de uma nota só

Os amigos podem discordar de mim, e talvez até com certa razão, mas depois de toda esta enxurrada de notícias sobre João Gilberto, Roberto Carlos, Caetano Veloso, a estréia do filme Os Desafinados (que eu não vi e não gostei), depois de toda as manifestações de amor e ódio que estes artistas, sozinhos ou em parceira, provocaram no último mês, eu, de bom grado, digo aqui que passaria os próximos cinqüenta anos sem ouvir falar em bossa nova. O que era um movimento musical, e dos bons, cansou mais do que qualquer dança da boquinha da garrafa. A cada vez que abro os jornais e leio, de novo, uma linha que seja sobre Caetano, Roberto ou João Gilberto, juro que tenho vontade de colocar um CD do Guns, do Metallica ou do ACDC para tocar bem alto aqui em casa e desejar, do fundo do coração, que o banquinho quebre, que o violão desafine, que um arrastão leve até a calcinha da garota de Ipanema e que a tardinha vire uma tempestade de verão dessas de parar a cidade.

Há algumas semanas eu falei aqui sobre a atual falta de bom senso da imprensa, sobre a inacreditável ausência de sensibilidade dos editores e repórteres para perceber que determinado assunto cansou, sobre a mente provinciana e colonizada daqueles que ainda não perceberam (bateu saudade de Cazuza) que o tempo não pára e que o show de anteontem nada mais é do que o show de anteontem. A vida passa, a fila anda e, três semanas depois da apresentação de João Gilberto, não é mais relevante saber se sua chegada ao Ibirapuera com quase duas horas de atraso se deu porque ele estava jantando um bifinho ou uma saladinha, se ele comeu devagarzinho ou se engoliu rapidinho, se resolveu escovar o dentinho antes de sair do hotelzinho agora decrépito ou se pegou um transitinho no caminho, se estava bravinho ou de bom humorzinho.... Caralho, até quando?

Sabe o que parece, de verdade? Que somos um bando de alienados e desocupados que vivem numa corte de um país periférico, onde a nossa única diversão é passar o ano inteiro à espera de algum detalhe da vida de algum rei, seja ele da bossa nova, do pop ou do futebol. Ó, o rei está chegando! Caiamos todos de joelho, então. Ó, o rei não gosta de barulho! Interrompamos nossa respiração, então. Ó, o rei não gostou de ler que seu show foi criticado por dois jornalistas traidores do movimento de adoração incondicional à pessoa real! Ó, enviemos os dois jornalistas à guilhotina, então. O rei, afinal, tem de se sentir feliz ao ler os jornais matutinos, ainda que os mesmos jornais espalhem merda e tristeza sobre o resto da corte. Mas o rei, ao contrário de nós, o rei tem o rei na barriga e só consegue se alimentar de elogios. Conta outra.

Talvez eu esteja parecendo irritado aqui, mas juro que não é só aparência, não. Desta vez é irritação em estado bruto mesmo. Outro exemplo? Madonna! A diva do pop vai se apresentar em São Paulo no dia 18 de dezembro, ou seja daqui a três meses. Pergunto: quem aqui ainda agüenta ouvir falar neste show de Madonna? E tem mais: a sandice ainda nem começou. Vocês vão ver o noticiário sobre a venda dos ingressos, que começa semana que vem. Daqui até dezembro os cadernos culturais não terão outro assunto, querem apostar? Já sabemos tudo que ela vai cantar, todos os seus movimentos foram cientificamente cronometrados, sabemos a ordem das canções, em que momento ela vai trocar de roupa, sabemos quem são os músicos que a acompanham, sabemos quanto custa o ingresso em cada parada de sua turnê mundial e iremos ser informados, até o dia do show, provavelmente sobre a grife da calcinha que ela vai usar. Nada mais de surpresa, nada mais de novidade, nada mais de excitação, nada mais de descoberta, nada mais de sair de casa sem saber o que nos aguarda. O mundo decretou a morte do imprevisto e do sobressalto. Já sabemos, em agosto, o que iremos ganhar de natal, quanto custou, onde foi comprado, em quantas vezes nosso presente foi parcelado e até a cor do papel em que ele virá embalado. Então eu pergunto de novo: que graça tem ganhar presente assim tão mastigado?

