quarta-feira, outubro 24, 2007

Uma praga cor de abóbora

Sempre fui da opinião de que todo trabalho, a princípio, é honesto... antes de surgirem os flanelinhas, é claro. Acho que poucas coisas, nos últimos tempos, se reproduziram de forma tão acelerada e sem controle quanto os flanelinhas. Sinto que eles estão, literalmente, cada vez mais perto de mim. Houve uma época em que eles eram vistos apenas próximos aos estádios de futebol, casas de show e alguns poucos teatros. Dentro de pouco tempo, eu tenho medo, eles estarão agindo dentro das nossas próprias garagens.

Não foi apenas na quantidade que esta categoria apresentou mudanças. A abordagem também ficou diferente. Até pouco tempo atrás, eles se contentavam com um real. Havia alguns, mais compreensíveis, que diziam assim: doutor, deixa aí quanto o senhor puder ou quiser. Tirando a parte do doutor, que realmente é chata, o resto do diálogo era até comovente. Agora, não. Eles estipulam o preço, que costuma variar de três a cinco reais, e adotam uma postura muito mais agressiva. EStamos nos tornando, aos poucos, reféns dos flanelinhas.

Ontem fui almoçar na Mercearia São Pedro, um dos cantinhos mais adoráveis e desorganizados da Vila Madalena, um misto de restaurante, locadora de vídeos, livraria e quitanda em que a quantidade de clientes bacanas só é menor que o mau humor dos donos. Moro a apenas duas quadras dali, mas como estava chovendo resolvi ir de carro. Quando estava estacionando o carro, na Rua Jericó, já apareceu um flanelinha para me ajudar na manobra. Isso é outra coisa que irrita: gente que tenta nos ajudar a estacionar o carro. Eu já sou péssimo nestas manobras sozinho. Quando surge alguém para gritar: isso, agora vira, vai um pouco pra frente, ôpa, foi muito, agora volta, não, não deste lado doutor, vira do outro... daí a coisa só piora. Parece que eu voltei para a auto-escola. Quando desci do carro, ele me pediu três reais. Caralho, eu falei. Eu moro ali. Tá vendo aquele prédio? É ali que eu moro. Eu tenho de pagar três reais para tirar o carro da garagem? AO MEIO DIA!!!!! Então eu percebi que os flanelinhas das matinês já tinham invadido também as ruas Harmonia, Girassol, Jericó, Rodésia e todos os outros cantinhos que ainda fazem a Vila Madalena ter cara de bairro do interior. A partir de agora, quando você quiser tomar um simples café na Vila, se prepare: você vai gastar mais com os flanelinhas do que com um bom expresso.

Mas existe um local da cidade em que eles adotaram um grau de profissionalismo que consegue ser ainda mais proibitivo: a região da Faap. Ali eles costumam chegar antes do início das aulas e ocupam as ruas com uma série de cones para guardar vagas para os alunos que vão chegar em pouco tempo. Tente encontrar uma vaga nas imediações da faculdade: quando você avistar, um pouco de longe, um espaço vago entre dois carros, nem adianta comemorar - ao chegar mais perto você vai ver um cone reservando o lugar para algum aluno que, no entender dos flanelinhas, tem mais direito à rua do que você, que não é estudante da Faap.

Daí eu me pergunto: ninguém vê isso além da gente? Não há polícia, fiscais de trânsito ou qualquer outra autoridade que nos garanta o direito de parar o carro na rua sem sermos chantageados? E que ninguém venha me dizer que isso é papo de burguês. Que ter carro é privilégio e que eles estão fazendo um trabalho honesto e que são frutos da injustiça social do país. Ter carro não é privilégio porra nenhuma. Se fosse, São Paulo não seria uma das cidades mais congestionadas do mundo. E o que eles fazem não é nem trabalho e muito menos honesto. É chantagem, é constrangimento, é exotrsão, é ameaça, é aporrinhação. Não é justo que o camarada tenha de pagar para deixar seu carro na rua, não é justo que eles risquem a pintura do carro ou murchem os pneus quando a gente não aceita pagar. E não é justo que a gente se sinta intimidado por não ter pago três reais para um sacana de colete cor de abóbora. O que eles fazem é roubo e, como tal, devia ser proibido.

Mas a Prefeitura e os órgãos de trânsito estão muito mais preocupados em revestir a cidade com câmeras bem equalizadas para nos multar em cada esquina, se por acaso avançarmos alguns centímetros o sinal, não por negligência ou imprudência - mas por medo de sermos assaltados, como eu já fui e muita gente também já foi, a cada vez que paramos num cruzamento da cidade. Tudo é orquestrado para nos roubar ainda mais, para nos extorquir a cada vez que saímos de casa. Os flanelinhas estão ali, visíveis como uma praga urbana, fantasiados de cor de abóbora como se fossem um bloco carnavalesco de desocupados e chantagistas. E ninguém os pune, ninguém os coíbe, ninguém os tira da rua. Eles foram incorporados por nossa paisagem urbana como os equilibristas dos faróis, as crianças desassistidas e os pedintes que caem pelas sarjetas. São tolerados pelo poder público. Quem sabe se até, no intervalo entre uma extorsão e outra, eles ainda não sorriem e fazem tchauzinho para as novas câmeras instaladas para nos multar.

5 comentários:

Anônimo disse...

Não sabia que tinha você como vizinho. Eu moro na Jericó, a referida rua do blog. É uma porcaria mesmo, quando vem gente aqui em casa encontram essa novidade, que nasceu a pouquíssimo tempo. Um dos responsáveis é o prédio comercial em frente à escola. Essa gaelra cheira a carniça de longe. Eu odeio flanelinha. E na vila eles ficam especialmente feios. Abraço!

Anônimo disse...

Tio, quer que cuide do blog? Tres real ta bom. Ce sabe, né, tio, tem muito pirata por ai, eles podem entrar no seu blog e fazer a maior bagunca. Quer que cuide, entao?

Só no blog disse...

Eu não disse que os flanelinhas estavam cada vez mais perto? Agora até no blog eles estão atacando... O bom é que eu sei de onde partiu este ataque... e acho que vou revidar!!!!!!!

Unknown disse...

Oi, Sérgio!
Aqui na sua Terra Natal temos o mesmo problema, principalmente nos espaços culturais. Para ver um espetáculo no Polytheama, por exemplo, é cobrado R$ 5 pra deixar o veículo na rua. Outro dia briguei com o flanelinha e ele me disse para eu pôr o carro no estacionamento, já que eu ia ocupar o 'espaço dele'. É pra irritar ou não?
Abraço (seu blog está bem legal!)
Paula Mestrinel

Patty Diphusa disse...

Eu odeiiiioo flanelinha...tem um em um restaurante que eu costumo ir que ainda por cima enche a cara e fica te ajudando, bêbado, a manobrar. Ou seja, vc tem de tomar cuidado para não atropelá-lo. Um sufoco. E o pagamento é à vista pque, claro, eles não vão estar ali na volta. Receita garantida sem esforço nenhum, a não ser o de sair de casa. Sumam, desapareçam...