Passo em frente a uma banca de jornal e tomo o maior susto ao ver a capa da revista Flash. LUCIANO HUCK ASSASSINADO POR UM ROLEX. Este era o principal título da publicação, escrito assim, em letras enormes, ao lado de uma foto de Huck com sua mulher, a apresentadora Angélica. Na hora eu pensei: meu Deus, será que o incidente com o tal relógio, que Huck soube tão bem capitalizar a ponto de lhe render uma capa na revista Época e as páginas amarelas da Veja, tinha realmente se convertido numa tragédia? Chego mais perto da banca, já que ultimamente meus olhos, sem óculos, só me permitem ler mesmo as letras graúdas, e percebo que, de maneira muito mais discreta, havia um complemento logo abaixo da manchete: Isto poderia ter acontecido. Respirei aliviado. Luciano Huck não morreu. Quem morreu foi o jornalismo.
Fiquei alguns momentos ali, parado diante da banca, pensando até onde é capaz de ir a inconseqüência de um tipo de jornalismo que se pratica cada vez mais neste país - e, ao que tudo indica, no resto do mundo também. Eles estampam, em manchete, que uma figura pública como Huck é assassinada para esclarecer, logo abaixo, que isso poderia ter acontecido. Resolvi ampliar um pouco a brincadeira proposta pela revista Flash e fiquei imaginando qual seria a reação mundial se um dia lêssemos uma manchete assim: BIN LADEN LANÇA BOMBA ATÔMICA EM LOS ANGELES E MATA 700 MIL. Depois, em letras bem menores, viria o alívio: Isto poderia ter acontecido.
Claro que sim. Tantas coisas poderiam ter acontecido, ou não. Jesus Cristo poderia não ter sido crucificado, Hitler poderia não ter enviado milhões de judeus aos campos de concentração, Fernando Collor poderia não ter sido eleito, eu poderia ter ganho na mega-sena sozinho e agora estaria escrevendo este post de um cyber café no hotel Ritz de Paris... O mundo poderia ser um lugar muito mais divertido se o jornalismo passasse a se dedicar a esta prática alucinógena. Neste dia, não nos preocuparíamos mais com os fatos e sim com as suposições. O que aconteceu seria irrelevante; bom mesmo seria discutir o que poderia ter acontecido. Eu penso que assustadora é a palavra que melhor define este new-journalism que a Flash adotou esta semana. Huck, acredito eu, talvez tenha até ficado feliz em saber que seu Rolex foi capaz de distorcer ainda mais a visão que nós, brasileiros, estamos tendo da realidade. Quem sabe em 2008 a Cásper Líbero, a PUC, a USP e outras tradicionais escolas de jornalismo do país incluam em seu currículo uma disciplina chamada Jornalismo Adivinhatório. Seguramente, muitos profissionais atuantes no mercado dariam grandes mestres.
Se eu não aparecer por aqui nos próximos dias, é porque eu poderei ter decidido escalar o Himalaia - um lugarzinho gelado e inóspito que, até onde eu saiba, não dispõe de cyber café e nem de pivetes doidos para roubar um Rolex.
quarta-feira, outubro 17, 2007
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3 comentários:
Oi Roveri, tive a mesma impressão que vc sobre o jornalismo. É muita falta de noção e muita sobra de oportunismo colocar um título desses na capa de uma revista.
O que esses editores tem na cabeça?
beijo,
Adriana
e a galera lê, e compra, e esse tipo de jornalismo se torna um sucesso.. e surgem novos sensacionalistas, e por ai vai...é a notícia em forma de fofoca: errada, exagerada e mesquinha :D!
Para essa parte da imprensa, a adivinhação, a hipótese e o sensacionalismo passam ser a informação. O pior é que eles acreditam nisse e querem que a gente engula..... Argh!!!
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