Para finalizar: alguém precisa dar um toque para o Caetano Veloso que um artista que chegou aonde ele chegou, que canta como ele canta e que, acima de tudo, que compõe tantas obras primas em escala quase industrial, não precisa, mesmo, perder suas preciosas horas de sono para responder críticas de jornalistas. Até artista em início de carreira já aprendeu a evitar estas armadilhas. E, ainda que as queira responder, o que não deixa de ser um direito seu, chamar jornalistas de bocó, burro, bobo e feio, realmente não condiz com a elegância de sua obra. Tão genial... e tão tolinho! Chega a dar pena. Perguntem se Roberto Carlos deu bola para o que escreveram do show. Este rei, ao menos, sabe que a indiferença é a suprema prova da realeza.

11 comentários:

filipe com i disse...

ainda bem que vc não tava de mau humor, rs... dá-lhe roveri! chega de saudade (oops!). bjs

Anônimo disse...

adorei o texto, cara. assino em baixo. c tá certo do começo ao fim. guza

Só no blog disse...

Como é bom a gente estar em boa companhia nessas horas! Pelo fim do banquinho!!!!! Beijos saudosos

geheimnis disse...

você é meu rei!

Só no blog disse...

... e juro que não chego atrasado!!!!!! Um super abraço

Viralata disse...

hauhauha!!! meu deus quanto tempo que eu não te vejo e queria te ver agorinha mesmo para te beijar!kkkkkk, olha eu tenho TODOS os 'Guns', 'Metalica' e na ultima semana só ouvi 'Smiths' quer que eu te empreste?
Essa história toda está sendo um saco e juro que ia postar algo sobre a histeria da madonna, mas depois que eu te li já dei por escrito, heheh!
Meu deusdocéu nessa febre esqueceram até o 'rei' Michael Jackson que tb faz 50 anos hj! hauahuah

Anônimo disse...

brilhante, Roveri, concordo em genero, numero e grau...beijos e viva a sua irritação. Rachel

Só no blog disse...

Rachel e Caetano: é sempre um prazer imenso saber que vocês passam por aqui. Beijo grande e até já...

Anônimo disse...

roveri, sua crônica traduz exatamente o meu sentimento com relação a esses assuntos. estou farta de bossa nova, joão gilberto e show de roberto e caetano. só de ver as matérias nos segundos cadernos dos jornais me dá um enjôo danado - e nenhuma vontade de ler! ainda bem que não estou sozinha, hehehe.

Só no blog disse...

Fernandinha, querida. Como jornalista, fiquei pensando muito se eu deveria escrever sobre este assunto. Existe sempre o medo de magoar alguns amigos da nossa profissão. Mas, antes de jornalistas, nós somos leitores e cidadãos, não é mesmo? Então, vamos falar sobre o que nos incomoda, sim. Obrigado pela visita aqui. Beijo grande.

Valéria Medeiros disse...

Olá, Sérgio. Já recebi, só está faltando achar tinta preta pra minha impressora! Não estou achando em lugar algum! Esta é uma das fotes pressões pra se comprar coisas novas eternamente... Se a gente não é manipulado pela propaganda, pelo fetiche do novo e da moda, eles tiram do mercado a tinta que serve pra vc q tá ali quietinha, satisfeita, apenas usando... Bom, isso tudo pra dizer q só consigo ler em papel: sublinhar um texto, tocá-lo também é lê-lo.
E esta história de assunto repetido ao esgotamento (eu não leio) de detalhes dos tais reis só estampa que somos uns fuxiqueiros. Infelizmente há nos jornais ditos culturais, intelectuais etc muito de Contigo, Quem etc. As pessoas se alimentam desta fofoca diária que só desvia desvia pra nada, e vamos nós saber do baton, do perfume, do companheiro perfeito, da comidinha... tudo acaba nestes inhos uniformizados, um horror!
bjim,
Valéria