domingo, novembro 23, 2008

Um brinde ao silêncio

Não me lembro de outra época recente, como esta, em que eu tenha ido tão pouco ao cinema. Pela primeira vez em muitos anos, a Mostra de Cinema começou e terminou sem que eu tivesse dado muita importância – vi apenas cinco filmes, dos quais somente um valeu o ingresso. Os outros quatro eu não recomendaria nem aos inimigos. Talvez algumas pessoas até acreditem que cinco filmes representem uma boa média, mas para quem estava acostumado a ver algo em torno de 30, este ano foi realmente atípico. Então, no feriado da quinta-feira, decido parar mais cedo com o trabalho e me permitir alguns sustos com o filme Estranhos, que vi em uma sala do Shopping Frei Caneca. O filme foi incensado por parte da crítica e destruído por outra – sinto que houve exagero dos dois lados. Me pareceu um filme eficiente naquilo que se pretende – manter a platéia em um surpreendente estado de tensão, à espera do próximo calafrio – e que desaba apenas no final. Mas não é sobre o filme que queria falar aqui, e sim sobre o comportamento do público.

Havia poucas pessoas na sala sete, no piso superior. Sentei-me na penúltima fila, à frente de dois rapazes com seus infalíveis saquinhos de pipoca. Quando as luzes já estavam se apagando, entraram mais quatro caras. Dois sentaram-se na última fileira, atrás da minha poltrona, e os outros dois na fileira da frente. Vamos aos fatos, então: os dois rapazes que já estavam no cinema quando eu cheguei, conversaram do início ao fim do filme, perdidos em diálogos irritantes como: “olha, ela esqueceu o celular na mesa”, “nossa, o cara está saindo com o carro”, “meu Deus, estão batendo na porta”, “ai, eu vou fechar os olhos, depois você me conta”. Com suas vozes de pardais com sinusite, eles narravam o filme como se narra um jogo de futebol. Os outros dois, que também ocuparam a última fileira, deixaram o celular ligado e faziam algo como apagar ou enviar mensagens de texto, enquanto conversavam alegremente também. Até que, por não entenderem direito o que estavam fazendo ali, tiveram a decência de ir embora. E, por fim, dos dois que se sentaram à minha frente, um saiu da sala quatro vezes – não sei se por medo, para fazer xixi ou dar alguns telefonemas. Só sei que, a cada vez que voltava, informava ao companheiro como andava a vida fora do cinema.

Repito que Estranhos não passa de um filme mediano, mas me pergunto se eu conseguiria ter me concentrado mais ainda que estivesse diante de um Hitchcock inédito. Acredito que não. Eu realmente tenho uma curiosidade em saber o que determinadas pessoas vão fazer no cinema, já que não conseguem manter o celular desligado ou a boca fechada. Não seria mais simples, ou barato, se elas ficassem em casa, ou num barzinho ou andassem sem compromisso pelos corredores do shopping? O cinema, para quem não está interessado em ver o filme, não funciona como um ambiente que teoricamente cerceia outros tipos de manifestações, como telefonar ou falar alto? Então, por que entrar? Será que eles entram como uma forma pueril de transgredir alguma convenção social? Algo do tipo: vou deixar minha marca onde minha marca não é solicitada. Ou: vou me apoderar deste espaço público como me apodero da minha sala de estar, vou estender o meu domínio para além da região onde meu domínio realmente se instala. Ou, o que é ainda pior: vou deixar claro que a educação e a civilidade faliram e que os incomodados encontrem uma nova forma de submissão às exigências da arte. Porque o cinema agora é nosso, nós, os que estamos aqui para provar que as invasões bárbaras já não são mais apenas um título de filme, e sim o produto que temos a oferecer a vocês.

Na noite seguinte, sexta-feira, eu estava muito a fim de voltar ao cinema para ver A Duquesa. Então me lembrei de tudo que poderia estar à minha espera na sala, de todas as pipocas, os celulares e as conversas estúpidas durante o filme. Decidi, então, cruzar a rua de casa, entrar na locadora e alugar O Poderoso Chefão. Fiquei na frente da televisão até duas da manhã, me deliciando mais uma vez com aquele talento que parecia nem caber numa tela pequena. O telefone não tocou, não saí várias vezes para fazer xixi e, em um canto do sofá, o Pirulito e a Ritinha, os gatos que moram aqui em casa, dormiam tranqüilamente sem fazer qualquer ruído. Tive vontade de abrir um champanhe e fazer um brinde ao maravilhoso silêncio que, infelizmente, temos de ficar em casa para desfrutar. Tempos chatos, estes.

15 comentários:

Anônimo disse...

não é verdade! você deve ter lido um post que eu não escrevi no meu blog. porque exatamente a mesma coisa aconteceu comigo. eram também duplas ou quartetos de garotos que falavam entre si e no celula com vozes de carmem verônica, em algum filme numa sala menor do arteplex. faz uns meses isso rolou e fiquei puto. igual que nem. quase escrevi na época, mas daí passaram uns dias, esqueci do assunto. e agora você toca na questão! bem, só me resta fazer minhas as suas palavras. bjs guza

Kiko Rieser disse...

Assim como as pessaos precisam aprender a silenciar em conversas também...

Lou disse...

