sábado, maio 31, 2008

O beijo gay das novelas

A novela Duas Caras termina neste sábado, dia 31. Como não assisti a nenhum dos capítulos anteriores, é muito provável que não veja o de hoje também. De tudo o que eu li a respeito desta novela nas colunas de televisão, me restaram apenas três informações: havia na história uma favela chamada Portelinha, Suzana Vieira era dona de uma escola e o autor do folhetim, Aguinaldo Silva, tentou até o último instante emplacar um beijo gay entre dois personagens homens. E parece que não conseguiu.

De alguns anos para cá, provavelmente desde o final da novela América, de Glória Perez, que cada novo folhetim promete, enfim, exibir um beijo entre dois homens. Às vezes, este fato isolado ganha, na imprensa, mais destaque do que a própria trama da novela. Há algumas semanas, a Folha de S. Paulo publicou, com certo destaque, que a continuação da novela Caminhos do Coração, na Record, teria dois homossexuais no enredo e que, lá pelas tantas, eles iriam se beijar. Ao ler notícias deste tipo, em que a possibilidade remota de um beijo merece tanto destaque, eu me sinto morando na roça em algum momento do século 19. Eles falam de um beijo como se falassem que, em setembro ou outubro do ano que vem, o papa faria um strip-tease ao som de Like a Virgin, de Madonna.

Então, eu me pergunto: mas por que tanto barulho por causa de um selinho entre dois homens? Semana passada, a Parada Gay reuniu um público estimado em três milhões de pessoas. Não fui, mas imagino que o que não faltou por lá foi beijo entre homens na avenida mais importante do País. Fotos de homens se beijando foram publicadas na internet, jornais e revistas. Acredito, também, que as milhares de crianças e velhinhas que costumam frequentar a parada não perderam o sono naquele domingo por ter visto dois bigodes se ralando bem ali ao seu ladinho.

O grande problema das emissoras, na minha opinião, não é a recusa em exibir o beijo gay, e sim os argumentos empregados por seus executivos para tentar justificar a proibição. Todos eles, sejam da Globo, Record ou Bandeirantes, dizem que a sociedade brasileira não está preparada para ver dois homens se beijando. Creio que nesta época em que a sociedade brasileira se mostra tão pluralizada, não seria nem o caso de se perguntar como tais executivos chegaram a esta conclusão. Ou a que tipo de perfil sociológico do povo brasileiro eles andam tendo acesso. A questão que se impõe é muito mais grave: para que a sociedade brasileira está pronta, então? Para ver seus representantes no Congresso sendo envolvidos numa série de falcatruas? Para ver parte de sua polícia fazendo negócios com traficantes? Para ver gente morrendo dentro da própria casa vítima de bala perdida? Para ver crianças serem arrastadas por carros de bandidos ou atiradas pelas janelas? Para ver gente sofrendo na fila do SUS? Para ver as idiotices ditas e praticadas pelos participantes do Big Brother durante quatro meses por ano? Para ver as idiotices ainda maiores dos programas vespertinos da própria televisão? Para ver adolescentes viciados em crack se arrastando pelas ruas das grandes cidades?

Para tudo isso estamos prontos e maduros, então? Mas um beijo, um único beijo, que seguramente não vai passar de um selinho caso venha mesmo a ser exibido, vai conseguir, sozinho, implodir todos os alicerces morais da nossa sociedade? Que beijo poderoso, meu Deus! É assustadora a capacidade que a televisão tem de vilanizar o beijo, esta forma tão inocente e pueril de carinho entre duas pessoas, enquanto que tudo aquilo que realmente é nocivo não para a nossa moral arcaica, mas para a nossa noção de cidadania, continua a ocupar o horário nobre da nossa programação, a esfregar na nossa cara o quanto somos incompetentes na hora de administrar a nossa coletividade.

Eu torço para que este aguardado beijo venha logo. Não por qualquer deleite estético ou sexual. Torço para que ele venha logo para que a gente possa ver, no dia seguinte nos jornais, uma notícia assim: beijo gay não levanta ibope da novela. E, neste dia, os executivos das emissoras de televisão vão aprender o que qualquer adolescente já sabe: um beijo sozinho não faz milagres.

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