segunda-feira, maio 31, 2010

Pedaço de mim

Comecei a ler ontem, e já passei da metade – o que não chega a ser um grande feito, visto que são apenas cem páginas – o último livro do escritor americano Philip Roth publicado no Brasil, A Humilhação. Mesmo quando não chega a ser genial, como no caso de A Marca Humana, Casei com um Comunista ou Indignação, Philip Roth se mantém como um autor muito acima da média.

A Humilhação trata de um tema que seguramente representa um pesadelo para atores, músicos, escritores ou qualquer outra pessoa que trabalhe com arte: a perda da inspiração e do talento. Um dia, você acorda e se dá conta de que não consegue – ou não sabe – mais fazer aquilo que sempre fez bem e que permitiu a você chegar aonde chegou – supondo que a gente tenha chegado a algum lugar.

Sob este aspecto, é um relato assustador, paranoico até. Por mais que as pessoas que convivem com o velho e famoso ator Simon Axler, o protagonista do livro,insistam em dizer que ele continua talentoso e carismático, ele sabe que foi abandonado por aquela centelha cujo brilho (que agora se percebe efêmero) o diferenciou dos demais atores de sua geração.

Mais que o abandono da mulher, dos filhos e da própria juventude, este parece ser o mais dolorido dos abandonos. O abandono de si próprio, aquele que te conduz a uma situação em que você não se reconhece mais capaz de fazer o que fazia, não se sente mais seguro para arriscar e acredita que o mundo a sua volta converteu-se em uma imensa camada de gelo fino, pronta a te engolir no primeiro passo que der. A mulher e os filhos podem ter ido para algum lugar conhecido onde sempre vai ser possível encontrá-los, a juventude provavelmente se consumiu em todos os espelhos nos quais você se mirou – e fez o mesmo com todos os seus amigos – mas o mais difícil é encarar, como no caso do personagem, uma parte de você, talvez a melhor delas, que resolveu te abandonar.

Sem deixar vestígios, sem dizer para onde foi e, o que é pior, deixando a impressão de que é para sempre.

2 comentários:

Julia Mendes disse...

..e é essa a hora de reinventarmo-nos. Talvez saír pra pescar ou qualquer coisa assim (pode ser até mais agradável, tentando ver de um ângulo otimista).

Vou anotar como dica de leitura.

Beijos!

sheyla disse...

o mundo uma camada de gelo fino.

(me parece sempre tão dura a sensação de eternidade desses descompassos, dos desencontros entre as várias pessoas de nós mesmos.

às vezes a melhor parte se cansa do resto e sai pelo mundo sem se despedir. e como faz para mastigar tanta ausência?)

de novo: há tempos não passava aqui e quando te li foi uma grata surpresa.

um abração pra você, roveri.