quarta-feira, agosto 22, 2007

Compras

O amigo Ricardo Moreno me ligou uma manhã dessas. Tinha acabado de voltar do Ceasa, onde comprara um coqueiro para enfeitar a sala de seu apartamento. Ao chegar em casa, notou que a copa da árvore era tão grande que, para se ir ao banheiro ou ao quarto, a partir daquele instante todos deveriam desviar de suas folhas. A árvore ocupou tanto espaço na sala que ele estava pensando em pedir atestado de vacina contra a febre amarela ou malária aos futuros visitantes - e cogitou a idéia, desta vez brincando, é claro, de comprar um casal de saguis para completar a decoração.

Compras realmente são um ato misterioso. Não estas básicas, que a gente faz em qualquer supermercado, gasta no mínimo cem reais e, quando chega em casa, descobre que continua sem nada para comer. Falo destas outras compras em que, por algum impulso ou submissão ao talento do vendedor, saímos da loja com alguma coisa que realmente não precisávamos e que, enquanto ainda passávamos o cartão de crédito na maquininha, sabíamos que nunca iríamos usar aquele bugiganga. Quando eu trabalhava no Jornal da Tarde e tinha um rendimento um pouco mais generoso do que este que tenho hoje, eu fazia parte deste mercado insandecido de consumo. Uma vez assinei a revista The Economist, porque o vendedor me convenceu de que o preço era uma pechinha. Eu nunca fui de ler a The Economist: se quisesse, era só pegar qualquer exemplar à disposição, ali mesmo na redação. Mas não, acreditei que se tivesse a revista em casa, passaria horas me informando e, ao mesmo tempo, aprimorando o meu inglês. Abri dois exemplares. Os outros tantos que vieram durante o ano, confesso, foram fechados para a lata de lixo.

ESte finalzinho de inverno é uma época perfeita para um outro tipo de compra absurda - as roupas que a gente acredita que vai usar no verão, coloridas demais e com um número inferior ao nosso manequim. Afinal, é claro que estaremos mais magros no verão. A gente entra na loja, pede uma calça manequim 42, por exemplo. A vendedora, linda, jovem e cheia de dentes, antes de mais nada pergunta o nosso nome. Vai começar o suplício. Como dizer que não quer nada para alguém tão bonitinha e que ainda te chama pelo nome. Então ela traz uma calça número 40 - a 42 acabou ontem, acredita, diz ela. Você veste a calça 40, ela abre a cortina do provador e diz que ficou ótimo. A gente sabe que não ficou: ela está apertada na cintura, o cavalo está curto, o pingolim está sendo estrangulado. E é nesta hora que ela diz: mas no verão a gente não come nada, só toma líquido e emagrece muito, não é mesmo? Pode levar que ficou perfeita. Então a gente caminha triste para o caixa, passa o cartão de crédito como se estivesse sendo dominado por uma força extra-terrestre que nos obriga a fazer o que não queremos. Uma força que nos impede de gritar "não! Eu não quero e não vou levar. A calça ficou justa, eu não vou emagrecer no verão e não quero que você fique dizendo meu nome alto na loja, quando eu estou de cueca dentro do provador. Eu tenho vergonha, chega, não vou levar nada". E então a caixa diz: a senha, por favor. E a gente acorda deste transe, sorri e aperta aqueles números que vão significar um desfalque na nossa já combalida conta bancária. E deixamos a loja nos perguntando: o que eu vou fazer com esta porra de calça número 40?

E assim se dá com aquele clube que a gente entra de sócio e nunca vai frequentar, a ioga que pede seis meses de pagamento antecipado e a gente só vai no primeiro dia, o leite de soja que a gente nunca vai tomar, a proteína de soja, que consegue ser pior ainda e precisa passar a noite na tigelinha com água para ser hidratada e depois rende uma almôndega de gosto insuportável, o livro que o amigo indicou e a gente corre comprar só para perceber que o gosto literário dele não tem nada a ver com o nosso, o tênis para corrida, com aquele solado que parece o minhocão, que a gente só vai usar para ir ao supermercado onde, após gastar cem pilas, voltaremos para casa e não teremos nada de legal pra comer quando bater aquela fominha à noite....

Só espero, de coração, que o Ricardinho Moreno não compre os macaquinhos para a árvore dele. Porque a tentação é grande....

4 comentários:

flávia coelho disse...

Ai que ótimo! Adoro esse assunto, viu?
Hoje o Marcelo Coelho escreveu na coluna da folha sobre nossa bela sociedade do consumo, gostei muito do texto e agora encontro o mesmo tema aqui.
Quem não leu ainda vale a pena também.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2208200721.htm

Marcelo disse...

Querido amigo,
se isso te conforta, já comprei um arpão de caça submarina só porque achei barato. Há sete anos ele enfeita minha despensa, intacto, enrolado em papel bolha. Certa vez comprei dez quilos de feijão Ki-Caldo -- mesmo morando sozinho -- só por ter visto um aviso do supermercado: "FEIJÃO KI-CALDO, R$ 2,00 O KILO. LIMITADO A DEZ QUILOS POR CLIENTE". É claro que aproveitei e comprei toda minha cota. Depois levei uma bronca de minha empregada, que me informou da existência de um bichinho chamado caruncho e que, segundo ela, o tal caruncho acabaria comendo a maior parte do feijão antes de mim.
Recentemente, e nessa vc estava presente, comprei uma prancha de surfe. E VC NADA FEZ PARA ME IMPEDIR!!!! Provavelmente usarei uma única vez. Mas, afinal de contas, estava barato...

Só no blog disse...

Marcelo, eu pensei em impedir você de comprar a prancha. Mas, pelo menos até agora, você é mais forte do que eu e achei mais prudente ficar quieto. O meu desejo, na verdade, é que, para guardar esta prancha, você compre agora uma casa na praia. E desta compra eu não vou reclamar, juro!

Anônimo disse...

esse blog é muito ruim. nem colocou foto do Ricardinho pelado !