No início do ano, eu estava voltando do Rio de Janeiro, sozinho no carro, quando um policial rodoviário me parou. Ele pediu meus documentos e perguntou o que eu fazia da vida. Respondi que era jornalista. Nestas ocasiões, eu acho sempre mais prudente dizer que sou jornalista. Quando a gente responde que também escreve para teatro, as pessoas costumam ficar muito decepcionadas ao descobrirem que a gente não escreveu nem Irma Vap e nem Romeu e Julieta.
“O senhor é repórter do jornal O Globo?”, ele então me perguntou. Respondi que não, que eu morava em São Paulo e escrevia para publicações daqui. “Hum...sei... que negócio é esse de publicações?” Falei que eu era jornalista autônomo e escrevia para vários lugares... só que nós, jornalistas, costumamos chamar estes ‘lugares’ de publicações. “Entendi”, ele falou. “Então o senhor tem coluna?” Calmamente expliquei que não. Que eu não era colunista de lugar algum, que escrevia matérias quando os jornais e revistas me pediam. “Sei...sei...mas o senhor escreve sobre o quê?” Àquela altura, eu compreendi que a curiosidade dele não teria fim enquanto eu não fosse absolutamente didático. Expliquei a ele que eu escrevia sobre teatro, sobre peças que estavam entrando em cartaz, que entrevistava atores, diretores, escritores de peças, enfim, que basicamente eu escrevia sobre tudo que se referia a teatro.
Ele me olhou, fechou os documentos e me entregou a carteira. “Puta moleza de vida. Vai ser policial pra ver o que é bom, vai”.
Talvez alguém ficasse ofendido com isso. Eu, sinceramente, acho estas histórias uma delícia. Elas revelam um certo desconhecimento, ou uma certa ingenuidade, sobre o ofício do teatro. Mas eu sempre acho que é tudo muito saboroso. Há alguns anos, eu estava jantando no restaurante Luna di Capri com o ator Pedro Henrique Moutinho, que atuava em uma peça minha, O Encontro das Águas, ali pertinho, no Satyros. Chegou um casal para jantar e eu vi que eles tinham assistido à peça naquela noite. O cara disfarçou, disfarçou, até que chegou pro Pedrinho e perguntou: “Oi,você é o ator da peça que eu acabei de ver, né? O Encontro das Águas?”. O Pedrinho respondeu que sim. “É que eu tenho uma curiosidade sobre teatro. Você tem de falar toda noite esta mesma coisa ou se um dia você quiser mudar pode?” O Pedrinho explicou que tinha de ser toda noite igual, a mesmíssima coisa. “Nossa, deve enjoar, né?” Disse isso e voltou para junto da namorada.
A última variação sobre o mesmo tema é bem recente. Aconteceu na semana passada. Eu estava fazendo esteira, na academia, quando chegou um professor novo. “Roveri, é verdade que você escreve peça de teatro?”, ele me perguntou. Reduzi um pouco a velocidade da esteira, que já não era muito alta mesmo, para tomar fôlego e dizer que sim. “Puxa, que legal. Mas você escreve só a peça ou escreve a história também?” Reduzi mais um pouquinho a velocidade. “Olha, normalmente, eu escrevo a peça e a história, tudo junto. É um pacote só”. Ele arregalou os olhos. “E o roteiro, quem escreve?” . Respondi que eu escrevia a peça, a história, o roteiro, os diálogos, os nomes dos personagens, tudinho. “Caramba, deve cansar, né?”
Ô, se cansa!
sexta-feira, maio 28, 2010
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7 comentários:
concordo com vc, roveri. essas histórias são uma delícia. até porque cercam (mais ainda) de mistério o nosso ofício.
como é impossível dissociar a magia da criação, fiquemos com o insondável!
bjs,
tide
cansa, cansa, cansa, mas nóis gosta! Ontem fui assistir "um navio no espaço ou Ana Cristina César", você já viu?
Lembrei MUITO de você. Se ainda não foi, vá!! Esta é a última semana.
beijo grande e saudades.
Muito legal! Existe o desconhecimento, o fascínio e uma certa magia nesse nosso ofício de escrever. Como jornalistas, nós temos 'o' dom de podermos nos aproximar das mais diversas pessoas, do gari ao presidente... somos como sacerdotes que têm acesso aos deuses... e, ao mesmo tempo, somos uns enxeridos... Dramaturgo, então... "Ó, vou te contar uma, vc vai escrever uma peça com isso..." Numa mesma festa ontem, ouvi 3 vezes essa frase... e não veio nenhuma história 'peçável'...
Isso é ótimo, querido. E quando alguém chega pra você e diz que a gente precisa conhecer o primo dele, que é um personagem já pronto....Eu já teria personagens pra fazer um ben-hur no teatro. Beijão
Ô, querida, que honra você se lembrar de mim naquele espetáculo. Eu fui ver, sim. Fui na estreia. O Paulo José tá uma coisa, hein........beijão e saudade
Oi, adorei este texto, Roveri; muito palpável (se se pode dizer isso!) e muito engraçado também! E é uma delícia captar o que os outros ficcionalizam em nosso campo, tem de tudo: da secura à gentileza, do cômico ao não sei o quê, um leque de emoções e opiniões!
Bjim, Valéria
Oi! Muito bom o texto. Só faltou a clássica pergunta: "Teatro? Legal. E você trabalha com o que?"
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