é... também tenho ido pouco ao cinema, e sempre evitado os multiplex da vida... mas ainda assim, as inconveniências das salas e a qualidade, ou melhor a falta de qualidade dos filmes tem me deixado em casa.
aliás, ontem achei que precisava ver um filme... saí de casa, cheguei na paulista sem guarda-chuva, e uma dor de garganta que me fez comprar um... que me levou meus únicos 10 reais dois minutos antes de perceber que o cartão do banco ficou em casa... fiquei lendo "Tous les hommes sont mortels" da Simone de Beauvoir na Livraria Cultura. Ainda não sei se foi tão ruim... A parte pela aquisição do guarda-chuva, algo quase inútil na minha vida de isolamento social e amor as àguas que caem do céu... O cinema anda mesmo mal cotado...

Lou disse...

o cinema está mesmo mal cotado... ontem mesmo saí de casa, querendo evitar os multiplex fui até a paulista... quando lá cheguei, estava chovendo muito e como de costume estava sem guarda-chuva... dois minutos tarde demais, percebi que aqueles eram os únicos 10 reais que tinha na carteira e meu cartão do banco ficara em casa. Fui até a Livraria Cultura e me pus a ler Tous les hommes sont mortels, da Simone de Beauvoir... Nem lamentei tanto pela minha impossibilidade de ingressar numa sala qualquer para ver mais um filme qualquer em companhia dessas pessoas qualqueres... enfim... você tem razão, nem sempre vale a pena!

Lou disse...

idiotamente creio ter postado duas vezes o mesmo comentário... se for caso, aceite um dos dois obviamente... e esse não! ;-)
ainda não estou acostumada com a modernidade!
beijo

Anônimo disse...

Massa, apesar de insistir, cinema anda meio insuportável, pardais de sinusite é ótimo, o poderoso chefão também, valeu

Só no blog disse...

Oi, Fonsa, ainda bem que a gente se vê por aqui, né? É sempre uma alegria.
Lou, postei todos os seus comentários, assim você fica com um grande crédito neste espaço aqui.
Guzik, querido, que bom que você não brigou com o Kiko. E, Kiko, que bom que você não falou bem do Oswaldo Montenegro para não irritar o Guzik. Ai, que delícia esta paz no mundo virtual!!!!!!

Lou disse...

deu um ar cômico e atrapalhado aos comentários, tinha vir de alguém saiu de casa sem dinheiro para ir ao cinema.
aliás... hoje vi o lançamento do woody allen.

Anônimo disse...

Amei seu blog! não...você não me conhece, achei seu blog meio sem querer e li, inteiro.
Gostaria que você conhece meu trabalho, que é um pouco de mim (acho que o melhor rsrs). Estou em cartaz no Espaço dos Satyros 1, toda quinta às 21:00hs, até 11 de dezembro com a peça"Comprei um treisoitão e fui brincar com Deus", do Joeli Pimentel.
Posso deixar convite na bilheteria. É só você mandar um e-mail para ciadesencontrarios@gmail.com dizendo o dia que você vai.
Eu iria adorar te-lo por alguns momentos no meu mundo.
Um beijo
Dany Avila

Só no blog disse...

Oi, Dany, muito obrigado pela visita ao blog. Curti muito seus comentários. Vou me programar para ver seu espetáculo, sim. Beijão, sérgio

Anônimo disse...

Serginho, um dia fui ao cinema e perto de mim havia um grupo de uns 6 adolescentes conversando alto, antes do filme. (era "Closer", totalmente contra-indicado, mas enfim). Eles contavam que um dia antes tinham ido a outro cinema, pelo jeito com a mesma animação.
- Aí uma tiazinha chiou, mandou a gente calar a boca. A gente não calou. Aí, a tiazinha virou pra gente e berrou: Eu paguei ingresso e quero ver o filme! E eu respondi: Eu também paguei ingresso e quero conversar!

Essa é a lógica dessas, digamos, pessoas.

Eu tenho vontade de eletrocutar todo cretino que checa a hora no celular durante o filme, a peça, o conserto... Como se aquela luz não incomodasse.

beijos
Mário Viana

Só no blog disse...

Mário, querido. Por isso é que está ficando cada vez mais chato ir ao cinema. Não sei se já fiquei paranóico com isso, mas você não sente que em todo filme alguém que quer só conversar decide sentar bem do seu lado?

Anônimo disse...

Eu chego a achar que é proposital.
m.v.

Anônimo disse...

Sérgiro ótimo seu comentario, estou pasmo também com atitude das pessoas no cinema, estou acostumado ir no cinema toda tarde ali mesmo no frei caneca ou no espaço unibanco da augusta, mais não consigo fugir das pessoas inconvenientes, ontem fui ver A Duquesa ótimo, mais no meio do filme uma menina ante o celular, e começa a comentar do filme com a pessoa do outro lado da linha como se estivesse na casa dela na maior naturalidade, acho q essa foi a pior de todas q eu já vi, eu acabei perdendo toda consentração do filme pensando como aguem pode ter agido assim . enfim as pessoas precisa se reeducar para ir ao cinema .
Abraço Marcelo

Só no blog disse...

Oi, Marcelo, é complicado mesmo. O cinema sempre foi uma atividade quase obrigatória pra mim, eu ia com o maior prazer do mundo. Hoje em dia, penso duas vezes. E, confesso, tenho ficado cada dia com menos paciência para este tipo de comportamento do público, viu... abração