Depois de pensar muito na vida e de acompanhar, ainda que por alto, a cobertura dos desfiles da São Paulo Fashion Week, decidi me tornar um fashionista. Vários fatores contribuíram para que eu tomasse uma decisão tão radical, e vou tentar enumerar ao menos os principais deles aqui.
Em primeiro lugar, não sei direito nem o que é e nem mesmo o que faz um fashionista. Assim, logo que eu me tornar um deles, acredito que terei muito tempo livre para fazer outras coisas mais bacanas. Em segundo lugar, penso que um fashionista só trabalha duas semanas por ano: uma semana em janeiro, quando são exibidas as coleções de inverno, e outra semana em junho, quando conhecemos as tendências para o verão. No resto do ano eu não sei como eles se viram, porque não me lembro, sinceramente, de ter ouvido a opinião de algum fashionista sobre qualquer assunto em meses caídos como abril, agosto ou outubro. Creio que a imprensa não os procure nestes meses porque no fundo ninguém sabe onde eles estão. Talvez eles hibernem nos porões de algum ateliê, cobertos pelos trapinhos que sobraram da coleção passada, mas também não há provas concretas sobre isso.
E, em terceiro lugar, mesmo que o mundo esteja acabando, só duas coisas merecem a atenção dos fashionistas: como conseguir um assento na primeira fila dos desfiles e quais modelos estavam acima do peso ou exibiam as coxas e o bumbum castigados pelas celulites. Fora isso, não há notícia no universo capaz de espantar do rosto de um fashionista aquela expressão de tédio congênito. Neste quesito, talvez eu esteja sendo injusto com eles: os fashionistas dotados de boa memória sabem dizer também se uma coleção exibida agora, em 2008, traz ou não influências de algo que um estilista europeu mostrou em, sei lá, em 1975, quem sabe... Afinal, embora as modelos tenham pernas longas, a moda ainda caminha a passos curtos neste lado do mundo. Sei que não entendo nada de moda, mas as fotos dos desfiles estão aí para me dar razão.
No fundo, eu acho que um fashionista de verdade não pode ter preocupações mundanas. Não há nada menos fashion do que sofrer no trânsito, pagar contas, enfrentar o mau humor dos patrões e comer em bufê por quilo - tudo isto, definitivamente, são coisas que não combinam com o mundo da moda. Ou melhor, estão fora de moda e só não desaparecem do nosso cotidiano porque o nosso cotidiano, infelizmente, não é uma passarela que termina num fosso cheio de fotógrafos. Se os fashionistas tivessem de se preocupar com o mundo real, acho que não haveria graça alguma em ser fashionista e eu também não ia querer ser um deles.
Mas hoje, ao refletir sobre tudo isso, me bateu uma certa tristeza. Nós ainda estamos no dia 23 de junho e a São Paulo Fashion Week já botou um ponto final em 2008. Desfiles, agora, só em janeiro do ano que vem. Eu acho que os fashionistas vão chegar em casa hoje, depois de jantar no Ritz ou no Spot, tirar a calça verde de lantejoulas, encontrar um lugar no armário embutido para suas bolsas de mais ou menos dez quilos, dobrar os óculos escuros gigantes e colocá-los em algum cantinho da estante, guardar as botas debaixo da cama e depois chorar, chorar muito até o rímel borrar a fronha. E, depois do último soluço, dormir profundamente pelos próximos seis meses. Afinal, quando janeiro de 2009 chegar, é de bom tom que os fashionistas estejam com a pele linda e a língua afiada. Terão, enfim, muita coisa relevante para nos ensinar.
segunda-feira, junho 23, 2008
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4 comentários:
Caro colega Sergio.
Esse seu humor é vidal para minha saúde e felicidade.
Vendo que eu estou semi-fashionnista, sinto que o mundo semi-acaba depois dos desfiles.
Repito, este seu humor é vidal para minha flicidade desde que entrei nesse mundo, estando de um lado, e agora que estou no mesmo mundo, mas na posição de escolha.
Sobra, depois de um dia bem engraçado, aquele vazio. Espaço deixado pelo fio que eu tinha, quando o tempo que meu velho mundo me dava, quando eu não tinha sido ofuscado.
Vamos ver se você me empurra a força, se me levando e volto, só por breves passagens, ao paladar deste humor.
Abraços,
alex.network@hotmail.com
Querido, que bom que você curtiu e entrou no espírito do comentário. Olha, passando este frio eu tenho certeza de que você vai encontrar forças para se levantar, viu. Agora tá duro pra todo mundo. Beijão.
Você escreve muitíssimo bem, mas "foço" pegou mal.
Muito obrigado. Viu como é fácil a gente cair da passarela?
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